terça-feira, 6 de outubro de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Além do Arco-Íris"

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Risos e lágrimas no Planetário


Lionel Fischer


Após a missa de 7º dia do marido Alex, diretor teatral com quem fora casada 26 anos, a atriz Rita Monfort está em seu apartamento. Objetos espalhados por toda a parte, assim como caixas vazias, sugerem a iminência de uma mudança. E a platéia "atua" como supostos amigos ou parentes da protagonista, como se ali estivessem para prestar condolências. E é basicamente com os espectadores que Rita se relaciona, ainda que eventualmente materialize recordações e troque algumas palavras com Chiquinho, camareiro do antigo casal, que está ali para ajudar a embalar o que será levado na mudança. Eis, em resumo, o enredo de Além do Arco-Íris, em cartaz no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea). Flávio Marinho assina o texto e a direção do espetáculo, que tem elenco formado por Luciana Braga e Luciano Borges.

Como todos sabemos, a morte é algo com que lidamos com extrema dificuldade, ainda que tenhamos alguma crença capaz de apaziguar um pouco nossos corações diante de uma perda irreparável, como no presente caso. E talvez por isso Rita fale compulsivamente de sua relação com Alex, pois talvez acredite que, assim agindo, conseguirá ao menos minimizar a dor que a dilacera. E suas recordações são muito abrangentes - dentre outras, ela fala da trajetória artística do casal, da forma como ambos se relacionavam, das parcerias e cumplicidades, assim como das muitas brigas oriundas de duas personalidades com extrema dificuldade para ceder.

Estamos, portanto, diante de um contexto de grande potencial dramático. No entanto, Flávio Marinho optou por imprimir à maioria das recordações de Rita um tom de comédia, o que não deixa de ser surpreendente para alguém que perdeu o homem de sua vida há apenas uma semana. Mas a questão mais delicada do texto nem é exatamente esta, e sim uma permanente alternância de climas emocionais, o que gera uma certa dificuldade para entrarmos efetivamente - e afetivamente - no universo da protagonista.

Isto não significa que a situação não comporte momentos de humor, até porque o riso - mesmo que involuntário, descontrolado ou histérico - sempre pode gerar algum alívio. Mas aqui ele nos parece excessivo e como não há, quase nunca, uma transição para o drama, as já mencionadas alternâncias tornam-se por demais abruptas e um tanto injustificáveis. Por outro lado, cumpre ressaltar que o autor empreende pertinentes reflexões sobre vários temas, dentre eles o amor, o fazer teatral, a condição feminina e a relação conjugal.

Com relação ao espetáculo, Flávio Marinho impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, criando marcas diversificadass e expressivas, além de conseguir extrair de Luciana Braga uma atuação absolutamente irrepreensível.

Atriz completa, dotada de vastos recursos expressivos e grande inteligência cênica, Luciana Braga convence em todos os momentos, valorizando ao máximo tanto os mais dramáticos como aqueles em que o humor predomina. Sem dúvida, uma intepretação admirável, no mesmo nível de outras tantas da atual temporada, até aqui dominada amplamente pelas atrizes. Em papel de poucas possibilidades, Luciano Borges tem atuação correta.

Na equipe técnica, Maneco Quinderé responde por uma iluminação de altíssima qualidade, pois sutilmente consegue sublinhar todos os climas emocionais em jogo. Edward Monteiro assina uma cenografia por demais ilustrativa, pois a sensação é de que estamos não na sala do apartamento de um casal (ainda que de artistas do teatro), mas numa mistura de camarim com, digamos, um estúdio - fotográfico, cinematográfico ou destinado a ensaios. Ney Madeira criou um belíssimo vestido para Rita, que só contribui para ressaltar a beleza e charme natural da atriz. Flávio Marinho montou uma trilha sonora em total consonância com o contexto.

ALÉM DO ARCO-ÍRIS - Texto e direção de Flávio Marinho. Com Luciana Braga e Luciano Borges. Teatro Maria Clara Machado. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.

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