terça-feira, 20 de outubro de 2009

Todos adoram dançar

Derek Browskill


Uma atitude típica ocidental em relação à percepção corporal deprecia a própria movimentação corporal. Ainda não é considerado correto expressar livremente os sentimentos por meio da dança ou de movimentos - apesar de que, no íntimo, todos adorem dançar. O movimento e a dança foram provavelmente as primeiras formas de expressão humana. Sem dúvida alguma, foram as primeiras formas de expressão artística - o teatro do movimento, da dança e dos rituais.

Lembro-me da visita que fiz a uma escola primária, onde pediram-me que observasse uma aula de "movimento". Uma das meninas não reagia aos sons dos instrumentos musicais de acordo com as expectativas da professora, que comentou: "Ela não consegue; aquela lá nunca vai conseguir. Já tentei tudo, mas ela não faz os movimentos certos".

O que chamou minha atenção neste julgamento foi que, uns 15 minutos antes, a mesma menina transbordava de entusiasmo, ao mostrar para a professora os presentes de aniversário que havia ganho. Estava cheia de vida, fervilhando de movimento, querendo mostrar sua boneca à professora. Para expressar seu entusiasmo, ela torcia e retorcia a barra do vestido, num movimento que só posso descrever como uma dança de pura alegria, executada por seus dedinhos. Infelizmente, a professora não vira a coisa do mesmo modo, dizendo tantas vezes à menina para "ficar quieta" e "parar quieta" que ela acabou por desistir e voltar ao lugar.

A dança dos dedos, em homenagem à boneca, tinha sido importante e necessária, mas suas implicações não foram percebidas pela professora. A aula de "movimento" não tinha relação alguma com o estado de espírito da menina, não sendo surpeendente que ela hesitasse em expressar seus sentimentos através da "dança".

O impulso de dançar - e mesmo a vontade - está presente em todos. Mas isso raramente é estimulado e alimentado. Mais raramente ainda oferecemos o melhor tipo de estímulo - desenvolvimento de um estilo pessoal de movimento e dança. Com freqüência , a maioria das crianças que demonstram qualquer habilidade para dançar ou apreciar movimento é atirada nos carinhosos braços de uma professora de dança que insistirá, cedo demais, no ensino rígido das técnicas de balé.

Um estilo pessoal de movimento e dança proporciona uma firme plataforma de confiança, da qual o indivíduo poderá lançar-se com segurança à exploração, inovação e busca de flexibilidade. O aprendizado precoce de técnicas só prejudicará o estilo, além de provavelmente enterrar qualquer entusiasmo e alegria.

Um ator tem que ser dançarino, no sentido de que dança é qualquer série de movimentos conscientes que expressem um estado mental ou sentimento. Talvez ele não precise do estilo clássico, ou talvez não queira utilizar-se dos serviços de um coreógrafo, mas seus movimentos se transformarão em dança. Assim como algumas peças exigem que em determinado momento os atores cantem, outras exigem que em determinados momentos os atores dancem, e também existe uma terra-de-ninguém entre movimentar-se e dançar. Sempre que as alegrias e medos da condição humana são expressos em movimento, uma qualidade simbólica tende a emergir, e como resultado disso, nasce a dança.
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Fragmento do artigo Corpo e Movimento, extraído de Acting and Stagecraft Made Simple, W. H. Allen, 1979. Tradução de Lívia Mazzocato. Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-Rio.

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