sábado, 26 de dezembro de 2009

A crítica em debate

Claudia Miranda


Afinal, são os críticos de teatro competentes ou não? Atento aos palpitantes debates sobre o tema que nos últimos tempos vêm tomando conta da mídia carioca, o "Boca de Cena" abre suas páginas centrais para a discussão. Ouvimos importantes diretores e críticos do Rio de Janeiro, que manifestaram sua opinião a partir de duas questões básicas: qual seria, teoricamente, a função da crítica e como ela anda se comportando na prática. Divergentes ou não, os depoimentos mostram que todos estão peocupados com o engrandecimento do teatro. Coisa que, ninguém duvida, só vai acontecer através da constante troca de idéias entre pessoas envolvidas com o processo teatral. Enfim, está aberta a discussão.

* * *

BARBARA HELIODORA (crítica do jornal O Globo)

O crítico tem uma dupla função: informar ao público sobre o espetáculo e discutir com os realizadores se eles conseguiram atingir o que pretendiam com aquela montagem. Agora, se o crítico está, na prática, conseguindo ou não cumprir essa função, é uma questão de cunho pessoal. A experiência mostra que o leitor se identifica com o profissional que tem um gosto parecido com o dele. Em relação à classe teatral, acho que a convivência entre a crítica e os diretores, atores e produtores é plenamente satisfatória. Mas é claro que há sempre aqueles que chamam o crítico de imbecil quando este não faz um texto favorável sobre o seu trabalho. O que se há de fazer? São os ossos do ofício.


MACKSEN LUIS (crítico do Jornal do Brasil)

Acho que o papel da crítica vem mudando ao longo dos anos. Há 20 anos seu papel era de formadora de sensibilidade crítica. Hoje está muito mais presa à informação jornalística. Diferentemente de antes, quando era mais acadêmica. Do ponto de vista da imprensa o que se espera é que a crítica seja mais informativa do que analítica. Nesse sentido, tem mais repercussão quanto mais polêmica for. Mas acho que a crítica deve ser primeiramente analítica. Se isso não acontece ela vira uma mera resenha. Do ponto de vista do leitor, acho que ele espera que a crítica seja indicativa. Ou seja, se vale a pena ou não assistir ao espetáculo, numa visão estritamente consumista do fato teatral. Não sei qual dessas funções a crítica está assumindo. Mas tenho a impressão que o papel que ela pode vir a assumir está mais ligado à crítica acadêmica, embora atualmente, na imprensa, ela esteja condenada a fazer menos história e a registrar mais os fatos.


ARMINDO BLANCO (crítico do jornal O Dia, já falecido)

O grande Rubens Corrêa dizia que jamais havia mudado uma cena por influência da crítica. Jamais tentei ensinar Rubens Corrêa (ou Fernanda Montenegro, ou Paulo Autran, ou Luis Melo) a representar. Escrevendo sobre teatro, procuro, sobretudo, ajudar o público a "olhar". O teatro tem um código nem sempre acessível e menos ainda aos que não estão habituados a seguir o curso, às vezes torrencial, da oralidade dramática. Mas o crítico que empresta o seu olhar aos outros também depende do que lhe é proposto, dos desafios colocados à sua inteligência, à sua sensibilidade, ao seu senso ontológico, ao seu modo de estar na vida. Houve um Belinsky porque houve um Dostoiewsky; houve um Saint-Beuve porque houve um Balzac. Os críticos crescem com os criadores. E se, eventualmente, parecem medíocres, é porque a mediocridade está à sua volta, tomando conta das artes e de artistas, que se supõem melhores do que são.


LIONEL FISCHER (crítico do jornal Tribuna da Imprensa)

Se a crítica teatral desaparecesse, o que fariam os artistas para obter uma avaliação crítica do que realizaram? Os amigos, todos sabemos, deixam-se levar por sua afetividade e dificilmente conseguem esquecê-la na hora de refletir sobre o trabalho de alguém querido. O público? É uma possibilidade: mas isto obrigaria as produções a enviar um questionário a cada espectador e recolhê-lo pouco depois, sabe-se lá como. Ou então a enquete se faria ao término de cada sessão, com resultados altamente duvidosos - as pessoas, em tais circunstâncias, tendem a priorizar a diplomacia em detrimento da sinceridade. Restaria uma auto-análise coletiva, processo nem sempre eficaz porque abre mão do indispensável distanciamento. Assim, chega-se à conclusão de que a crítica é absolutamente necessária, desde que exercida com conhecimento de causa e com total respeito pelos artistas. E se a crítica jornalística funciona mais como uma ponte entre o espetáculo e o leitor e menos como uma reflexão mais aprofundada sobre o fenômeno teatral, isto é inevitável, já que o espaço disponível para a análise de um espetáculo não permite uma avaliação mais detalhada de todos os elementos envolvidos numa produção.


DOMINGOS OLIVEIRA (ator, diretor e dramaturgo)

A função antiga, inútil e negativa da crítica é criticar. A função moderna e construtiva é elogiar. Não é preciso coragem para criticar 99% de tudo que nos cerca nesta sociedade moderna. A coragem é descobrir o que é bom e apoiá-lo entusiasticamente. A função do crítico é desenvolver a nobre arte do elogio do bom. Fora isso, ele somente faz mal ao teatro. E como vem sendo exercida essa função? Vergonhosamente. Claro que existem bons críticos, gente criativa e construtiva, mas infelizmente nos dois principais jornais do Rio de Janeiro (JB e Globo), os críticos oficiais e vitalícios (Macksen Luis e Barbara Heliodora) têm feito um trabalho metódico e tenaz de destruição do teatro. Além de grosseiros e indelicados, são reacionários e avessos a qualquer tipo de profundidade. Mas não é grave, afinal todo mundo tem direito a opinião, vivemos numa democracia. Grave e nada democrático são as "Colunas de Recomendados". Puro abuso de poder econômico, contra-propaganda violenta das peças que não estão ali, este tipo de coluna tinha de ser assinada por um painel de críticos. Afinal, o teatro não pode ser frontal e regularmente prejudicado pela opinião subjetiva de nenhum crítico em particular, Macksen, Barbara ou o Papa.


EDUARDO WOTZIK (diretor teatral)

Antes é importante ressaltar o que queremos para o futuro do teatro. Queremos que o teatro seja cada vez mais um espaço de encontro entre os homens. Que o teatro alcance valor social. Que o Rio de Janeiro seja um polo cultural efervescente. Que os espectadores compareçam aos espetáculos. Discutam, julguem. Que sejam estimulados em sua sensibilidade. Estimulados a ir ao teatro e a tirar suas conclusões a respeito do que viram, fomentados em sua capacidade crítica. Essa é ainda nossa verdadeira briga. Ainda lutamos pela valorização da cultura em nosso país. Ainda estamos em processo de formação de uma platéia. De colocar o teatro num lugar de excelência. De afirmar junto à população a importância social da arte. Então, eu vou criticar a crítica e os críticos? Que cada um se conduza a seu silêncio. E reflita suas responsabilidades neste processo.


LUIZ ARTHUR NUNES (diretor teatral)

A crítica tem duas funções. Uma delas é promover um diálogo com o artista que o faça refletir sobre o seu trabalho. Normalmente, o que o artista tem em termos de retorno são o apaluso, o riso ou a vaia do público e os elogios dos amigos. Comentários que ficam na superfície. Raramente temos a oportunidade de refletir mais profundamente sobre a nossa obra. Nesta medida, o crítico é alguém especializado e muito importante. A outra função, esclarecedora, fazer para o público uma leitura do espetáculo. A meu ver os dois objetivos não têm sido cumpridos, absolutamente. Os críticos distribuem elogios ou maldições sem justificá-los. Baseado no gosto ou em princípios estéticos pessoais. Muitos são arrogantes e agressivos. Existe uma coisa chamada respeito profissional. Acho negativo este tipo de crítica que ataca a montagem sem levar a nenhum tipo de reflexão. Só serve para traumatizar o artista. Duvido também que o público aproveite alguma coisa desse tipo de crítica.


SERGIO BRITTO (ator e diretor)

A crítica teatral ou a crítica artística de um modo geral só tem importância quando consegue esclarecer o fenômeno. Discutir a pretensão do espetáculo; até que o ponto o autor, compositor ou autor conseguiu realizar o que pretendia; e até que ponto os intérpretes absorveram o verdadeiro sentido daquela obra. Então a crítica só tem importância quando enriquece o conhecimento cultural da gente que faz teatro e do público que o frequenta. Quando a crítica é apenas opinativa, tipo "eu não gosto disso ou não gosto daquilo", ela passa a não significar nada. Fica parecendo uma coluna social de fofoca. A crítica tem que contribir para o processo teatral, esclarecendo-o. As críticas muito furiosas, que atacam a peça, dizimando-a, perdem a sua função de explicar o espetáculo, analisá-lo, dizer o que ele significa ou o que poderia significar. A ferocidade de boa parte da crítica moderna faz com que ela não tenha nenhuma utilidade. É uma pena. De vez em quando a gente lê umas críticas surpreendentes. Há pouco tempo li uma crítica que faço questão de recomendar. Era do Macksen Luis falando da peça "As bacantes", do Zé Celso Martinez Corrêa. Foi um acerto. Eu o parabenizo, ele ajudou as pessoas a compreenderem o espetáculo.


FLÁVIO MARINHO (ex-crítico, autor e diretor)

A responsabilidade do crítico é com o leitor. É claro que, por tabela, ele estabelece uma ligação com o artista, mas sua função é orientar o público levantando as qualidades e defeitos dos espetáculos. O público então decide se vale a pena ou não assistir ao espetáculo. Para mim, esse é o crítico na sua forma idealizada. Alguns agem dessa forma, o Lionel Fischer é um deles. Mas existe uma parcela da crítica atrelada a uma espécie de preconceito estético que termina privilegiando determinado tipo de estética teatral. Não é que sejam negativos em relação aos bons espetáculos que não sigam essa estética, alguns até reconhecem o valor de outros gêneros de encenação. Mas a identificação do crítico com o objeto criticado é tão forte que ele acaba privilegiando uma determinada linha. Quando fui crítico tinha uma ligação muito forte com os musicais, gênero que me mobilizava mais do que aos outros críticos. Portanto, acho que a parcialidade é inerente ao ser humano, ainda que o crítico deva tentar ser o mais imparcial possível. Mas quando vejo a total inexperiência do pessoal que critica música e cinema é que percebo o quanto estamos bem servidos de críticos. São pessoas do ramo e que entendem do que estão falando.
__________________________________
Artigo extraído do jornal "BOca de Cena" nº 7.

Nenhum comentário:

Postar um comentário