segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Diretor: ter ou não ter?

Claudio Torres Gonzaga


Seria possível substituir o maestro por um metrônomo gigante? Fellini acha que não, como vimos em Ensaio de orquestra. Mas poderíamos acusá-lo de advogar em causa própria. A orquestra inglesa Hanover Band conseguiu resultados positivos sem a presença de um maestro, como podemos ouvir na sua versão de 1985 para a "Quinta Sinfonia", de Beethoven. E o teatro? Como se sairia sem um diretor?

A figura não é das mais antigas na história do teatro. O diretor, conforme conhecemos hoje, só vai aparecer na segunda metade do século XIX. Como, então, se viravam os gregos ou os elizabetanos? Podemos perceber, pelo sucesso de público e crítica de autores como Sófocles ou Shakespeare, que a falta do diretor não criou grandes problemas.

Mantendo as devidas proporções, os atores do espetáculo Lábios que beijei apostaram na ausência do diretor. Ao assistir à montagem, a análise de algumas questões sobre esse tema me pareceu pertinente. A primeira delas diz respeito à diferença entre o "não-diretor" e o desmembramento da função; na tentativa de trabalhar sem um diretor, o que aconteceu foi que tiveram quatro!?

Quando se tentou pesquisar a falta, o que se testou, na verdade, foi o excesso. Nesse caso, a dúvida passa a girar em torno da possibilidade de se realizar espetáculos com um número de diretores igual ao de atores.

Evidentemente, a pergunta quanto à possibilidade da realização de um espetáculo nessa circunstância está respondida - a peça está em cartaz, com suas virtudes e falhas. A próxima pergunta será, então, onde tais virtudes e defeitos tangenciam a questão dessa forma de direção.

Se tivesse assistido ao espetáculo desconhecendo a forma de trabalho adotada, diria que o diretor resolveu melhor os problemas de marcação e acabamento plástico do que os relativos à direção de atores. Talvez esteja aí a grande dificuldade de se trabalhar sem nenhuma pessoa de fora, que possa intermediar o tète-a-tète dos atores para resolver os problemas da encenação.

Não me parece um bicho-de-sete-cabeças um colega pedir ao outro para ficar mais à direita; sentar-se, naquela outra cena; ou, ainda, plantar uma bananeira durante aquele solilóquio existencial. Até mesmo esse pedido esdrúxulo me parece mais simples do que interferir na criação do papel do colega, ou na escolha das intenções e desenhos vocais do parceiro. Neste caso, o diretor único é insubstituível (até prova em contrário).

Em outras épocas, a conceituação do espetáculo era dada pelo próprio autor que, em última análise, fazia às vezes o papel do encenador. No caso de um espetáculo sem diretor, a sua sobrevivência passa a depender da capacidade de conceituação embutida no texto pelo autor, o que, em Lábios que beijei, dá-se de forma bastante satisfatória.

Evidentemente, no momento em que vivemos, no qual o encenador ocupa uma posição autoral tão forte, não se pode exigir aquilo que o espetáculo efetivamente não tem: autoria de direção. É difícil aceitar um espetáculo sem diretor em um momento de hegemonia do "espetáculo de diretor". Esta não é, porém, a única forma do fazer teatral. A figura do diretor só é, de fato, imprescindível, nos "espetáculos de diretor" (até prova em contrário).
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Artigo extraído do jornal "Boca de Cena" nº 3

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