sexta-feira, 27 de junho de 2014

Teatro/CRÍTICA

"A prostituta respeitosa"


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Os tortuosos caminhos da segregação racial



Lionel Fischer



Baseada em fatos reais, ocorridos nos Estados Unidos na década de 40, a peça gira em torno da prostituta branca Lizzie. Após deixar Nova York rumo a uma cidade do Sul, no trem ela testemunha o assassinato de um negro cometido por um branco, filho de um ilustre senador. A partir daí, é induzida a incriminar um negro, a ele imputando um crime que não cometera e assim facultando ao verdadeiro criminoso escapar da prisão. 

Eis, em resumo, o enredo de "A prostituta respeitosa", de autoria de Jean-Paul Sarte. Em cartaz no Solar de Botafogo, a peça chega à cena com direção de Marco Aurélio Hamelin e elenco formado por Anita Terrana (Lizzie), Thiago Detofol (Fred, filho do senador Clark), Claudio Bastos (Negro), Frederico Baptista (policial John) e Sergio Fonta (senador Clark).

Verdadeiro libelo contra a segregação racial, a peça investe furiosamente contra esta praga que parece estar longe de ser erradicada. E a forma encontrada por Sartre nos mostra os tortuosos caminhos de que se valem os detentores do poder para obter o que pretendem - embora Lizzie, inicialmente, relute em assinar uma carta incriminatória contra o negro, acaba convencida pelo senador Clark a fazê-lo, através de maquiavélica retórica que confunde por completo a ingênua prostituta.

Com relação ao espetáculo, Marco Aurélio Hamelin impõe à montagem uma dinâmica despojada e sóbria, conseguindo quase sempre valorizar os conteúdos em jogo. Mas acredito que a cena que abre o espetáculo, envolvendo Lizzie e Fred, poderia ter um ritmo mais apurado, pois alguns silêncios não me parecem preenchidos da indispensável carga de tensão. 

No tocante ao elenco, Anita Terrana, certamente em função do que acaba de ser dito, parece um tanto hesitante no início do espetáculo. Tal hesitação, no entanto, desaparece ao longo da montagem, com a atriz conseguindo trabalhar de forma convincente tanto a ingenuidade da personagem como sua indignação. Thiago Detofol também exibe uma certa hesitação na cena inicial, mas a partir daí constrói um Fred convincente, cabendo destacar a passagem em que, completamente embriagado, revela seu amor por Lizzie.

Vivendo o Negro, Claudio Bastos transmite todo o desespero e fragilidade do personagem injustamente acusado, com Frederico Babtista evidenciando segura presença na pele do policial John. Quanto a Sergio Fonta, o ator está impecável na pele do senador Clark, materializando na cena toda a sedução e abjeto caráter de um homem que, aparentemente possuidor de ilibada moral, é uma espécie de símbolo do aspecto mais sombrio do poder.

Na equipe técnica, considero corretos os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Miroel da Silveira (tradução), Cecília Terrana (direção de movimento), Marco Aurélio Hamelin (trilha sonora), Leysa Vidal (luz) e Marcelo Marques (cenografia e figurinos).

A PROSTITUTA RESPEITOSA - Texto de Jean-Paul Sartre. Direção de Marco Aurélio Hamelin. Com Anita Terrana, Sergio Fonta, Thiago Detofol, Claudio Bastos e Frederico Babtista. Solar de Botafogo. De 27 a 29 de junho, 10 a 12 de julho, 24 a 27 de julho, 7 a 10 de agosto. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 2030h.

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