"Saco e Vanzetti"
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Poderoso libelo contra o preconceito e a hipocrisia
Lionel Fischer
"Os italianos Nicola Sacco e Bartolomeu Vanzetti emigraram para os Estados Unidos quando jovens, no início do século XX, separadamente. Tendo Boston como nova morada, Sacco passou a trabalhar numa fábrica de calçados, enquanto Vanzetti desempenhou várias funções, dentre elas a de vendedor de peixe. A dupla se conheceu ao frequentar círculos anarquistas ítalo-americanos. Em maio de 1920, detidos em um comício anarquista por estar de posse de panfletos e algumas armas, foram acusados por assalto e assassinato de dois homens. Não havia qualquer prova contra eles, mas a Justiça montou um processo que acabou se transformando num ato político: um gesto exemplar para as classes perigosas. Nem mesmo a confissão de um detento que assumiu o crime serviu para impedir que ambos fossem executados na cadeira elétrica em 23 de agosto de 1927".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima explicita o contexto de "Sacco e Vanzetti", primeira montagem da Companhia Ensaio Aberto no Armazém da Utopia, no Cais do Porto, que volta agora a ser exibida. De autoria do argentino Maurício Kartun, a peça conta com direção de Luiz Fernando Lobo e tem elenco formado por Adriano Soares, Alain Catein, Bruno Peixoto, Danielle Oliveira, Diego Diener, Douglas Amaral, Gilberto Miranda, João Rafael Schuler, João Raphael Alves, Luiza Moraes, Luiz Fernando Lobo, Nathália Marçal, Taís Alves, Tuca Moraes, Victor Oliveira e Vinícius Domingues.
Quem está minimamente familiarizado com o "caso Sacco e Vanzetti" e possui um grau mínimo de lucidez e imparcialidade sabe que ambos foram vítimas de um julgamento precipitado e privados de um processo justo, graças às suas convicções políticas. Mas por que estas foram consideradas tão ameaçadoras? Para o jurista Edmund Morgan, da Universidade de Harvard, que investigou o processo e o julgamento durante vários anos, Nicola Sacco e Bartolomeu Vanzetti foram "vítimas de uma sociedade preconceituosa, chauvinista e perversa".
Curiosamente, em 1977, o governador de Massachusetts, Michael Dukakis, assinou uma declaração na qual reconheceu a injustiça cometida pelo tribunal e reabilitou o nome dos dois italianos. Será que tal ato contribuiu para reafirmar a máxima de que "a Justiça tarda, mas não falha?". Pode ser. Mas prefiro acreditar que a Justiça, ao menos quando aplicada aos menos favorecidos, não apenas tarda, mas quase sempre falha.
Com relação ao texto de Maurício Kartun, este exibe excelente carpintaria teatral e consegue retratar, com uma mescla de objetividade e emoção, o hediondo massacre humano de que foram vítimas os protagonistas. E ao mesmo tempo não deixa de facultar ao espectador um acurado exame das condições sociais e políticas que permitiram tal barbárie, e justamente em um país que apregoa deter o monopólio da liberdade e da justiça.
No tocante à montagem, as mesmas e preciosas virtudes que atribuo ao texto (objetividade e emoção) estão presentes na encenação de Luiz Fernando Lobo. E sendo este um declarado discípulo de Bertolt Brecht, nada mais natural que nos emocionemos com a trágica trajetória de Sacco e Vanzetti, mas sem que esta emoção se sobreponha à indispensável reflexão sobre os fatos retratados. Estamos diante de uma montagem impregnada de aspereza e tragicidade, de extremo rigor em termos formais e de exemplar coerência do ponto de vista estilístico. E cujo êxito também se deve, como não poderia deixar de ser, ao trabalho de todo elenco, cuja coesão e inteligência cênica considero impecáveis.
Na equipe técnica, são realmente notáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - J.C. Serroni (cenografia), César de Ramires (iluminação e direção técnica), Beth Filipecki e Renaldo Machado (figurinos), Luiz Felipe Radicetti (música e direção musical), Tuca Moraes (preparação corporal) e Aurora Dias (preparação vocal).
SACCO E VANZETTI - Texto de Maurício Kartun. Direção de Luiz Fernando Lobo. Com a Companhia Ensaio Aberto. Armazém da Utopia (Cais do porto). Sexta às 21h. Sábado e Domingo, 19h.
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