Teatro/CRÍTICA
"FAUNA"
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Pertinentes reflexões sobre a arte e a vida
Lionel Fischer
"O texto conta a história de um cineasta (José Luís) e de uma atriz (Julia) que vão ao campo pesquisar o mito de Fauna, uma espécie de amazona, culta e salvagem, para fazer um filme de ficção sobre ela. Lá, recebem a ajuda de Maria Luísa e Santos, filhos de Fauna, que se encarregam de apresentá-los à figura da mãe. Os quatro personagens ensaiam para o filme e discutem a importância, ou não, da representação da realidade. À medida que o tempo passa, os personagens vão se revelando, como se a exposição à ficção, em vez de protegê-los, os expusesse ainda mais. O texto também propõe uma reflexão sobre a relação e as fronteiras entre arte e vida".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Fauna", da dramaturga argentina Romina Paula. Em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, a montagem tem direção assinada por Erika Mader e Marcelo Grabowsky, estando o elenco formado por Eduardo Moscovis, Erika Mader, Erom Cordeiro e Kelzy Ecard.
Assim que se inicia a ação, já alguns conflitos são esboçados. A atriz lê um texto que deseja incluir no projeto, mas é contestada pelo diretor, sob a argumentação de que não se encaixa e além disso soa falso em razão de como foi lido. Então, Maria Luísa lê o mesmo texto de forma extremamente convincente, além de ministrar a Julia uma breve lição relativa às deficiências por ela evidenciadas em sua leitura - seria Maria Luísa uma atriz ou alguém de vasta cultura e afeita a ler textos em voz alta? Isso jamais fica claro.
Em seguida, somos informados de que Santos é uma espécie de ermitão, que adora viver no mato. Finalmente, fechando as primeiras informações, ficamos sabendo que José Luís é casado, o que não o impede de ser amante de Julia. E logo que ficam sozinhos em cena, ele tenta beijá-la, mas ela propõe que se abstenham da relação amorosa enquanto estiverem envolvidos com o projeto. Ele tenta demovê-la, mas ela se mantém irredutível, alegando que precisa concentrar-se totalmente no trabalho.
A partir daí, várias informações sobre Fauna vão se acumulando, dentre elas a de que costumava vestir-se de homem para frequentar ambientes masculinos e de que fora abandonada pelo marido. Ao mesmo tempo, cenas do filme começam a ser ensaiadas, inclusive com a participação de Santos, que, exceção feita a um breve momento em que profere o texto de forma caricata, em outras tantas passagens exibe firmeza e segurança dignas de um profissional, o que não deixa de provocar alguma estranheza.
E a peça avança, os ensaios começam a ser filmados (ao menos foi essa a impressão que eu tive) e as discussões se exacerbam, inclusive as que, como mencionado no parágrafo inicial, têm como foco a importância ou não de se representar a realidade, e as fronteiras entre a arte e a vida. Até este ponto, as pequenas ressalvas que fiz aos predicados de Maria Luísa e Santos podem ser relegadas a um plano secundário. No entanto, em nenhum momento me pareceram críveis algumas transformações por que passam os personagens.
Embora saiba perfeitamente que um profundo mergulho no universo ficcional pode acarretar surpreendentes revelações, não vi nenhum sentido em, lá pelas tantas, Julia dizer a Maria Luísa que se sente atraída por ela e que imaginava que tal atração era correspondida - nada, até esse momento, sequer sugeria uma tal possibilidade. E o mesmo ocorre com Santos, que em dado momento diz a José Luís que está apaixonado por ele - inicialmente o cineasta se mostra surpreso, mas mais adiante troca ardente beijo com Santos.
Qual terá sido o objetivo da autora? Explicitar a até então insuspeitada homossexualidade de José Luís e Julia? E se assim foi, com que objetivo? Ou seja: em que medida tal revelação, ainda que me pareça falsa, poderia contribuir para o aprofundamento das questões em causa? Sinceramente, não sei. Em contrapartida, acho perfeitamente válidas algumas reflexões empreendidas pelos personagens, sobretudo as que priorizam as relações entre arte e vida, e a que me pareceu a mais instigante: a suposta impossibilidade de se apropriar de uma vida - no caso, a de Fauna - com a pretensão de poder recriá-la através da ficção.
Com relação ao espetáculo, em seu início a direção evidencia uma certa displicência, como se uma maior expressividade não fosse ali relevante - terá sido proposital? No entanto, logo adiante a ausente expressividade inicial passa a existir, e a dinâmica cênica exibe belas e vigorosas passagens. E no tocante ao elenco, todos os intérpretes apresentam atuações irretocáveis, cabendo ressaltar a forma visceral com que se entregam aos personagens e a ótima contracena que materializam, só passível de acontecer quando os atores confiam uns nos outros, se respeitam e acreditam na validade da empreitada em que estão inseridos.
No tocante à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as excelentes contribuições de Hugo Mader (tradução), Renato Machado (iluminação), Fernando Mello da Costa (cenografia), Antônio Guedes (figurinos), Toni Rodrigues (direção de movimento) e Marcello H. (direção musical).
FAUNA - Texto de Romina Paula. Direção de Erika Mader e Marcelo Grabowsky. Com Eduardo Moscovis, Erika Mader, Erom Cordeiro e Kelzy Ecard. Centro Cultural da Justiça federal. Quarta a domingo, 19h.
segunda-feira, 19 de junho de 2017
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