Improvisação Teatral:
você sabe realmente o que é isso?
Lionel Fischer
Assim como muitas barbaridades são perpetradas em nome de
inestimáveis valores como liberdade, igualdade, fraternidade etc., da mesma
forma uma série de equívocos costumam ocorrer quando se trata de improvisação
teatral, sendo o mais comum a crença de que desenvoltura verbal é o suficiente - neste particular, a mestra de todos nós, Maria Clara
Machado, costumava dizer que o excesso de palavras é quase sempre proporcional
à ausência de sentimento.
Mas
antes de nos aprofundarmos no tema, talvez seja imperioso recorrer à
conceituação. No caso, do verbo Improvisar. Segundo mestre Aurélio...
Improvisar: fazer arranjar, inventar ou preparar às
pressas, de repente (improvisar uma fantasia, improvisar uma mentira); falar,
escrever, compor, sem preparação, de improviso (improvisar um discurso).
De suas palavras podemos deduzir no mínimo duas coisas. A
primeira: que improvisar requer imaginação (inventar).
A segunda: que é inerente ao verbo um sentimento de urgência (preparar às pressas). E tais atributos
estão aqui restritos ao universo cotidiano, pois quando entramos no terreno
teatral, muitas outras premissas se fazem indispensáveis, embora não raro
desprezadas ou ignoradas. Vamos a algumas delas.
Disponibilidade
Antes de qualquer outra coisa, o aluno/ator tem que
tentar se colocar em um estado de total disponibilidade, pois só assim
conseguirá interagir verdadeiramente com seus parceiros através dos estímulos
que recebe e envia. Mas atenção: estar disponível para o outro não significa
aderir a qualquer proposta apresentada, se esta se afigura como um disparate.
Neste caso, e sem interromper a improvisação, o aluno deve buscar uma
alternativa imediata para dar um novo rumo (ou tornar mais plausível) a uma
iniciativa equivocada de seu colega, sem questioná-la com palavras inúteis,
priorizando a ação.
Coragem
De todas as artes, a do ator talvez seja a que
contenha os maiores riscos, posto que exercida ao vivo e sem qualquer tipo de
intermediação com a platéia. Ou seja: mesmo que uma peça tenha sido
exaustivamente ensaiada, ou já esteja em cartaz há muito tempo, nada impede que
numa determinada noite ocorra algum imprevisto, obrigando o ator a esquecer o
combinado e partir corajosamente para uma solução improvisada. Neste caso, a
URGÊNCIA de encontrar uma saída convincente estimulará ao máximo a IMAGINAÇÃO
do intérprete.
Entretanto,
o ato de partir corajosamente para uma
solução improvisada não nasce do nada, mas certamente é fruto de um
treinamento específico, de preferência constante, a que todos os intérpretes
devem se submeter, sejam eles profissionais consagrados ou jovens que estejam
dando início ao seu aprendizado. E ainda que alguns exibam mais facilidade para
improvisar do que outros, a coragem de lançar-se em um terreno desconhecido é
essencial para qualquer um que pretenda intitular-se ATOR.
Medo
Atores ou não, todos temos medo, ainda que em graus
variados, de nos confrontarmos com o desconhecido. Isso significa penetrar em
um local isento de referenciais tranqüilizadores, uma espécie de terra de ninguém, de onde podemos
retornar mais enriquecidos ou com inquietações que não supúnhamos ter. Mas esta
é uma das regras do jogo e para usufruí-lo plenamente é preciso ao menos tentar
esquecer, momentaneamente que seja, todos os receios que tendem a nos paralisar
e impedir de vivenciar novas experiências. É claro que essa disponibilidade não
nasce de uma hora para outra, mas também jamais ocorrerá por insistência do
professor ou em decorrência de qualquer outro tipo de estímulo externo. O aluno
tem que querer e é essa vontade que o fará superar aos poucos todos os
bloqueios que o inibem.
Ilusão
Entretanto, é muito comum nos depararmos com alunos de
improvisação que julgam, erroneamente, já estarem em um estágio muito avançado
no tocante ao tema, pelo simples fato de freqüentarem a algum tempo um curso
específico ou já terem freqüentado vários. E se incitados a justificar o porquê
de avaliação tão lisonjeira, em geral as respostas são muito parecidas, podendo
ser resumidas a dois singelos tópicos:
1º A timidez inicial cedeu
lugar à desenvoltura.
2º As parcas palavras de
outrora passaram a jorrar aos borbotões.
Ou
seja: ausência de timidez e fluência verbal estariam na essência da complexa
arte de improvisar...
Nada mais enganoso, obviamente. Um aluno pode ser extremamente desenvolto em
cena (no sentido de ausência de timidez) e falar pelos cotovelos sem que isso
signifique que algum dia tenha verdadeiramente improvisado. Ou seja: se
aventurado em universos distantes de seu cotidiano. E por nunca tê-lo feito,
cria sempre “personagens” que o tem como principal referência. E por isso tende
a falar, se locomover e gesticular como o faz na vida real.
Sugestões
Dentre outras, procurarei fazer com que os alunos compreendam as seguintes
sugestões, sempre que estiverem improvisando:
1) Procure, sempre que possível, fugir de seu universo
pessoal.
2) Fale apenas o essencial. Palavras em excesso
comprometem os sentimentos.
3) Aprenda a escutar os outros. Só assim os outros
escutarão você.
4) Não faça questão de impor suas idéias. É importante
aceitar outras.
5) Contracenar implica em troca: saber dar e saber
receber.
6) Teatro é ação, não digressão.
7) Quando perceber uma dificuldade, invista nela.
8) Reaja prontamente a todos os estímulos, sem maiores
racionalizações.
9) Pense sempre que você está atuando para alguém.
10) Não sofra se algo der errado numa improvisação.
Acertos só nascem de equívocos.
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