sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Zeca Pagodinho - Uma história de amor ao samba"

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Irreverente e poético tributo


Lionel Fischer



"A dramaturgia recorre ao Teatro de Revista para narrar a trajetória de sucesso do artista e sua parceria com o público ao longo de mais de três décadas. Irreverência e bom humor marcam a narrativa, características que não poderiam faltar ao retratar o nosso herói suburbano. Com toda a liberdade que o teatro permite, a poesia também está presente no espetáculo. A peça inicia com Jessé embarcando no trem do samba, acompanhado de seus anjos da guarda Cosme e Damião, rumo à Estação Sucesso. Essa é uma viagem sem paradas e que fará o espectador perder o fôlego, se emocionar e querer cantar".

Extraído (e levemente editado) do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima resume o contexto em que se dá o musical "Zeca Pagodinho - Uma história de amor ao samba", em cartaz no Theatro Net Rio. Gustavo Gasparani responde pelo texto, roteiro musical e direção geral (co-direção de Cristiano Gualda), estando o elenco formado por Ana Velloso, Beatriz Rabello, Bruno Quixotte, Douglas Vergueiro, Édio Nunes, Flavia Santana, Gustavo Gasparani, Luciana Vieira, Milton Filho, Peter Brandão, Psé Diminuta, Ricardo Souzedo e Wladimir Pinheiro. 

Nelson Rodrigues sustentava que toda unanimidade é burra. Trata-se, evidentemente, de uma afirmação extremada, bem mais uma frase de efeito do que uma inabalável convicção. Mas mesmo que pudesse ser encarada como verdadeira, tal assertiva não se aplicaria a Zeca Pagodinho. Independentemente da preferência musical de cada um, jamais conheci alguém que não considerasse o artista como um mestre do samba, do pagode ou do partido alto - se é que tais segmentações fazem algum sentido. E mais: não acredito que exista alguém neste país que não nutra irrestrita admiração e simpatia pelo homem de origem humilde que, sem perder a humildade, atingiu todos os objetivos a que se propôs. Portanto, nada mais oportuno do que este irreverente e poético tributo que ora lhe é prestado.

Como explicitado no parágrafo inicial, o enredo começa com o jovem Jessé embarcando em um trem, o Trem do Samba, cuja estação final será a do Sucesso. Uma excelente ideia, posto que ao longo da viagem e das muitas paradas em estações diversas, vamos conhecendo pouco a pouco a trajetória do maravilhoso artista. E tal conhecimento se dá basicamente através de Rodas de Samba, eventos essenciais na formação do compositor posto que nelas ele aprimorou seu vocabulário, sua capacidade de improvisar e, acima de tudo, de aprender com aqueles que já dominavam o gênero.

Dividido em dois atos, no primeiro o autor prioriza informações sobre o compositor, mas sem que isso se torne enfadonho. Já no segundo, a festa se torna ainda mais emocionante, não apenas porque o ritmo se intensifica, mas também porque Gasparani materializa questões que humanizam ainda mais o personagem, tais como seu cansaço em face do excessivo número de shows, a progressiva perda de privacidade e seu desejo de retornar a Xerém, onde sua história começou e para onde finalmente retorna, ali reencontrando o menino que nunca deixou de ser e os amigos de sempre.     

Com relação à montagem, ela está à altura do ótimo texto. Valendo-se de marcações diversificadas e imprevistas, sempre criativas e impregnadas de irreverência, humor e poesia, Gustavo Gasparani reitera uma vez mais sua notável capacidade de dirigir musicais tendo o samba como tema. Além disso, e também como sempre, evidencia sua sensibilidade no tocante à condução do elenco, todo ele integrado por excelentes profissionais, que cantam e dançam com desenvoltura, e exibem a mesma eficiência nas passagens em que o texto predomina. Mas é claro que, em função da narrativa, alguns intérpretes têm maiores oportunidades, como Peter Brandão (Zeca jovem), o próprio Gasparani (Zeca já adulto), e a dupla Cosme e Damião (Édio Nunes e Bruno Quixotte, respectivamente). No entanto, faço absoluta questão de ressaltar que é a força do conjunto que mantém a platéia em estado de permanente encantamento.    

No tocante à equipe técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - João Callado (direção musical e arranjos), Renato Vieira (direção de movimento e coreografia), Gringo Cardia (direção de arte e cenografia), Marcelo Olinto (figurino), Paulo Cesar Medeiros (iluminação), Brando Ferreira (design de som), Maurício Detoni (preparação e arranjos vocais) e Beto Carramanhos (visagismo).

ZECA PAGODINHO - UMA HISTÓRIA DE AMOR AO SAMBA - Texto, roteiro musical e direção geral de Gustavo Gasparani. Com Peter Brandão, Gustavo Gasparani, Édio Nunes, Bruno Qioxotte e grande elenco. Theatro Net Rio. O espetáculo encerra sua temporada nesse espaço com sessões hoje às 21h, sábado às 17h30 e 21h, e domingo às 20h.


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