Teatro/CRÍTICA
"THE AND"
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Oportuna e inesquecível montagem
Lionel Fischer
"O espetáculo promove uma interseção entre as palavras de Beckett (três novelas escritas logo após a Segunda Guerra Mundial), Machado de Assis ("Memórias Póstumas de Brás Cubas") e os gritos do nosso próprio tempo. A peça apresenta uma personagem errante, expulsa de todos os lugares e movida pelo desejo de encontrar um local para ficar quieta e sossegada. Ela é o sinônimo da própria instabilidade do nosso tempo, sem garantias e em estado de permanente desintegração".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "THE AND", em cartaz no Teatro Sesc Copacabana (Sala Multiuoso). Isabel Cavalcanti responde pela dramaturgia, atuação e divide a direção do espetáculo com Claudio Gabriel.
Como explicitado no parágrafo inicial, estamos diante de uma mulher errante, expulsa de todos os lugares e que vaga em busca de paz. Mas me parece enganoso individualizá-la, pois assim nos limitaríamos a sentir compaixão por alguém que da vida só conheceu o seu lado mais amargo. No entanto, o que está em causa transcende uma tragédia específica e se estende a todos nós. Afinal, quem somos? O que pretendemos? Para onde vamos? O que ainda podemos fazer para evitar a completa desintegração de nossos valores mais essenciais?
O presente texto não nos acena com respostas, mas sutilmente nos imputa responsabilidades. Sim, somos todos responsáveis por tudo que fazemos e sobretudo por tudo que deixamos de fazer. Se eu não acolho e não conforto, por que haveria de ser acolhido e confortado? Se a dor do outro não me sensibiliza, por que a minha dor haveria de sensibilizar alguém? Se a empatia tornou-se um conceito meramente abstrato, então nada mais nos resta a não ser admitir que fracassamos, posto que em nossos corações já não reside qualquer resquício de humanidade. No entanto, e mesmo reconhecendo que muitas vezes a mão que afaga é a mesma que apedreja, será que ainda podemos apostar no afago?
Contendo amargas e pertinentes reflexões sobre a condição humana, os textos de Beckett foram costurados de forma admirável por Isabel Cavalcanti, cabendo também ressaltar a surpreendente inserção das dilacerantes palavras de Machado de Assis, que me levaram a um estado que, na ausência de uma definição mais precisa, me converteram em uma espécie de náufrago de mim mesmo.
Quanto ao espetáculo, Claudio Gabriel e Isabel Cavalcanti impuseram à cena uma dinâmica em total sintonia com os conteúdos propostos pelos autores. Tudo se dá em uma atmosfera sombria e claustrofóbica, cabendo enfatizar a expressividade de todas as marcações, assim como a maestria no tocante aos tempos rítmicos. Sem a menor sombra de dúvida, estamos diante de um dos melhores espetáculos da atual temporada.
No que se refere a Isabel Cavalcanti, sempre admirável como comediante, aqui a atriz evidencia uma extraordinária capacidade de materializar a dor e desamparo de uma personagem que simboliza a dor e o desamparo humanos, para tanto valendo-se de irretocáveis escolhas vocais e corporais. Além disso, cumpre ressaltar sua forte presença, inegável carisma, inteligência cênica e uma visceral capacidade de entrega. Assim, não hesito em afirmar que Isabel Cavalcanti exibe aqui a melhor performance de sua carreira.
Quanto à equipe técnica, destaco com o mesmo e arrebatado entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna e inesquecível empreitada teatral - Inês Cavalcanti (tradução das citações de Beckett), Cristina Amadeu (direção de movimento), Fernando Mello da Costa (cenografia), Renato Machado (iluminação), Marcelo Alonso Neves (direção musical), Claudio Gabriel e Isabel Cavalcanti (figurino) e Sonia Barreto (design visual).
THE AND - Textos de Samuel Beckett e Machado de Assis. Direção de Claudio Gabriel e Isabel Cavalcanti. Dramaturgia e atuação de Isabel Cavalcanti. Teatro Sesc Copacabana (Sala Multiuso). Sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h.
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
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