Teatro/CRÍTICA
"Minha vida daria um bolero"
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Delicioso tributo às paixões auditivas
Lionel Fischer
"Diana é uma locutora que apresenta um programa de rádio há 20 anos, uma espécie de consultório sentimental. Orlando é um professor de dança que busca o programa para se aconselhar e acaba se apaixonando pela voz da apresentadora. Diana e Orlando se relacionam durante 20 anos, embora nunca tenham se encontrado. Na medida em que o tempo passa, durante o programa, os personagens vão ajudando um ao outro, aprendendo e descobrindo o caminho do amor. E a pergunta principal da peça é: será que alguém pode se apaixonar por uma voz?"
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima contextualiza e resume o enredo de "Minha vida daria um bolero", de autoria de Artur Xexéo. Em cartaz no Teatro Sesc Ginástico até o próximo domingo, a montagem leva a assinatura de Rubens Camelo e Paulo Denizot, estando o elenco formado por Françoise Forton e Aloísio de Abreu.
Muitos sustentam que uma boa peça tem que necessariamente partir de uma boa ideia. Sempre discordei disso e cito como exemplo "Hamlet", de Shakespeare, provavelmente o melhor texto teatral já escrito. Vejamos: qual a premissa que dispara a trama? O príncipe Hamlet se depara com o fantasma de seu pai e este lhe informa que foi assassinado pelo irmão, com a cumplicidade da mãe de Hamlet, e pede ao filho que o vingue. Pois bem: há algo de extraordinário nessa ideia? Não me parece. Ocorre que Shakespeare era Shakespeare, e por isso foi capaz de criar a obra-prima que todos conhecemos.
Mas aqui, efetivamente, o autor teve uma ótima ideia. Ao invés de a locutora ouvir os problemas de seus ouvintes e dar conselhos, ela coloca um bolero cuja letra tem afinidade com o drama relatado. É evidente que a locutora sabe que tal artifício não vai sanar a dor daquele que sofre, mas ao menos servirá para lhe mostrar que muitos padecem de uma dor semelhante, o que em certa medida serve como consolo. Outra ótima ideia é o fato de Diana e Orlando manterem uma ligação tão longa, sem jamais se encontrarem, o que nos leva à pergunta que encerra o parágrafo inicial: será que alguém pode alguém se apaixonar por uma voz?
Particularmente, acredito que sim. Como também não hesito em afirmar que Artur Xexéo escreveu um texto simples e delicioso, que nos emociona e diverte através dos diálogos entre os personagens, e também nos faz recordar antigos amores em função dos maravilhosos e sempre melancólicos boleros selecionados, dentre eles "Tú te acostumbrastes", "Solamente uma vez", "Angustia" e "Besame mucho".
Com relação à dinâmica cênica, Rubens Camelo e Paulo Denizot também optaram pela simplicidade, criando marcações que valorizam o que de fato importa: a relação entre os dois intérpretes e deles com a plateia, que se mantém atenta e interessada ao longo de todo o espetáculo, que certamente se tornará ainda melhor quando voltar ao cartaz em um espaço menor e mais aconchegante.
Quanto a Françoise Forton e Aloísio de Abreu, ambos cantam muito bem, extraem dos personagens seu máximo potencial e evidenciam uma cumplicidade cênica só passível de acontecer quando os intérpretes confiam totalmente um no outro e acreditam sinceramente na validade do projeto em que estão envolvidos.
Na equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as colaborações de Marina Salomon (direção de movimento), Paula Santoro (preparação vocal), Carlos Alberto Nunes (cenografia), Clívia Cohen (figurinos), Paulo Denizot (iluminação) e Fernando Cazione (visagismo). Quanto ao pianista e o percussionista que atuaram quando assisti o espetáculo, soube pela produção que estavam substituindo os titulares apenas naquela noite. E como ficou evidente um certo desentrosamento em alguns momentos, não vejo por que citar seus nomes.
MINHA VIDA DARIA UM BOLERO - Texto de Artur Xexéo. Direção de Rubens Camelo e Paulo Denizot. Com Françoise Forton e Aloísio de Abreu. Teatro Sesc Ginástico. Quinta a sábado, 19h. Domingo, 18h.
quinta-feira, 2 de agosto de 2018
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