sexta-feira, 6 de março de 2009

Teatro/CRÍTICA

"A cabra ou quem é Sylvia?"

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Texto desconcertante e paradoxal


Lionel Fischer


Certamente o maior dramaturgo norte-americano vivo, Edward Albee começou sua carreira com obras de forte teor crítico, como "A história do zoológico" e "A morte de Bessie Smith". Em seguida, um tanto influenciado pelo Teatro do Absurdo, escreveu "Exorcismo", "A caixa de areia" e "O sonho americano". Em 1962 teve encenada sua peça de maior repercussão, "Quem tem medo de Virginia Woolf?", um melodrama psicológico ao qual se seguiria "Um equilíbrio delicado", outro ótimo texto estruturado de forma semelhante. Nos anos 70 e 80, no entanto, sua produção foi muito desigual, e Albee só voltaria a fazer sucesso em 1994 com "Três mulheres altas".
Passados oito anos, o autor volta aos palcos de Nova York com "A cabra ou quem é Sylvia?", que arrebatou alguns dos mais importantes prêmios do teatro americano. E é esta obra que o público carioca - depois do paulistano - tem agora a oportunidade de conhecer. Em cartaz no Teatro dos Quatro, a peça conta com tradução, adaptação e direção de Jô Soares, estando o elenco formado por José Wilker, Denise Del Vecchio, Norival Rizzo e Gustavo Machado.
O presente texto é sem dúvida desconcertante. Um casal perfeito tem sua longa relação subitamente abalada por algo inusitado: o homem começa a transar com uma cabra. Mas se fosse apenas uma transa, tudo se restringiria a uma tara e aí o contexto estaria restrito ao universo da perversão. No entanto, o homem não apenas dá um nome ao animal, como também explicita seu amor por ele, sugerindo que tal amor é correspondido.
Diante disto, muitas possibilidades de interpretação afloram e mesmo intuindo que o autor talvez tenha pretendido escrever um libelo contra a intolerância, contra a nossa incapacidade de compreender o outro quando ele age de forma a afrontar os limites da "normalidade", ainda assim acreditamos que o personagem se encontra à beira da loucura ou dela já está completamente possuído.
No entanto, se a hipótese acima mencionada estiver correta, acreditamos que Albee criou uma obra um tanto paradoxal, pois investe demasiadamente no humor, quando a situação exibe contornos evidentemente trágicos - isto não significa, bem entendido, que uma tragédia não possa conter elementos cômicos, sobretudo com pinceladas de humor negro, mas aqui existe um número excessivo de piadas, muitas delas realmente engraçadas, mas que só contribuem para minimizar o alcance do sobrio contexto.
Com relação à direção de Jô Soares, esta é bastante simples e basicamente centrada nas relações entre os personagens. Neste sentido, acreditamos que o diretor poderia ter orientado José Wilker para que dosasse um pouco mais suas explosões, uma constante ao longo do espetáculo. Mas como Wilker é um ator de exceção, ainda assim consegue conferir credibilidade ao atormentado homem que tenta convencer sua família - sem sucesso - de que está vivendo um momento extraordinário em sua vida, ainda que desconcertante. Na pele da esposa, Denise Del Vecchio materializa de forma segura a esposa perplexa e inconformada com a bizarra e inesperada paixão do marido pela dita cabra. Norival Rizzo encarna com veracidade o amigo do casal, o mesmo ocorrendo com Gustavo Machado, que interpreta o filho.
Na equipe técnica, Isay Weinfeld responde por uma cenografia um tanto vaga, que jamais sugere a sala de uma casa, parecendo bem mais o sagão de um hotel. Lu Pimenta assina figurinos corretos, a mesma correção presente na iluminação de Telma Fernandes e na trilha sonora de Duda Queiroz.

A CABRA OU QUEM É SYLVIA? - Texto de Edward Albee. Direção de Jô Soares. Com José Wilker, Denise Del Veccio, Norival Rizzo e Gustavo Machado. Teatro dos Quatro. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.

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