sábado, 12 de fevereiro de 2011

                                   Morte
                                                peça em um ato de
                                                                           Woody Allen

(Quando sobe o pano, Kleinman está dormindo e são 2 da manhã. Batem à porta)

Kleinman - Hug?

Vozes - Abra! Ande logo, sabemos que você está aí! Vamos, abra logo!

Kleinman - Hug? O quê?

Vozes - Vamos, pô! Abra!

Kleinman - Quem é?

Voz - Vamos, Kleinman! Depressa!

Kleinman - Hacker...é a voz de Hacker. Hacker?

Voz - Vai abrir ou não, Kleinman?

Kleinman - Estou indo, estou indo. Estava dormindo. (Sonolento e desajeitado. Olha o relógio) Meu Deus, são duas e meia...Já estou indo, espere um minuto! (Abre a porta. Entra uma meia dúzia de homens)

Hank - Que merda, Kleinman! Está surdo?

Kleinman - Estava dormindo. São duas e meia da manhã. O que houve?

Al - Precisamos de você. Vista a roupa.

Kleinman - O quê?

Sam - Vamos embora, Kleinman. Não temos a vida toda.

Kleinman - O que aconteceu?

Al - Vamos lá, porra!

Kleinman - Para onde? Hacker, já é de madrugada!

Hacker - Então acorde!

Kleinman - O que está havendo?

John - Não seja tão ignorante.

Kleinman - Quem é ignorante? Eu estava num sono profundo. O que você acha que eu estava fazendo às duas e meia da manhã - dançando?

Hacker - Precisamos de todo mundo que possa ser útil.

Kleinman - Para quê?

Victor - O que há com você, Kleinman? Onde esteve esse tempo todo, que nem sabe o que está acontecendo?

Kleinman - Não sei do que estão falando!

Al - Vamos fazer justiça pelas próprias mãos.

Kleinman - O quê?

Al - Uma espécie de esquadrão da morte.

John - Só que com um plano!

Hacker - E bem bolado.

Sam - Um plano perfeito!

Kleinman - Alguém pode me contar o que está havendo? Estou de cuecas e sentindo frio.

Hacker - Limite-se a saber que precisamos de você e de quem puder ajudar. Agora, vista-se.

Victor (Ameaçador) -  E depressa.

Kleinman - Está bem, já estou me vestindo. Podem me dizer, por favor, o que houve? (Começa a vestir as calças com apreensão)

John - O assassino foi visto. Por duas mulheres. Viram quando ele entrou no parque.

Kleinman - Qual assassino?

Victor - Kleinman, isto não é hora de se fazer de bobo.

Kleinman - Quem está se fazendo de bobo? Vocês quase arrombam a porta, eu estou ferrado no sono e...

Hacker - O assassino de Richardson. E de Jampel.

Al - O assassino de Mary Quilty.

Sam - O tarado.

Hank - O estrangulador.

Kleinman - Qual tarado? Qual estrangulador?

John - Aquele que matou o filho de Eisler e estrangulou Jensen com a corda de piano!

Kleinman - Jensen?...o guarda-noturno?

Hacker - É aí. Pegou-o por trás. Esgueirou-se e passou a corda de piano em volta do seu pescoço. Jensen estava azul quando foi encontrado. Saliva congelada no canto da boca.

Kleinman (Olha ao redor da sala) - Olhem, eu tenho que trabalhar amanhã...

Victor - Vamos nessa, Kleinman. Temos que agarrar esse cara antes que ele ataque de novo.

Kleinman - Temos? Vocês e eu?

Hacker - A polícia não está dando conta.

Kleinman - Bem, então é só escrever uma carta reclamando. Prometo fazer isto assim que acordar...

Hacker - Estão fazendo o máximo, Kleinman. Mas não têm pistas.

Sam - Todo o mundo está sem pistas.

Al - Não me diga que você ainda não tinha ouvido falar do tarado?

John - É difícil de acreditar.

Kleinman - Bem, a verdade é que...tenho andado muito ocupado. Estou num sufoco...(Eles não estão acreditando numa palavra). Não tenho tido tempo nem para almoçar...e vocês sabem como eu adoro almoçar...Hacker sabe disso...

Hacker - Mas esses crimes estão se arrastando há tempos! Você não lê os jornais?

Kleinman - Não tenho tido tempo!

Hacker - Todo mundo está apavorado. As pessoas já nem saem à noite!

John - Mas nem isso adianta. Duas irmãs foram mortas em casa, porque não trancaram a porta direito. Gargantas cortadas de orelha a orelha!

Kleinman - Você não disse que ele era estrangulador?

John - Kleinman, não seja ingênuo.

Kleinman - F-f-foi bom você ter falado nisso. Acho que vou botar uma tranca na porta!

Hacker - É horrível! Ninguém sabe quando ele vai atacar!

Kleinman - Quando começou isto? Por que ninguém me contou?

Hacker - Primeiro, um cadáver; depois, outro; depois, outros. A cidade está em pânico. Todo mundo, menos você.

Kleinman - Bem, pode ficar descansado, porque agora eu também estou!

Hacker - O problema do tarado é que ele não tem motivos. Mata por matar.

Kleinman - Ninguém foi roubado nem violentado? Ninguém sentiu cócegas?

Victor - Nada. Só estrangulado.

Kleinman - Até Jensen...E ele é tão forte...

Sam - Era. Neste exato momento, está todo azul e de língua pra fora.

Kleinman - Azul...Não fica bem num homem de 40 anos...E não há pistas? Nem um cabelo? Uma impressão digital?

Hacker - Há. Há um fio de cabelo.

Kleinman - E então? Hoje eles só precisam de um fio de cabelo. Botam debaixo de um microscópio e, em dois tempos, ficam sabendo de tudo. De que cor é?

Hacker - Da cor do seu.

Kleinman - Do meu? Não me olhe desse jeito! Não andei perdendo cabelo ultimamente! Eu...Olhe, não vamos enlouquecer, vamos? O negócio é manter a calma.

Hacker - A-han.

Kleinman - Às vezes, há uma pista nas vítimas - não serão todos carecas ou enfermeiros? Ou, quem sabe, enfermeiros carecas...

John - Está tentando dizer que há alguma coisa em comum entre as vítimas?

Sam - Entre o filho de Eisler e Mary Quilty, e Jensel e Jampel...

Kleinman - Se eu soubesse mais sobre os casos...

Al - Se ele soubesse mais sobre os casos. Não há nada em comum. Exceto que eles estavam vivos e agora estão mortos. É a única coisa em comum!

Hacker - Ele tem razão. Ninguém está a salvo, Kleinman. Se é isto que você está pensando.

Al - Talvez ele queira ter certeza.

John - É.

Sam - Não há lógica, Kleinman.

Victor - Não são apenas enfermeiros.

Al - Ninguém está imune.

Kleinman - Eu estava querendo apenas ter certeza. Foi uma simples pergunta.

Sam - Bem, então acabe com essa perguntas idiotas. Temos muito o que fazer.

Kleinman - Escutem, não sou muito bom nessas coisas. Não entendo nada de buscas. Só iria atrapalhar. Não preferem uma contribuição em dinheiro? Vou pegar a carteira e...

Sam (Encontrando um fio de cabelo na cômoda) - O que é isto?

Kleinman - O quê?

Sam - Isto. No seu pente. Um fio de cabelo.

Kleinman - Penteio o cabelo com ele.

Sam - A cor é igual à do cabelo encontrado pela polícia!

Kleinman - Ficou louco, cara? Esse é um cabelo preto! Há milhões de cabelos pretos por aí! Por que está pondo ele num envelope? Ora, é a coisa mais comum! Olhe lá! (Aponta para John)...ele tem cabelo preto!

John (Agarra Kleinman) - Está me acusando, Kleinman?

Kleinman - Quem, eu, te acusando? Ele pôs meu fio de cabelo num envelope! Quero esse cabelo de volta! (Agarra o envelope, mas John o segura firme)  

John - Pare com isso!

Sam - Estou cumprindo o meu dever.

Victor - Ele tem razão. A polícia pediu a ajuda de todos.

Hacker - Daí o nosso plano.

Kleinman - Qual plano?

Al - Podemos contar com você, não é?

John - Não queremos indecisos!

Victor - Ora, claro que podemos contar com Kleinman. Ele faz parte do plano!

Kleinman - Eu faço parte do plano? Então qual é o plano?

John - Você saberá. Não se preocupe.

Kleinman - E para isso ele precisa do meu fio de cabelo dentro de um envelope?

Sam - Vista-se e nos encontre lá fora. E depressa! Estamos perdendo tempo!

Kleinman - Está bem, mas me dêem uma dica. Como é o plano?

Hacker - Depressa, Kleinman! Isso é uma questão de vida ou morte. É melhor vestir um agasalho. Está frio lá na rua.

Kleinman - Está bem, está bem...mas me contem o plano. Se eu souber como é, posso ter alguma idéia! (Todos saem, deixando Kleinman se vestindo. Ele está muito nervoso) Onde está minha calçadeira? Isso é ridículo. Acordar uma pessoa a estas horas e com...essas notícias...para que pagamos impostos, afinal? A polícia não está nem aí para isto? Estou...dormindo tranqüilamente, e, daí a pouco, me vejo às voltas com um tarado homicida que chega por trás e, quando você menos espera...(Anna, uma velha governanta, entra por trás de Kleinman, segurando uma vela e o assusta sem querer)

Anna - Kleinman?

Kleinman (Virando-se assustado, borrando-se todo) - Quem é???

Anna - O quê?

Kleinman - Porra, Anna, não me dê mais desses sustos!

Anna - Ouvi vozes.

Kleinman - Algumas pessoas estiveram aqui. De repente, fui recrutado para caçar um tarado!

Anna - Agora?

Kleinman - Aparentemente há um assassino à solta. E não pode esperar para ser preso de manhã. Deve ser uma coruja.

Anna - Ah, o tarado!

Kleinman - Se você sabia sobre isto, por que não me contou?

Anna - Porque, todas as vezes que tentei, você não queria escutar.

Kleinman - Quem não queria?

Anna - Estava sempre muito ocupado com o trabalho, com seus passatempos...

Kleinman - Você se incomoda com o fato de estarmos na época do ano em que se vende mais?

Anna - Tentei contar a respeito dos crimes uma, duas, seis vezes, e você só sabia dizer: "Depois! Depois!"

Kleinman - Por causa da hora que você escolhia para me contar!

Anna - Ah, é?

Kleinman - Na minha festa de aniversário, por exemplo. Estou soprando as velinhas ou abrindo os presentes, e vem você me dizer: "Viu o que deu no jornal? Cortaram a goela de uma moça!" Não podia escolher hora mais própria? Um homem não pode ter um momento de alegria que sempre vem alguém com más notícias!

Anna - Nenhuma hora é apropriada para dar más notícias!

Kleinman - Por falar nisso, onde está minha gravata?

Anna - Gravata? Pensei que fosse caçar o tarado!

Kleinman - E daí?

Anna - O que é isto? Um caçador a rigor?

Kleinman - E eu lá sei quem posso encontrar? E se meu patrão aparece de repente?

Anna - Aposto como ele estaria vestido normalmente.

Kleinman - Nunca se sabe. Se eu, que sou um mísero caixeiro de loja, ando atrás de tarados, por que não ele?

Anna - Não deixe o tarado surpreendê-lo por trás.

Kleinman - Obrigado, Anna. Vou dizer ao tarado que você sugeriu que ele me surpreenda pela frente.

Anna - Não seja cretino. Ele tem de ser apanhado.

Kleinman - Então por que a polícia não cuida disto? Estou com medo de ir lá. Está frio e escuro.

Anna - Seja homem pelo menos uma vez na vida!

Kleinman - Isso é fácil de dizer, principalmente porque você vai voltar para a cama e dormir.

Anna - E se ele resolvesse me pegar e entrasse pela janela?

Kleinman - Bem, aí é que eu queria ver.

Anna - Se ele me atacar, jogo pimenta no olho dele. Ele que ouse!

Kleinman - Joga o quê?

Anna - Eu durmo com um vidrinho de pimenta na mesa-de-cabeceira. Se ele chegar perto de mim, já sabe!

Kleinman - Você é um gênio, Anna. Se o tarado entrar aqui, você e sua pimenta não dão nem para a saída!

Anna - Vou passar a tranca nas janelas.

Kleinman - Hmmm, quem sabe não era bom eu levar um pouco de pimenta?...

Anna - Tome isto. (Dá-lhe um amuleto - de preferência, uma ferradura)

Kleinman - O que é isto?

Anna - Para dar sorte. Comprei-a de um mendigo aleijado.

Kleinman (Olha para a ferradura, não muito impressionado) - Obrigado. Mas prefiro a pimenta.

Anna - Não se preocupe. Você não estará sozinho.

Kleinman - É verdade. Além disso, eles têm um plano ótimo!

Anna - Qual plano?

Kleinman - Ainda não sei.

Anna - Então, como sabe que é ótimo?

Kleinman - Porque sei! Eles são os caras mais inteligentes que conheço. Sabem o que estão fazendo.

Anna - Espero que sim - por sua causa.

Kleinman - Eu também. Mantenha a porta fechada e não abra para ninguém - nem mesmo para mim, a não ser que eu esteja gritando "Abra a porta!!!". Nesse caso, abra imediatamente!

Anna - Boa sorte, Kleinman.

Kleinman (Olha pela janela e vê tudo escuro) - Veja como está lá fora. Escuro como um breu...

Anna - Não estou vendo ninguém.

Kleinman - Nem eu. Pensei que houvesse bandos de gente, com tochas acesas..

Anna - Bem, já que eles têm um plano...(Pausa)

Kleinman - Anna...

Anna - Sim?

Kleinman (Ainda olhando para fora) - Já pensou na morte?

Anna - Por que eu pensaria nisto? Você já?

Kleinman - Várias vezes. Mas nunca sendo estrangulado ou esgoelado...

Anna - Nem eu.

Kleinman - Preferia morrer de maneira mais agradável.

Anna - Ah, isto é o que não falta!

Kleinman - Por exemplo?

Anna - Como por exemplo? Você não está perguntando uma maneira agradável de morrer?

Kleinman - Sim.

Anna - Estou pensando.

Kleinman - Sim.

Anna - Envenenado.

Kleinman - Envenenado?! Mas isto é horrível!

Anna - Por quê?

Kleinman - Dá câimbras pelo corpo inteiro!

Anna - Nem sempre.

Kleinman - E desde quando você entende de veneno?

Anna - Entendo de flit, formicida, DDT...

Klienman - Oh, que especialista! Mas não adianta, porque não vou morrer envenenado. Lembra-se de quando comi suas empadinhas de camarão?

Anna - Aquilo não foi envenenamento. Foi intoxicação.

Kleinman - Nunca mais comerei suas empadinhas de camarão.

Anna - Então, como gostaria de morrer?

Kleinman - De velhice. Com muitos anos pela frente. Depois de atravessar a longa estrada da vida. Com milhares de parentes chorando em volta da minha cama. De preferência, aos 90 anos.

Anna - Mas isto não passa de um sonho. É muito mais provável que você seja estrangulado ou degolado. É difícil chegar aos 90 anos.

Kleinman - Como fico tranqüilo discutindo essas coisas com você, Anna.

Anna - Bem, estou preocupada com você. Olhe lá para fora. Há um tarado à solta, e montes de lugares onde se esconder numa noite escura como esta - becos, vielas, esquinas...Seria impossível ver o tarado. E, de repente, uma sombra sai das trevas com uma corda de piano na mão e...

Kleinman - Você me convenceu. Vou voltar para a cama! (Batem na porta e ouve-se uma voz)

Voz - Vamos logo, Kleinman!

Kleinman - Estou indo, estou indo! (Beija Anna) Tchau! Espero voltar vivo.

Anna - Tome cuidado! (Sai, juntando-se a Al, que tinha ficado para trás a fim de certificar-se de que ele iria)

Kleinman - Não sei por que isto é da minha conta!

Al - Estamos todos juntos nesse negócio, Kleinman.

Kleinman - Com a minha sorte, aposto que sou eu que vou encontrar o tarado. Oh, esqueci a pimenta!

Al - O quê?

Kleinman - Ei, onde estão os outros?

Al - Foram tomar suas posições. Temos tudo cronometrado para o plano dar certo.

Kleinman - E qual é o grande plano?

Al - Você vai descobrir.

Kleinman - E quando vão me contar? Depois que ele for capturado?

Al - Não seja impaciente.

Kleinman - Escute: é tarde da noite, está um frio cão e estou com medo. Por que não posso estar impaciente?

Al - Hacker e os outros tiveram de se mandar, mas disseram que você ficará sabendo o mais depressa possível a sua parte no plano.

Kleinman - Hacker disse isto?

Al - Disse.

Klienman - E, enquanto isto, agora que me tiraram do meu quarto e da minha cama quentinha, vou fazer o quê?

Al - Esperar.

Kleinman - Esperar o quê?

Al - Pela informação.

Kleinman - Qual informação?

Al - De qual é a sua parte no plano.

Kleinman - Vou voltar para casa.

Al - Não se atreva! Um passo em falso neste momento poria todas as nossas vidas em risco. Acha que quero virar presunto?

Kleinman - Então me conte o plano!

Al - Não posso.

Kleinman - Por que não?

Al - Porque também não sei...

Kleinman - Olhe, está fazendo frio e...

Al - Cada um de nós conhece apenas uma parte do plano, e mesmo assim em determinados momentos, e apenas nossa própria função. Ninguém pode discutir sua função com os outros. É uma precaução para que o tarado também não descubra. Se cada um de nós fizer exatamente o que tem a fazer, tudo dará certo. Se alguma coisa sair errado, ningém poderá revelar o plano, nem mesmo sob tortura. Poderá apenas confessar a sua parte, a qual não fará nenhum sentido para o tarado.

Kleinman - Brilhante! Para mim também não faz sentido. Vou voltar para casa!

Al - Não posso dizer mais nada. Suponhamos que fosse você quem matou todo mundo?

Kleinman - Eu???

Al - O tarado pode ser qualquer um de nós!

Kleinman - Bem, eu é que não sou! Não tive tempo para sair degolando pessoas. Os fregueses não me deixam nem respirar.

Al - Desculpe, Kleinman.

Kleinman - Então, qual é a minha parte? O que devo fazer?

Al - Se eu fosse você, tentaria colaborar da melhor maneira possível, até que sua função fique clara.

Kleinman - Colaborar como?

Al - É difícil de explicar.

Kleinman - Não pode me dar nem uma pista? Por que estou me sentindo como um idiota!

Al - As coisas podem parecer caóticas, mas não são.

Kleinman - Não sei por que tanta pressa para me arrancar da cama. Agora que estou aqui, todo mundo sumiu!

Al - Tenho que ir.

Kleinman - Por que era tão urgente?...Ir? Aonde você vai???

Al - Meu trabalho aqui terminou. Agora tenho de ir para outro lugar.

Kleinman - Isto quer dizer que vou ficar sozinho aqui???

Al - Talvez.

Kleinman - Como talvez?! Se estamos os dois juntos e você vai embora, é claro que fico sozinho! Isto é aritmética simples!

Al - Tenha cuidado.

Kleinman - Ah, isso é que não! Não vou ficar sozinho aqui!!! Pensa que sou maluco? Há um tarado à solta e não me dou bem com tarados. Sou uma pessoa muito lógica!

Al - O plano não nos permite ficar juntos.

Kleinman - Escute. Pensando bem, isto não é uma tragédia. Não precisamos ficar juntos. Eu e meus doze guarda-costas damos conta do recado! Não vá, Al!

Al - Preciso ir.

Kleinman - Não quero ficar sozinho! Estou falando sério!

Al - Não se esqueça de tomar cuidado.

Kleinman - Olhe, estou tremendo - e você ainda nem foi embora. Se o tarado aparecer, tenho medo de dar um vexame.

Al - Kleinman, outras vidas dependem de você. Não nos decepcione.

Kleinman - Não deviam ter contado comigo! Tenho muito medo de morrer. Morrer é uma das coisas que mais detesto fazer!

Al - Boa sorte.

Kleinman - E o tarado? Alguma novidade? Foi visto de novo?

Al - A polícia viu uma figura enorme e horrível perto da companhia de gelo. Mas ninguém sabe ao certo. (Sai. Seus passos são ouvidos cada vez mais distantes)

Kleinman - Pra mim chega! Vou ficar bem longe da companhia de gelo! (Efeitos sonoros imitam o vento) Puxa, nada como passar uma noite na rua! Não sei por que não pude esperar no meu quarto até que me dissessem o que fazer. Epa, o que foi esse barulho? Ah, é o vento - e ainda por cima esse vento! E se cair um anúncio luminoso na minha cabeça? Preciso ficar calmo...As pessoas estão contando comigo. Tenho que ficar alerta e, se vir alguma coisa suspeita, vou contar aos outros...Quem sabe se eu der uma volta no quarteirão não encontro algum dos outros? Não podem ter ido muito longe...A não ser que fosse isto o que eles quisessem...Talvez faça parte do plano...Se alguma coisa perigosa me acontecer, Hacker estará me vigiando e chamará os outros para me salvar...(Ri histericamente) Claro que ninguém me deixou sozinho para andar por estas ruas. Eles devem saber que eu não sou páreo para nenhum tarado. O tarado tem a força de dez homens, e eu só tenho a força de um e meio...A não ser que estejam me usando como isca! Mas será que eles fariam isto? Me deixar aqui como um patinho? ...O tarado salta no meu pescoço e eles correm e o agarram...E se correrem muito devagar? ...Nunca tive um pescoço muito forte...(Uma figura embuçada surge por trás do cenário) O que foi isto? Talvez eu devesse voltar para casa...Estou começando a me distanciar muito...Como irão me encontrar para me dar instruções? E não só isto, como também estou indo para uma parte da cidade que não conheço muito bem...Acho que eu deveria procurar minhas pegadas e voltar antes que me perca de vez...(Ouve sons de passos lentos e ameaçadores na sua direção) Oh, meu Deus, isto são passos! O tarado deve ter pés...É ele?

Médico - Kleinman, é você?

Kleinman - O quê?! Quem é???

Médico - Sou eu, o médico.

Kleinman - Ai, que susto! Escute, ouviu alguma coisa de Hacker ou dos outros?

Médico - A respeito da sua parte no plano?

Kleinman - É. O tempo está passando e continuo andando por estas ruas como um pateta. Quer dizer, estou alerta, mas, se ao menos soubesse o que devo fazer...

Médico - Hacker disse alguma coisa a seu respeito.

Kleinman - O quê?

Médico - Não me lembro.

Kleinman - Genial! Estão pouco ligando!

Médico - Acho que o ouvi dizer alguma coisa. Não estou bem certo.

Kleinman - Olhe, por que não ficamos juntos? No caso de alguma coisa acontecer.

Médico - Só um pouquinho. Tenho outras coisas para fazer.

Kleinman - É engraçado ver um médico na rua à noite. Eu sei como vocês detestam fazer visitas em casa...Ha-ha-ha. (Médico não ri) Puxa, que frio! (Não responde) O senhor acha que ele será encontrado nesta noite? (Não responde) O senhor deve ter uma função importante no plano, não é? Sabe, até agora não faço a menor idéia da minha.

Médico - Meu interesse neste caso é puramente científico.

Klienman - Claro.

Médico - É a minha oportunidade de descobrir alguma coisa sobre a natureza da insanidade. Por que ele é tarado? O que conduz alguém a tal tipo de comportamento anti-social? Terá outras características incomuns? Às vezes, os mesmos impulsos que fazem um maníaco matar inspiram-no a objetivos altamente criativos. É um fenômeno muito complexo. Além disso, gostaria de saber se ele é um maníaco nato ou se sua loucura foi provocada por alguma doença ou acidente que lhe tenha danificado o cérebro ou, quem sabe, pelo estresse acumulado em circunstâncias adversas. Há milhões de fatos a averiguar. Por exemplo: por que ele exprime seus impulsos matando? Fará isto por espontânea vontade ou pensa que ouve vozes? Como você sabe, houve uma época em que se pensava que os loucos eram inspirados por Deus. Tudo isso precisa ser profundamente analisado.

Kleinman - Claro, mas primeiro temos de apanhá-lo.

Médico - Sim, Kleinman, se me deixarem, estudarei essa criatura escrupulosamente, dissecando-a até o último cromossoma. Gostaria de pôr cada uma de suas células sob o micorcópio. Para saber de que são compostas. Analisar seus sucos, investigar-lhe o sangue, explorar seu cérebro, até ter 100% de certeza do que ele é em todos os seus menores detalhes.

Kleinman - Mas pode-se realmente conhecer uma pessoa? Quero dizer, conhecê-lo. Não saber como ele é, mas conhecê-lo, conhecê-lo mesmo. Sabe o que eu quero dizer por conhecer? Significa conhecer de verdade. Realmente conhecer. Sabe, conhecer para valer. Enfim: conhecer!

Médico - Kleinman, você é um idiota.

Kleinman - Entendeu o que eu quis dizer?

Médico - Faça o seu trabalho e eu faço o meu.

Kleinman - Mas eu não sei qual é o meu trabalho.

Médico - Então, não dê palpite.

Kleinman - Quem está dando palpite? (Ouve-se um grito. Falam ao mesmo tempo) O que foi isto???

Médico - Ouviu passos atrás de nós?

Kleinman - Estou ouvindo passos desde os oito anos de idade! (Ouve-se um grito)

Médico - Algém está vindo para cá.

Kleinman - Talvez ele tenha ficado furioso com aquela história de ser dissecado.

Médico - É melhor dar o fora daqui, Kleinman!

Kleinman - Com todo o prazer!

Médico - Rápido! Rápido! (Ruídos de alguém aproximando-se pesadamente)

Kleinman - Este beco não tem saída!

Médico - Sei o que estou fazendo!

Kleinman - Está certo, mas ele vai nos encurralar e matar!

Médico - Não discuta comigo! Sou um médico!

Kleinman - Mas conheço este beco! Não tem saída! Não há como fugir!

Médico - Está bem, Kleinman. Faça como quiser. Adeus! (O médico corre para o beco sem saída)

Kleinman (Chamando por ele) - Espere! Desculpe! (Ruído de alguém que se aproxima) Tenho que ficar calmo! Devo correr ou me esconder? Já sei: vou correr e me esconder! (Corre e esbarra com uma moça) Ai!

Gina - Ai!

Kleinman - Quem é você?

Gina - Quem é você?

Kleinman - Sou Kleinman. Não ouviu gritos?

Gina - Ouvi, e quase morri de medo. Não sabia de onde estavam vindo!

Kleinman - Não importa. O fato é que eram gritos, e detesto gritos!

Gina - Estou assustada!

Klienman - Vamos dar o pira!

Gina - Não posso ir muito longe. Tenho o que fazer aqui!

Kleinman - Você também está no plano?

Gina - E você, não?

Kleinman - Estou e não estou. Ninguém me disse o que fazer. Não ouviu nenhuma instrução a meu respeito?

Gina - Você é Kleinman.

Kleinman - Isso mesmo.

Gina - Ouvi qualquer coisa a respeito de um Kleinman. Não me lembro o quê.

Kleinman - Sabe onde está Hacker?

Gina - Hacker foi assassinado.

Klienman - O quê?!

Gina - Acho que era Hacker.

Kleinman - Hacker está morto?

Gina - Não tenho ceteza se me disseram Hacker ou outro nome parecido.

Klienman - Ninguém ter certeza de nada! Ninguém sabe nada! Que beleza de plano! Estamos caindo como moscas!

Gina - Talvez não fosse Hacker.

Kleinman - Vamos para bem longe daqui. Me distanciei do lugar onde devia ficar e devem estar procurando por mim. Se o plano falhar, vão acabar me botando a culpa!

Gina - Não sei quem morreu - se Hacker ou Maxwell.

Kleinman - Eu sei, também acho difícil guardar os nomes. E o que uma moça como você está fazendo na rua? Isso é um trabalho de homem!

Gina - Estou acostumada a andar na rua à noite.

Kleinman - Oh!

Gina - É isso aí, sou prostituta.

Kleinman - Não brinque! Puxa, eu nunca tinha visto uma antes...Achava que vocês fossem um pouco mais altas...

Gina - Está chocado?

Kleinman - Para dizer a verdade, sou meio provinciano...

Gina - É mesmo?

Kleinman - Sabe, nunca fiquei acordado até esta hora. Quero dizer, nunca. A não ser que estivesse com insônia ou passando mal. Mas, geralmente, vou para a cama bem cedinho.

Gina - Bem, apesar dos pesares, a noite está linda.

Kleinman - É.

Gina - Olhe: milhões de estrelas.

Kleinman - Pois é, mas continuo nervoso. Se pudesse, estaria roncando. Tenho medo da noite. Todas as lojas estão fechadas. Não há carros na rua, pode-se andar de olhos fechados...

Gina - Não é ótimo isto?

Kleinman - É meio...estranho. Não há civilização. Se eu quisesse, podia tirar as calças e andar nu por aí.

Gina - Pois é.

Kleiman - Quero dizer, eu nunca faria isto! Só se quisesse.

Gina - Para mim, a cidade à noite é fria, escura e vazia. Parece um outro planeta.

Kleinman - Nunca gostei de outros planetas.

Gina - Dá na mesma. A Terra é uma bola flutuando no espaço...Nunca sabemos para onde ela vai...

Kleinman - E você acha isto ótimo? Eu prefiro saber para onde vão as coisas e também onde fica o banheiro.

Gina - Você acha que há vida em alguma daquelas estrelas?

Kleinman - Nunca pensei muito no assunto. Ouvi dizer que talvez houvesse vida em Marte, mas o sujeito que me contou isto trabalha no ramo das malharias.

Gina - E o universo continua se movendo através da eternidade...

Kleinman - Como através da eterniadde? Mais cedo ou mais tarde, vai ter de parar, certo? Quer dizer, um dia vai esbarrar em alguma coisa - numa parede ou coisa assim. Seja lógica.

Gina - Está querendo dizer que o universo é finito?

Kleinman - Não estou querendo dizer nada, e não me comprometa. Só quero saber o que eu devia estar fazendo aqui!

Gina (Apontando para o céu) - Veja, lá está Gêmeos...

Kleinman - Onde está vendo Gêmeos? Não são nem parecidos!

Gina - Veja aquela estrelinha lá em cima...tão sozinha. Mas se consegue enxergá-la.

Kleinman - Sabe a que distância ela fica? Detestaria te contar.

Gina - O que estamos vendo é apenas a luz que ela emitiu há milhões de anos. E só agora está nos chegando.

Kleinman - Não brinque!

Gina - Sabia que a luz viaja a 300 mil quilômetros por segundo?

Kleinman - Acho rápido demais. Não sei por que tanta pressa. Gosto de fazer as coisas devagar.

Gina - Aquela estrela pode ter desaparecido há milhões de anos, e sua luz, viajando a 300 mil quilômetros por segundo, levou milhões de anos para chegar até nós.

Kleinman - Quer dizer que ela pode nem estar mais lá?

Gina - Isso mesmo.

Kleinman - Mesmo que eu esteja vendo com os meus próprios olhos?

Gina - Isso mesmo.

Kleinman - Issso é muito chato, porque, quando vejo uma coisa, gosto de pensar que a coisa está lá. Quer dizer, se isto é verdade, tudo poderia ser assim - quer dizer, tudo pode ter acabado, só que a gente não sabe!

Gina - Kleinman, quem sabe ao certo o que é o real?

Kleinman - O real é aquilo que você pode tocar com as mãos.

Gina - Oh! (Ele a beija, ela corresponde voluptosamente) São seis dólares, por favor.

Kleinman - Por que seis dólares?

Gina - Ué, você gostou, não foi?

Kleinman - Um pouquinho, sim...

Gina - Bem, estou aqui a negócios, meu filho.

Kleinman - Mas seis dólares por um beijo! Com esse dinheiro, eu poderia comprar um cachecol novo!

Gina - Está bem, faço por cinco dólares.

Kleinman - Nunca beija ninguém de graça?

Gina - Klienman, isto é uma profissão. Por prazer, só beijo mulheres.

Kleinman - Mulheres? Que coincidência. Eu também!

Gina (Embolsando o dinheiro) - Tenho que ir.

Kleinman - Desculpe se a ofendi...

Gina - Tenho minhas funções a cumprir. Boa sorte. Espero que encontre o que procura.

Kleinman (À medida que ela se afasta) - Eu não quis agir como um animal. Sabe, sou uma das pessoas mais educadas que eu conheço! (Os passos dela somem na noite e ele fica sozinho de novo) Bem, isto já foi longe demais. Vou voltar para casa. E se, amanhã, um deles aparecer e perguntar onde eu estava? Vão dizer que o plano fracassou e que foi culpa de Klienman. Como pode ser minha culpa? E qual é a diferença? Eles encontrarão um jeito, porque precisam de um bode expiatório. Talvez seja esta a minha parte no plano. Sou sempre culpado quando nada dá certo. Eu...(Ouve um gemido) O que é isto? Quem está aí?

Médico (Cambaleia pelo palco, mortalmente ferido) Kleinman...

Kleinman - Doutor!

Médico - Estou morrendo...

Klienman - Vou chamar um médico!

Médico - Eu sou um médico...

Kleinman - Eu sei, mas está morrendo!

Médico - É tarde demais. Ele me pegou, Kleinman. Não havia para onde correr...

Kleinman - Socorro! Socorro!

Médico - Não grite, burro! Quer que - ai! - o tarado o encontre?

Kleinman - Já não estou mais me importando! Socorro! (Pensando melhor, abaixa o tom de voz) So-cor-ro...Como é ele? Conseguiu vê-lo bem?

Médico - Não. Foi de repente...Ele me apunhalou por trás...

Kleinman - Que pena que não o ten ha apunhalado de frente. Talvez o tivesse visto!

Médico - Estou morrendo, Kleinman...

Kleinman - Desculpe, não tive intenção...

Médico - Que coisa estúpida para se dizer!

Kleinman - O que posso fazer? Estou tentando bater papo enquanto o senhor não bate as botas e...(Um homem entra correndo)

Homem - O que aconteceu? Alguém pediu socorro aí?

Kleinman - O médico está morrendo. Chame o pronto-socorro. Espere! Ouviu alguma coisa sobre mim?

Homem - Quem é você?

Kleinman - Kleinman.

Homem - Kleinman...Kleinman...Sim, estão procurando por você...Parecia importante!

Kleinman - E o que era?

Homem - Alguma coisa a ver com a sua parte no plano.

Kleinman - Até que enfim!

Homem - Vou lhes dizer que estive com você. (Sai)

Médico - Kleinman, você acredita em reercarnação?

Kleinman - O que é isto?

Médico - Reencarnação é quando uma pessoa volta de novo à vida no corpo de outro ser...

Kleinman - Como o quê, por exemplo?

Médico - Bem...Qualquer outro ser vivo...

Kleinman - Mesmo um animal?

Médico - Sim.

Kleinman - Quer dizer que o senhor pode voltar transformado num sapo?

Médico - Deixa pra lá, Kleinman. Faça de conta que eu não disse nada.

Kleinman - Escute, tudo é possível, mas é difícil imaginar que, digamos, o presidente de uma multinacional volte como uma cotia!

Médico - Está ficando tudo tão escuro...

Kleinman - Olhe, por que não me conta qual era a sua parte no plano? Como o senhor estará incapacitado, eu poderia fazer a sua parte, porque até agora não sei qual é a minha.

Médico - Minha parte não serve para você. Só eu poderia desempenhá-la.

Kleinman - Que diabo, não sei se estamos pecando por excesso ou por falta de organização!

Médico - Não nos falte, Kleinman. Precisamos de você. (Morre)

Kleinman - Doutor! Doutor! Oh, meu Deus...O que vou fazer? Que merda, vou para casa! Eles que se danem. Mas não quero que me culpem de nada. Mas como podem me culpar? Vim quando me chamaram. E não me disseram o que eu tinha de fazer. (Entra um guarda com o homem que tinha ido buscar socorro)

Homem - Quem está morrendo aí?

Kleinman - Sou eu.

Guarda - Você? E ele?

Kleinman - Ele já morreu.

Guarda - Era seu amigo?

Kleinman - Extraiu minhas amígdalas. (Guarda ajoelha-se para examinar o corpo)

Homem - Já estive morto uma vez.

Kleinman - Como disse?

Homem - Morto. Já estive morto. Foi na guerra. Ferido. Eu estava na mesa de operações. Os médicos lutavam para me salvar. De repente, um deles perdeu o meu pulso e não conseguiu encontrá-lo. Estava tudo perdido. Mas um deles, segundo me contaram, teve a presença de espírito de me fazer massagem no coração. Aí ele começou a bater de novo e eu ressuscitei. Mas, por um breve momento, estava clinicamente, oficialmente morto. Isso foi há muito tempo, mas até hoje sinto uma grande solidariedade com quem morre.

Kleinman - E como é o negócio?

Homem - O quê?

Kleinman - Estar morto. Vê-se alguma coisa?

Homem - Não. É apenas...o nada.

Kleinman - Não se lembra de nada além-túmulo?

Homem - O que está dizendo? Não cheguei a ser enterrado!

Kleinman - Nem ouviu, por acaso, o meu nome?

Homem - Não ouvi nada. Não há nada depois, Kleinman. Nada.

Kleinman - Não quero morrer. Pelo menos, por enquanto. Não quero que me aconteça o que aconteceu a ele. Encurralado num beco...esfaqueado...os outros estrangulados...até mesmo Hacker...pelo tarado...

Homem - Hacker não foi morto pelo tarado!

Kleinman - Não?

Homem - Hacker foi assassinado pelos dissidentes!

Kleinman - Dissidentes?

Homem - A outra facção. O racha.

Kleinman - Que outra facção?

Homem - Não sabia que há outra facção?

Kleinman - Não sei de nada! Sou sempre o último a saber!

Homem - São uma minoria, liderada por Sheperd e Willis. Sempre divergiram da estratégia de Hacker sobre o tarado.

Kleinman - O quê?

Homem - Bem, é verdade que Hacker não estava conseguindo nada.

Kleinman - E daí? A polícia também não!

Guarda (Levantando-se) -  Mas vamos conseguir. Se, pelo menos, os paisanos parassem de meter o nariz.

Kleinman - Pensei que vocês tivessem pedido ajuda à população!

Guarda - Ajuda, sim, mas não toda essa zorra. Mas não se preocupe. Já temos montes de pistas e estamos passando tudo para o computador. Temos os melhores computadores. Vamos ver por quanto tempo esse tarado resiste.

Kleinman - Então, quem matou Hacker?

Guarda - Houve um racha no grupo de Hacker.

Kleinman - Quem? Sheperd e Willis?

Guarda - Vários passaram para o lado deles. E ouvi dizer que já houve um novo racha dentro do novo grupo.

Kleinman - Mais uma facção?

Guarda - E até com boas idéias sobre como pegar o tarado. É do que precisamos. Se falha um plano, logo aparece outro. Idéias novas! Isso é natural. Você é contra novas idéias?

Kleinman - Eu? Não! Mas eles mataram Hacker...

Homem - Porque ele era dogmático. Por causa de sua teimosia a respeito daquele plano estúpido. E que nunca daria certo.

Kleinman - Quer dizer que há vários planos?

Homem - Claro. E espero que você não esteja com saudades do plano de Hacker. Muitos ainda estão.

Kleinman - Eu nem sabia qual era o plano de Hacker!

Homem - Ótimo. Então, talvez ainda possa ser útil para nós.

Kleinman - Quem é "nós"?

Homem - Não se faça de inocente.

Kleinman - Não estou me fazendo de inocente!

Homem - Venha.

Kleinman - Não! Não sei o que está acontecendo!

Homem (Encosta faca no pescoço de Klienman) - Há vidas em jogo, seu verme imbecil. Faça sua escolha!

Guarda - Agora você quer ajuda. Mas, na semana passada, nos achava uns burros, porque não conseguimos pegar o tarado.

Kleinman - Eu nunca disse nada!

Homem - Escolha, bichona!

Guarda - Estamos trabalhando 24 horas por dia e ninguém nos agradece. Tropeçando a todo momento em pistas falas, perdendo tempo. Há centenas de doidos nesta cidade dizendo que são o tarado, querendo ser presos para saírem no jornal.

Homem - Já estou com vontade de cortar o seu pescoço, seu frouxo!

Kleinman - Estou ansioso para colaborar. É só me dizerem como!

Homem - Está com Hacker ou conosco?

Kleinman - Hacker está morto.

Homem - Mas ainda tem seguidores. Ou quem sabe você prefere os novos dissidentes?

Klienman - Se pelo menos me explicassem qual é o plano de cada grupo. Olhem, eu não conheço nem o plano de Hacker. Não sabia bulhufas de dissidências!

Homem - Ele não está se fazendo de bobo, Jack?

Guarda - Claro. Sabe de tudo, mas não diz nada, até a hora de agir. É um quinta-coluna. (Entram os sobreviventes do grupo de Hacker)

Hank - Então você está aí, Kleinman, onde esteve esse tempo todo?

Kleinman - Eu? E vocês, onde estiveram?

Sam - Você saiu de seu posto exatamente quando precisávamos de você.

Kleinman - Ninguém me disse nada!

Homem - Kleinman está conosco, agora.

John - É verdade, Kleinman?

Kleinman - O que que é verdade? Já não sei mais o que é verdade! (Entram diversos homens. Fazem parte do grupo dissidente)

Bill - Ei, Frank, esses caras estão criando problema?

Frank - Não. Nem se quisessem.

Al - Ah, não?

Frank - Não.

Al - Já podíamos ter apanhado o tarado se vocês tivessem ficado em seus postos.

Frank - Rachamos com o Hacker. O plano dele não ia dar certo.

Don - Isso mesmo. Nós vamos pegar o tarado. Deixem conosco.

John - Deixamos, uma conversa! Venha conosco, Kleinman.

Frank - Você não vai com eles, vai?

Kleinman - Eu? Sou neutro! Sou a favor de quem tiver o melhor plano!

Henry - Não há neutros, Kleinman.

Homem - Quem não está conosco está contra nós.

Kleinman - Como posso escolher se não conheço as alternativas? É uma questão de pêras ou maçãs? Por que as duas não podem ser tangerinas?

Frank - Vamos matá-lo agora.

Sam - Acabou esse negócio de matar!

Frank - Ah é?

Sam - É. E, quando pegarmos o tarado, alguém vai pagar pela morte de Hacker.

Klienman - Enquanto estamos parados discutindo, o tarado pode estar matando alguém! Por que não entramos num acordo?

Sam - Diga isto a eles.

Frank - O que importa são os resultados.

Don - Vamos acabar com esses idiotas agora! Se não, vão continuar no nosso caminho, atrapalhando!

Al - Então tente, parrudo!

Bill - Não vamos só tentar. (Facas e porretes são puxados e brandidos)

Kleinman - Amigos...rapazes...

Frank - Escolha agora, Kleinman. Chegou a hora!

Henry - É melhor escolher bem, Kleinman. Só haverá um vencedor.

Kleinman - Vamos nos matar uns aos outros e o tarado continuará solto! Não entendem? Eles não entendem...(Começa a luta. De repente, todo mundo pára e olha. Entra no palco uma espécie de procissão religiosa, conduzida por um líder)

Líder - O tarado! Localizamos o tarado! (A luta pára. Todos perguntam: "O quê? O quê?" Do grupo parte Hans Spiro, que não pára de fungar, como se estivesse cheirando alguma coisa)

Guarda - É Han Spiro, o telepata. Pusemos o caso em suas mãos. Ele é vidente.

Kleinman - É mesmo? Aposto que já acertou na loteria!

Guarda - Já resolveu vários crimes. Basta se concentrar e cheirar. Leu minha mente outro dia na delegacia e descobriu com quem eu tinha ido para a cama.

Kleinman - Com sua mulher.

Guarda (Depois de olhar feio para Kleinman) - Ele é um gênio! Nascido com poderes paranormais!

Líder - O Sr. Spiro, nosso vidente, está a ponto de desmascarar o assassino. Por favor, saiam do caminho. (Spiro continua cheirando o ar) O Sr. Spiro quer cheirá-lo.

Kleinman - Eu?

Líder - Sim.

Kleinman - Por quê?

Líder - Não interessa. Ele quer, e pronto.

Kleinman - Não quero ser cheirado!

Frank - O que tem a esconder?

Kleinman - Nada! Fico nervoso!

Guarda - Ande logo, cheire-o. (Spiro sai cheirando)

Klienman - O que ele está fazendo? Não tenho nada a esconder. Meu casaco deve estar cheirando a naftalina. Não é isso que você está sentindo? Agora pare de me cheirar, estou ficando nervoso.

Al - Está nervoso, Kleinman?

Kleinman - Nunca gostei de ser cheirado. (Spiro cheira com cada vez mais força). Qual é, afinal? Por que estão me olhando desse jeito? Ah, já sei, derramei molho inglês na calça...Ainda deve estar cheirando um pouco - não muito...Foi num restaurante...Gosto de bife ao ponto. Está bem, malpassado. Você pede malpassado e te trazem um bife cru. Vocês sabem disso, não sabem?

Spiro - Este homem é um assassino.

Kleinman - O quê?!

Spiro - Sim. Kleinman.

Guarda - Spiro conseguiu de novo!!!

Kleinman - Do que estão falando? Parece que bebem!

Spiro - Ele é o culpado.

Klienman - Ele é louco! Esse Spiro é louco!

Henry - Então, Kleinman, era você?

Frank (Gritando) - Atenção todo mundo! Pegamos o tarado!

Kleinman - O que estão fazendo?

Spiro - Não há dúvida. Não há a menor dúvida.

Bill - Por que fez isso, Kleinman?

Kleinman - Fiz o quê? Vocês vão acreditar nesse cara? Só porque ele me cheirou?

Líder - Os poderes paranormais do Sr. Spiro nunca falharam até hoje.

Kleinman - Esse cara é um vigarista! Como pode descobrir coisas cheirando?

Sam - Então Kleinman é o tarado. Eu nunca teria imaginado.

John - Por que fez isto, Kleinman?

Frank - É, por quê?

Al - Porque é louco, claro. Pirado. Tantã!

Kleinman - Eu, louco? Olhem para a maneira como estou vestido!

Henry - Ele já não diz coisa com coisa. Fundiu mesmo a cuca.

Bill - Isso é comum entre os loucos. Não conseguem ser lógicos em nada, exceto a respeito de sua própria loucura. Por isto parecem mais lógicos do que os outros.

Sam - E Kleinman sempre foi tão lógico.

Henry - Lógico até demais!

Kleinman - Vocês estão brincando, não é? Porque, se não for uma brincadeira, vou começar a gritar!

Spiro - Mais uma vez agradeço a Deus os poderes que achou por bem me conferir. Obrigado, Senhor!

John - Vamos enforcá-lo agora mesmo! (Todos concordam)

Klienman - Não se aproximem! Não gosto de ser enforcado!

Gina (A prostituta) - Ele tentou me atacar! Me agarrou de surpresa!

Kleinman - Tive de te pagar seis dólares! (Todos o agarram)

Bill - Eu trouxe a corda!

Klienman - O que vão fazer???

Frank - Vamos limpar esta cidade de uma vez por todas!

Klienman - Vocês vão enforcar um inocente! Eu não mataria nem uma mosca - bem, uma mosca talvez...

Guarda - Não podemos executá-lo sem julgamento.

Kleinman - Claro que não! Tenho certos direitos!

Al - E os direitos de suas vítimas, hem?

Kleinman - Que vítimas? Quero meu advogado! Ouviram? Mas eu nem tenho advogado!

Guarda - Declara-se culpado ou inocente, Kleinman?

Kleinman - Inocente! Completamente inocente! Não sou, nem nunca fui tarado! Nem como passatempo!

Henry - O que fez para contribuir para a captura do tarado?

Kleinman - O que eu podia fazer? Ninguém me disse o que fazer!

John - Não achou que era sua responsabilidade descobrir por conta própria?

Kleinman - Como? Toda vez que perguntava, as pessoas me enrolavam!

Al - Era sua responsabilidade, Kleinman.

Frank - Isso mesmo. Não havia só um plano.

Bill - Claro. Tínhamos um plano alternativo.

Don - E ainda havia outros planos. Você podia ter escolhido qualquer um.

Sam - É por isso que não conseguiu escolher? Por que não queria escolher?

Kleinman - Escolher entre o quê? Então vamos lá, contem-me um dos planos. Gostaria de escolher!

Guarda - Agora é tarde.

Henry - Kleinman, você foi julgado e declarado culpado. Vamos enforcá-lo. Tem algum último desejo?

Kleinman - Sim. Gostaria de não ser enforcado.

Henry - Desculpe, Kleinman, mas já não podemos fazer mais nada.

Abe (Entra correndo) - Depressa! Venham depressa!!!

John - O que houve?

Abe - Encurralamos o tarado nos fundos do armazém!

Al - Impossível! Kleinman é o tarado!

Abe - Não! Ele foi descoberto tentando estrangular Edith Cox. Ela o identificou. Depressa! Precisamos de todo mundo!

Sam - É alguém que conhecemos?

Abe - Não, é um estranho. Mas ele fugiu!

Kleinman - Estão vendo, seus babacas? Iam enforcar um inocente!

Henry - Perdoe-nos, Kleinman.

Kleinman - Claro, claro. Toda vez que precisarem de um inocente, apareçam lá em casa com essa corda.

Spiro - Mas deve haver algum engano!

Kleinman - E você, seu enxerido! Não devia meter o nariz onde não é chamado! (Todos saem correndo) Como é bom saber que vivemos cercados de amigos. Vou para casa! Já não é meu problema...Estou cansado e com frio...Puxa, que noite...E agora estou até perdido...Meu senso de direção está pior que o de um cego...Será para a direita? Ou para a esquerda? Acho que vou descansar um pouco antes de prosseguir. Ainda estou um pouco nauseado de medo...(Ouve-se um ruído) E agora, o que foi isto?

Tarado - Kleinman?

Kleinman - Quem é você?

Tarado (Que se parece com Kleinman) - O tarado. Posso me sentar? Estou exausto!

Kleinman - O quê?

Tarado - Todo mundo está atrás de mim! Já corri por toda a cidade com gente querendo me pegar. E eles pensam que eu estou me divertindo!

Kleinman - V-v-você é o assassino?

Tarado - Claro. Ou preciso mostrar a identidade?

Kleinman - Tenho de dar o fora daqui!

tarado - Não se precipite. Estou armado.

Kleinman - V-v-você vai me matar?

Tarado - Claro. É minha especialidade.

Kleinman - Você está louco!

Tarado - Estou, não. Sou. Acha que uma pessoa sã sai matando gente? E nem mesmo os assalto. É verdade! Ainda não lucrei um centavo com essas mortes. Ainda não roubei um pente.

Kleiman - Então, por que faz isto?

Tarado - Ora, por quê? Porque sou louco, pô!

Kleinman - Mas você parece normal!

Tarado - Não se pode confiar nas aparências. Sou tarado e pronto!

Kleinman - Eu sei, mas eu esperava um sujeito alto, horrível, apavorante...

Tarado - Isto não é teatro, Kleinman. Sou um homem comum, como você. O que esperava que eu tivesse? Garras?

Kleinman - Mas você já matou tanta gente forte, do dobro do seu tamanho...

Tarado - Claro. Porque os ataco pelas costas ou quando estão dormindo. Olhe, não quero criar confusão.

Kleinman - Mas por que faz isto?

Tarado - Porque sou doido varrido. Acha que eu sei?!

Kleinman - E você gosta disso?

Tarado - Não é uma questão de gostar. Mato por matar.

Kleinman - Mas não vê como isso é ridículo?

Tarado - Se eu visse o ridículo da coisa, seria uma pessoa sã.

Kleinman - Há quanto tempo está desse jeito?

Tarado - Desde que me entendo por gente.

Kleinman - E não pode dar um jeito nisso?

Tarado - Quem pode dar jeito?

Kleiman - Médicos, por exemplo.

Tarado - Acha que os médicos sabem alguma coisa? Já estive neles. Fizeram exames de sangue, de urina e raio X. Não conseguem achar a loucura. Não aparece nas radiografias.

Kleiman - E a psiquiatria? Eles entendem disso!

Tarado - São fáceis de enganar. Já cansei de tapeá-los.

Klienman - Como?

Tarado - Ajo normalmente. Eles me mostram borrões de tinta. Aí me perguntam se tenho namorada. Eu digo que sim.

Kleinman - Mas isto é terrível!

Tarado - Tem algum último desejo?

Kleinman - É a segunda vez esta noite. Você não pode estar falando sério!

Tarado - Quer me ouvir rir como um tarado?

Kleinman - Não! Não consegue raciocinar? (Tarado abre o canivete dramaticamente) Se você não acha a menor graça em me matar, por que vai fazer isto? Não é lógico. Poderia usar o seu tempo construtivamente. Colecionando selos, por exemplo!

Tarado - Adeus, Kleinman.

Kleinman - Socorro! Socorro! O tarado! (Kleinman é esfaqueado. Tarado foge. Justa-se uma pequena multidão. Podemos ouvir: "Ele está morrendo...Kleinman está morrendo...Está morrendo...)

John - Kleinman...como era ele?

Kleinman - Como eu. Ohhh...

John - Como assim, como você?

Kleinman - Parecia comigo...

John - Mas Jensen disse que o tarado se parecia com ele! Alto e louro, tipo sueco...

Kleinman - Ohhh...Você é quem sabe...Quer que ele se pareça com Jensen ou comigo?

John - Está bem, não fique nervoso...

Kleinman - E vocês são uns bobos que engolem qualquer disfarce...

John - Tragam-lhe água!

Kleinman - Para que preciso de água?

John - Achei que você estivesse com sede...

Kleinman - Morrer não bota ninguém com sede. A não ser que você tenha sido esfaqueado logo depois de comer bacalhau...

John - Está com medo de morrer?

Kleinman - Não é bem isso. É que não quero estar vivo quando acontecer.

John (Falsamente divertido) - Mais cedo ou mais tarde ele vai nos pegar a todos. Ha, ha, ha!

Kleinman - Ha, ha, ha! (Delirando) Cooperar...Deus é o único inimigo...

John - Pobre Kleinman...está delirando...

Kleinman - Ohhh...oh...uuugggmmmfff. (Morre)

John - Vamos embora. Temos de pensar num plano melhor.

Kleinman (Levanta-se um pouquinho) - E outra coisa: se houver vida depois da morte e formos parar no mesmo lugar, não me telefonem - deixem que eu telefone! (Expira)

Homem (Entra correndo) - O tarado foi visto perto da estrada de ferro! Depressa! Vamos pegá-lo! (Todos saem para a perseguição e as luzes se apagam aos poucos)

F     I     M
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L&PM Pocket. Tradução de Ruy Castro

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