Teatro/CRÍTICA
"A partilha"
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Delicioso inventário afetivo
Lionel Fischer
"A peça narra o reencontro de quatro irmãs logo após a perda da mãe. Juntas, elas terão que decidir o que fazer com a herança, o que serve de pretexto para repassarem as próprias vidas, bem como toda a relação familiar. A tijucana Selma é a irmã mais conservadora e vive um casamento tedioso com um militar. Regina é liberada, esotérica, não costuma se reprimir e tem um visão alto astral da vida. Lúcia abandonou um casamento convencional e o filho para viver um grande amor em Paris. E Laura, a caçula, revela-se uma intelectual sisuda e surpreende as irmãs com suas atitudes, sobretudo quando se assume homossexual. As quatro mergulham no passado e deixam vir à tona as diferenças e afetos em uma jornada emocionante, repleta de humor e ironia".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "A partilha", de Miguel Falabella, em cartaz no Teatro Oi Casa Grande. Miguel também assina a direção do espetáculo e o elenco é o mesmo da montagem original, realizada em 1990 - Susana Vieira (Regina), Arlete Salles (Lúcia), Thereza Piffer (Laura) e Patrícya Travassos (Selma), que substituiu por um tempo a atriz que iniciou a temporada, Nathalia do Valle.
Como se sabe, "A partilha" foi o maior sucesso teatral de Miguel Falabella, permanecendo em cartaz durante seis anos. E em nada me espantaria se, passadas duas décadas, ficasse em exibição por um tempo equivalente. Dentre muitas outras razões, tal crença se baseia em uma que me parece essencial: a extraordinária capacidade do autor de empreender, com doses equivalentes de humor, ternura e ironia, pertinentes reflexões sobre afetos.
Em uma de suas peças, "Dorotéia", Nelson Rodrigues afirma que, a partir de um certo momento, "toda família começa a apodrecer". Talvez seja verdade, mas tal apodrecimento, em minha opinião, só se materializa quando as pessoas se recusam a admitir que também erram, que são muitas vezes intolerantes e avessas a inevitáveis diferenças; quando julgam inatacável a própria singularidade, mas não aceitam a do outro. E tais questões se tornam ainda mais complexas quando dizem respeito ao universo familiar, posto que a ninguém é conferido o privilégio de eleger a própria família.
Estamos, portanto - como exposto no parágrafo inicial - diante de quatro mulheres completamente diferentes que precisam chegar a um acordo quanto aos bens a serem divididos. Mas como se chegaria a uma divisão justa, rigorosamente matemática, quando tantas equações afetivas não foram ainda solucionadas? A única saída possível, como o autor deixa claro, é fazer com que as personagens empreendam uma espécie de inventário de suas relações, que inclui queixas, mágoas, invejas, frustrações e, evidentemente, também muitos momentos felizes e plenos de cumplicidade.
E este inventário está aqui materializado de forma emocionante e emocionada, priorizando de forma irretocável tanto o humor quanto a dramaticidade. Sem dúvida, estamos diante de um texto que permite ao espectador não apenas envolver-se profundamente com o universo das personagens, mas também, a partir deste envolvimento, refletir sobre seu próprio universo afetivo e familiar. Se o teatro, como sustenta Peter Brook, é a arte do encontro, aqui este encontro se dá em toda a sua plenitude. Encontro do espectador com o espetáculo e, fundamentalmente, consigo mesmo.
Quanto à montagem, Miguel Falabella sabe melhor do que ninguém que um texto desta natureza comporta tudo, menos inúteis mirabolâncias formais. E por isso criou uma dinâmica cênica despojada e simples, mas nem por isso isenta de criatividade, e concentrou-se no essencial: o trabalho das atrizes. E todas elas, sem exceção, exibem performances brilhantes, cada uma extraindo o máximo de suas personagens. Assim, parabenizo com igual entusiasmo Susana Vieira (Regina), Arlete Salles (Lúcia), Patricya Travassos (Selma) e Thereza Piffer (Laura), cabendo ainda ressaltar que o tempo, este misterioso e implacável senhor, no presente caso só contribuiu para aprimorar seus dotes expressivos e, sem nenhuma dúvida, torná-las ainda mais lindas.
Na equipe técnica, destaco com a mesma emoção o trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Paulo César Medeiros (iluminação), Belí Araújo (cenografia), Sônia Soares (figurinos) e Gabriel D'angelo (projeto de som).
A PARTILHA - Texto e direção de Miguel Falabella. Com Arlete Salles, Susana Vieira, Patrycia Travassos e Thereza Piffer. Teatro Oi Casa Grande. Quinta, 21h. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 19h.
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
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Peça maravilhosa, assisti na década de 90 aqui em São Paulo e realmente Miguel é um gênio em se tratando de relações familiares! Espero que venha a Sampa para poder revisitar esta obra! Abraços! Mário
ResponderExcluirTomara que vá mesmo para Sampa.
ResponderExcluirO texto é ótimo, assim como a montagem.
E tem também o lado afetivo, o resgate do passado...enfim...
Abraços,
Eu