sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Um pouco de Nelson Rodrigues
(por ele mesmo)


Eu não existiria sem as minhas repetições.

Não gosto, não quero ser o autor oficial, não quero ter uma consagração definitiva, gosto que existam várias opiniões a meu respeito. A consagração, o sucesso, não fazem nenhum bem ao artista: o sucesso corrompe tanto quanto o dinheiro. Seria melhor que o autor, até o último dia de sua vida, fosse combatido, sofresse um massacre, porque isso seria um estímulo vitalíssimo para ele. Quando fui vaiado no Municipal, e o fui duas vezes e com a maior violência, achei isso uma experiência fantástica.

Meus dramas são como a luz do sol caindo sobre o pântano. Talvez algum dia o sol mude de lugar, mostrando, então, outras partes da paisagem humana.

Meus personagens são retirados da vida real e da vida irreal. Esta mistura é que faz o meu elenco: realidade e irrealidade, delírio, alucinação, objetividade. Uma coisa que é bom lembrar é minha experiência como repórter de polícia, que está no meu teatro, em toda minha obra.

Creio que, se não tenho outra virtude, tenho esta e a reivindico para mim: a de ter um diálogo extremamente teatral.

Nos meus textos, o desejo é triste, a volúpia é trágica e o crime é o próprio inferno. O pobre do espectador vai para casa apavorado com todos os seus pecados, presentes e futuros. Numa época em que a maioria se comporta sexualmente como um vira-lata, eu transformo um simples beijo numa abjeção eterna. Se há um brasileiro maníaco pela pureza, esse brasileiro sou eu.

Gosto muito de ficar sozinho olhando o mar. Gosto muito de futebol. Gosto muito da meditação vazia, sem rumo. Gosto de ficar remexendo na memória, sou maravilhado com o passado. E já disse, sem nenhuma piada, que sou uma alma da bélle époque. Não gosto da minha época, não tenho afinidade com ela. A meu ver, estamos assistindo ao fracasso do ser humano. Isso não quer dizer que mais adiante ele não se levante, mas, no momento, o ser humano está de quatro.

Teatro não tem que ser bombom de licor. Tem que humilhar, ofender, agredir o espectador. E se o ser humano tem uma face bonita e outra hedionda, é essa face horrenda que deve ser mostrada, como uma ferida cruel na qual o espectador pode salvar-se ao reconhecer nela sua própria monstruosidade.

Eu sou o sujeito mais romântico que alguém já viu. Desde garotinho sonho com o amor eterno. Na minha infância profunda, os casais não se separavam. Havia brigas, agressões de parte a parte, insultos pesadíssimos, mas o casal não se separava. A separação era uma tragédia. Em último caso, a mulher apelava para o adultério. Sou romântico como um pierrô suburbano. Diga-se de passagem, eu sou suburbano. Tenho a alma do subúrbio. Deodoro, Vaz Lobo - um estilo de vida. Um estilo apaixonante.

Minha biografia está refletida na obra. Em medida profundíssima. Meu irmão Roberto foi assassinado quando eu tinha 17 anos e isso está marcado no meu teatro, nos meus romances, nos meus contos. Todo autor é autobiográfico e eu o sou. O que aconteceu na minha obra são variações infinitas do que aconteceu na minha vida.
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3 comentários:

  1. Caramba, primeira vez que o leio....sou uma iniciante no teatro comeei ese ano a estudar e estou num projeto do ademar guerra e nosso diretor esta usando a obra de tenesse willians. Um bonde chamado desejo. E atraves de algumas pesquisas na internet sobre o caso, ou algo semelhante, te encontrei e me deparei com esse escrito maravilhoso!!!! De uma certa forma todos os seres humanos tem algo de Tenesse, lendo-te muitas das vezes parecia estar lendo tenesse. Parabens ...sou muito leiga em tudo o que se refere a teatro....mais sou etendedora do que sinto quando leio ..eler-te foi maravilhoso. Obrigada. Cristina Visconi

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  2. O texto define bem quem é Nelson, estranho que não tenho muita afinidade com sua obra, porém esse texto me fez repensar várias coisas, excelente chamamento a conhecer tal autor rico em todas as suas particularidades... Cada momento é uma descoberta! Abraços Mário

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  3. Queridos Nuvemcris e Mário:

    A você, que é feita de nuvem - e, portanto, de algodão - que bom que passou a conhecer o Nelson Rodrigues. E a você, Mário, talvez com mais leituras sobre nosso maior dramaturgo acabe descobrindo mais afinidades com ele.

    Beijos,

    Eu

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