segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento"

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Humor e humanidade nos Correios


Lionel Fischer


"Em uma espécie de palestra de auto-ajuda - ou, como melhor define o diretor, anti-ajuda - o protagonista apresenta um intrincado manual combinatório de probabilidades para a hora em que vai procurar o seu chefe e pedir o esperado aumento. No decorrer das muitas tentativas, o texto sublinha o ridículo da situação e, ao retratar os meandros de uma grande empresa, ironiza a vida moderna e o mundo corporativo".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo e os principais objetivos que levaram o autor francês Georges Perec (1936-1982) a escrever "A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento", em cartaz no Centro Cultural Correios. Guel Arraes assina a direção, estando a interpretação do monólogo a cargo de Marco Nanini.

Como se sabe, constitui tarefa não raro ingrata a de se pedir um aumento. E por diversas razões, dentre elas porque o ato de pedir já coloca aquele que pede numa posição inferior, posto que uma resposta favorável não está necessariamente atrelada ao merecimento e sim à boa vontade do empregador.

Mas admitamos que aquele que pede mereça um aumento e que o empregador o considere justo, do ponto de vista pessoal. No entanto, na qualidade de chefe, tem que pautar suas decisões pela impessoalidade, priorizando apenas os interesses da empresa. E as empresas, em sua maioria, têm a singular tendência de jamais achar que um funcionário mereça ganhar mais, pois isso implica que ela, empresa, passe a ganhar menos...  

Isso posto, estamos aqui diante de um homem que tem absoluta certeza de que merece um aumento. Afinal, entrou na empresa aos 14 anos e sempre foi considerado um funcionário exemplar. Mas como abordar seu chefe de forma a convencê-lo da legitimidade de seu anseio? Na dúvida, vai construindo uma infinidade de hilárias e patéticas variantes, que evidentemente não vou revelar, pois isso privaria o espectador de usufrui-las.

Cabe, no entanto, salientar a inventividade do autor, sua capacidade de construir um personagem que, em sua ânsia de não cometer nenhum grave equívoco ao abordar seu chefe, vê o tempo passar e nada consegue. Através de cenas curtas, em alguma medida bastante parecidas, tendo a diferenciá-las, basicamente, a gradação dos estratagemas, Georges Perec criou um texto que traduz não somente o caso particular de um personagem, mas sobretudo a crueldade que em geral caracteriza as relações entre patrão e empregado numa grande corporação.  

Com relação ao espetáculo, Guel Arraes impõe à cena uma dinâmica muito divertida, de uma maneira geral, mas de um humor que não deixa de conter elementos patéticos, sombrios e desesperadores. É o caso, por exemplo, da passagem em que o personagem, já idoso e aparentemente conformado com o fracasso de suas tentativas, está sentado numa cadeira, o olhar perdido, sugerindo que sua vida está a ponto de extinguir-se - este momento, o mais dilacerante do espetáculo, é vivido de forma sublime por Marco Nanini.

No tocante à atuação deste que considero, sem nenhuma relutância, um dos maiores atores do mundo, mais uma vez Marco Nanini deixa claro que veio a este planeta com a inequívoca missão de deslumbrar a todos aqueles que têm o privilégio de assisti-lo. E me parece perda de tempo aqui enumerar seus vastíssimos recursos expressivos, por todos mais do que reconhecidos. Prefiro econominar palavras e apenas sugerir, a todos que amam a complexa arte de representar, que não deixem de assistir a mais uma performance extraordinária deste intérprete de exceção.

No tocante à equipe técnica, Bia Junqueira responde por impecável direção de arte e maravilhosa cenografia, o mesmo aplicando-se ao videografismo de Batman Zavavareze, sendo excelente a trilha sonora de Berna Ceppas, que sublinha com grande sensibilidade os muitos climas emocionais em jogo. Beto Bruel responde por uma iluminação correta, a mesma correção presente no figurino de Antonio Guedes, cabendo ainda destacar a ótima tradução de José Almino.

A ARTE E A MANEIRA DE ABORDAR SEU CHEFE PARA PEDIR UM AUMENTO - Texto de Georges Perec. Direção de Guel Arraes. Com Marco Nanini. Centro Cultural Correios. Sexta a domingo, 19h. 





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