quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Sóbrios"

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Sombrio e cáustico retrato de uma família


Lionel Fischer


"O texto é um olhar ácido e bem humorado sobre uma família que luta para sobreviver e a tentativa surreal do filho adolescente para salvá-los de si mesmos. Clifford (o Pai) está definhando em frente à TV por conta de um problema na coluna. Linda (a Mãe) é uma garçonete desiludida e obcecada pela vida dos santos católicos. Shaylee (a Irmã) é uma junkie fugitiva e prostituta. Wynne (o Irmão), nerd viciado em videogames e computadores, se classificou para afinal da competição de videogames Tang Dinasty e, com o prêmio de 1 milhão de dólares para o vencedor, pretende colocar a irmã em uma clínica de reabilitação, pagar a operação de coluna do pai e empregar a mãe em sua loja de reparo de computadores".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima (levemente editado) sintetiza o enredo de "Sóbrios", do norte-americano Adam Rapp, em cartaz no Espaço Tom Jobim. Com direção assinada por Erika Mader (a primeira da jovem atriz), e peça tem elenco formado por Léo Wainer (Pai/ homem que dá carona ao adolescente), Cris Larin (Mãe/ mulher excêntrica de Nova York), Luisa Arraes (Irmã/ namorada do filho) e César Cardadeiro (Irmão).

Em sua primeira metade, até a partida do adolescente para Nova York, o texto faz um retrato sombrio e cáustico de uma família em pleno processo de desintegração. A pobreza do ambiente e a forma ríspida como os personagens se relacionam, dentre outros fatores, como que ilustram a célebre frase de Nelson Rodrigues em Dorotéia: "Chega um momento em que toda família começa a apodrecer". E aqui esse processo parece irreversível, apesar do sonho do adolescente de salvar seus pais e sua irmã.

Após a cena da carona - por sinal excelente, assim como todas as anteriores - a peça vai aos poucos tornando-se menos impactante, talvez em função da duração de algumas cenas, como a protagonizada pela esquisitíssima mulher de Nova York. Por mais que tenha me esforçado, não consegui entender a dita cena, a importância que poderia ter na trama - é possível que, se fosse bem menor, fizesse para mim algum sentido; como está, e ainda que bem interpretada, a cena ocupa um espaço descomunal na trama, que a meu ver só contribui para minimizar o interesse até então despertado. A parte final, que evidentemente não posso revelar, também me parece questionável, sobretudo no que concerne ao desfecho.

Com relação ao espetáculo, Erika Mader impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcações diversificadas e criativas, sempre materializadas em uma atmosfera impregnada de virulência e desesperança, a jovem encenadora consegue materializar os principais conteúdos propostos pelo autor. E cabe também ressaltar o ótimo rendimento que obtém do elenco.

Na pele do adolescente, César Cardadeiro transmite, com igual intensidade, tanto o desespero do jovem como sua determinação de salvar a família. Luisa Arraes está impecável nas duas personagens que interpreta, cabendo destacar seu ótimo trabalho corporal quando encarna a namorada. O mesmo aplica-se a Léo Wainer: o ator convence plenamente ao materializar a patética figura de um pai arruinado, exibindo a mesma excelência quando dá vida ao abjeto homem que oferece carona ao adolescente. Quanto a Cris Larin, a atriz exibe performance irretocável na pele da mulher amarga e desesperançada, que já não exerce o menor controle sobre sua vida e de sua família, e que não vê outra alternativa a não ser dedicar-se à devoção de santos. E também faz com grande competência a  esquisita de Nova York, mesmo com as ressalvas anteriormente feitas à cena.

Na equipe técnica, Flávio Graff responde por uma cenografia da mais alta expressividade, soturna e claustrofóbica, fundamental para situar o espectador em um contexto desolador e aparentemente sem saída. Igualmente brilhantes os figurinos que assina, que retratam com precisão o caráter e a condição social dos personagens. Paulo César Medeiros ilumina a cena com a sensibilidade que lhe é característica, contribuindo decisivamente para valorizar os múltiplos climas emocionais em jogo. Finalmente, cumpre também destacar a eficiência da trilha sonora de Scotland Yard - trata-se de uma pessoa ou, pouco provável, de uma inusitada contribuição da polícia londrina?

SÓBRIOS - Texto de Adam Rapp. Direção de Erika Mader. Com Léo Wainer, Cris Larin, Luisa Arraes e César Cardadeiro. Espaço Tom Jobim. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.






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