segunda-feira, 11 de março de 2013

Teatro/CRÍTICA


"À beira do abismo me cresceram asas"


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Pertinentes reflexões sobre o tempo


Lionel Fischer


"O que você vê quando olha pra mim? Uma velha rabugenta e reclamona? Eu não sou o que você está olhando. Eu sou aquilo que está dentro do que você está olhando. E o que eu converso com você vem de lá, eu sou o lado avesso da velha que você vê". A frase, proferida por uma das personagens, talvez seja a mais pertinente dentre todas. Numa época como a nossa, que prioriza o visual e relações epidérmicas, temos a tendência de esquecer as sábias palavras da Raposa, endereçadas ao Pequeno Príncipe: "Só enxergamos bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos".

Mas a referida frase, dita pela personagem Terezinha, para mim ganha relevância à medida que não se aplica só aos idosos, já que todos nós, ainda que em graus diversificados, nutrimos uma singular tendência de priorizar o que é visível, em detrimento do que se oculta. E, em minha modesta opinião, o que não é imediatamente perceptível e degustado revela-se bem mais interessante. 

Partindo do texto original de Fernando Duarte, baseado em histórias reais colhidas em vários asilos do Brasil, Maitê Proença escreveu "À beira do abismo me cresceram asas", em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro). Maitê Proença e Clarice Niskier assinam a direção (supervisão de Amir Haddad), com Maitê dividindo a cena com Clarice Derzié Luz.

Estamos diante de duas idosas com personalidades diametralmente opostas. Terezinha (Maitê Proença), 86 anos, é um tanto carrancuda, mas nem por isso desprovida de humor, e exibe grande capacidade de empreender reflexões sobre vários temas, dentre eles o tempo e as relações humanas, aí incluindo a que mantém com os filhos. Já Valdina (Clarice Derzié Luz), 80 anos, encara a vida como uma permanente festa, aproveita todos os momentos como se fossem o último e sempre tenta erguer o astral da amiga, quando este ameaça enveredar pelo delicado campo da melancolia.

A peça, portanto, faculta ao espectador - seja qual for a sua idade - a oportunidade de refletir sobre o que está fazendo com sua própria vida. Recordar o passado não é necessariamente mau, até porque dele somos a resultante. Mas se a ele nos aferramos e em função do que nos aconteceu, de bom ou de mau, nos esquecemos de que nada mais possuímos além do presente, então o tempo que nos resta estará atrelado ao acaso e este, como sabemos, é por natureza incerto. Como dizia Johnn Lennon, "A vida é aquilo que acontece enquanto planejamos o futuro". 

Com relação à estrutura dramatúrgica, me parece procedente um reparo. Em nenhum momento me pareceu crível, ou necessário, que as personagens, quando não estão contracenando, se dirijam a um repórter imaginário. Falar diretamente com a plateia, assumir essa relação sem qualquer intermediação em nada alteraria o que é dito ou feito em cena. Isto posto, vamos ao espetáculo.

Este transcorre em uma atmosfera que valoriza, com delicadeza e humor, todos os conteúdos em jogo. Mas acredito que as marcações poderiam ser inicialmente mais comedidas e irem aos poucos se expandindo, como ocorre na superfície de um lago quando nele atiramos uma pedra. Isso talvez contribuísse para envolver cada vez mais o espectador, até o momento final, sob todos os pontos de vista impregnado de fortíssima teatralidade.

Com relação às atrizes, a direção fez a correta opção de dispensar qualquer caricatura, seja vocal ou corporal. Isto permite a Maitê Proença e Clarice Derzié Luz criarem suas personagens priorizando sua essência, sua visão de mundo, e ambas estão plenamente convincentes, exibindo grande capacidade de entrega e total cumplicidade cênica.

Na equipe técnica, Cristina Novaes assina uma cenografia que, sem deixar de ser bela, me gerou algumas dúvidas. A ação se passa num quarto ou no saguão do asilo? E sendo verdadeira uma dessas opções, qual a função das luminárias ao fundo, que sugerem as de um camarim? Não cheguei a nenhuma conclusão quanto a isto. Jorginho de Carvalho responde por uma iluminação sensível e delicada, em total sintonia com o texto. Beth Filipecki criou figurinos lindíssimos, totalmente adequados às personalidades retratadas, e ouso supor que ambas sejam muito ricas - teria sido essa a proposta? Alessandro Perssan responde por correta trilha sonora, sendo de grande importância as contribuições de Angel Vianna (direção de movimento), Rose Gonçalves (preparação vocal), Cristiane Vicente (visagismo) e Fabíola Gomez (maquiagem).

À BEIRA DO ABISMO ME CRESCERAM ASAS - Texto de Maitê Proença. Direção de Maitê Proença e Clarice Niskier. Com Maitê Proença e Clarice Derzié Luz. Teatro do Leblon. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
   



     



3 comentários:

  1. Uma análise minuciosa e perfeita da peça A Beira do Abismo me cresceram Asas.

    Parabéns ao Senhor Lionel Fischer !

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  2. Uma análise minuciosa e perfeita da peça A beira do Abismo me Cresceram Asas.

    Parabéns ao Senhor Lionel Fischer !

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  3. Idália amiga,

    agradeço a generosidade de tuas palavras.

    beijos,

    Eu

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