sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Frida y Diego"

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Belíssima história de amor



Lionel Fischer



Sempre que se deseja menosprezar uma obra cinematográfica, teatral ou televisiva que tenha como foco paixões desenfreadas e desvairadas alternâncias de sentimentos, invariavelmente utiliza-se a expressão "novela mexicana". No entanto, há novelas e novelas mexicanas. Algumas são efetivamente ridículas, pelo exagero com que são tratados os fatos e pelos personagens caricaturais que exibem. Mas aqui tudo se dá em outra esfera, graças à maestria com que Maria Adelaide Amaral abordou a conturbada relação amorosa da pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954) com o também mexicano pintor e muralista Diego Rivera (1886-1954).
Em cartaz no Teatro Maison de France, "Frida y Diego" tem direção assinada por Eduardo Figueiredo, estando o elenco formado por Leona Cavalli e José Rubens Chachá. 

Utilizei acima a palavra "maestria". E a considero perfeitamente adequada, posto que em mãos menos hábeis a história de Frida e Diego poderia perfeitamente converter-se em abominável dramalhão, tantos são os ingredientes potencialmente fatídicos - ela padecia de gravíssimos males físicos, bebia e fumava desbragadamente e era bissexual, enquanto ele era um mulherengo que não respeitava sequer as cunhadas (no caso, uma das cunhadas, Cristina), além de exibir curioso machismo, já que não se importava que Frida transasse com mulheres, mas tinha ataques apopléticos quando ela se deitava com homens. 

Aqui, no entanto, embora todos esses ingredientes não deixem de estar presentes, eles são trabalhados de forma tal que o espectador tem acesso a uma belíssima história de amor, de cumplicidade, de parceria, certamente impregnada de muito som e fúria, mas também de doses equivalentes de delicadeza e ternura. Através de ótimos diálogos, de uma ação fluente e de personagens muito bem construídos, Maria Adelaide Amaral nos brinda com um texto que, ainda que centrado na paixão entre Frida e Diego, nem por isso deixa de nos oferecer uma pertinente reflexão sobre a vida e os meandros da criação artística.  

Com relação ao espetáculo, Eduardo Figueiredo impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcas diversificadas e criativas, e de um tempo rítmico que sempre traduz as emoções em causa, o encenador exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do elenco.

Na pele de Rivera, José Rubens Chachá constrói de forma irretocável o personagem, valorizando com extrema sensibilidade tanto o seu lado mulherengo quanto sua paixão por Frida e sua eventual dependência emocional dela - nas passagens em que o personagem revela sua fragilidade, o ator trabalha numa chave que comove profundamente, sem jamais enveredar para a pieguice. Além disso, Chachá canta algumas músicas (creio que duas ) de forma esplêndida.

Com relação a Leona Cavalli, sem dúvida uma das melhores atrizes de sua geração, estamos aqui diante de um trabalho brilhante. E não me refiro a aspectos técnicos, pois me parece algo ridículo, a esta altura da carreira de Leona, enfatizar seu domínio vocal e corporal. Meu encantamento se deve à sua extraordinária capacidade de entrega e à inteligência de suas escolhas, que jamais priorizam o mais fácil, o previsível, o que requer menor esforço. Sob todos os aspectos, estamos diante de uma performance simplesmente inesquecível.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Marcio Vinicius (cenografia, figurinos e adereços), Anderson Bueno (visagismo), Guilherme Bonfanti (iluminação), Renata Brás (direção de movimento), Jonas Golfeto (projeto de vídeo e projeções) e Guga Stroeter e Matias Capovilla (direção musical e trilha sonora), cabendo também destacar as ótimas participações dos músicos Wilson Feitosa (acordeão) e Mauro Domenech (baixo acústico).

FRIDA & DIEGO - Texto de Maria Adelaide Amaral. Direção de Eduardo Figueiredo. Com Leona Cavalli e José Rubens Chachá. Teatro Maison de France. Quinta, sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h.



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