terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Teatro/Crítica

"Se eu fosse eu"

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Sensível e arrebatado tributo



Lionel Fischer



"Se eu fosse eu traz aos palcos uma dramaturgia construída a partir de 15 crônicas de Clarice Lispector, a maioria tirada da obra A descoberta do mundo. A montagem dá à palavra lugar de destaque. Nela, as provocações, buscas existenciais e angústias da autora tornam-se foco desta montagem cujo título aponta seu alvo: nós mesmos. Os atores se revezam no papel das muitas Clarices".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a proposta essencial de "Se eu fosse eu", em cartaz no Teatro Municipal do Jockey. Delson Antunes responde pela direção e dramaturgia, estando o elenco formado por Andrea Couto, Iuri Saraiva, Joana Pimenta, Juliana Stuart, Kiko do Valle, Linn Jardim, Mariana Cortines, Miriam Virna, Tereza Hermany, Thiago Chagas e Sara Marques. 

Sempre acreditei que todo aquele que se recusa a refletir sobre o próprio passado está condenado a repeti-lo - e por passado entenda-se não apenas o que ocorreu muito tempo atrás, mas também aquilo que se deu recentemente, até mesmo na véspera. Mas se por um lado reflexões permanentes constituem elemento fundamental de crescimento, por outro é inegável que elas cobram eventualmente um alto preço, em especial quando nos colocam diante de revelações que o bom senso recomendaria ignorar. Clarice Lispector carecia por completo deste apaziguador bom senso, e por isso foi capaz de se fazer perguntas que não necessariamente conduziriam a respostas. E uma das marcas mais poderosas de sua genialidade foi justamente a de cultivar a dúvida.

Aqui, como expresso no parágrafo inicial, estamos diante de provocações, buscas existenciais e angústias. E se as mesmas, ao menos em sua totalidade, possam não ser as nossas, é impossível que ao menos algumas não nos digam respeito. Assim, "Se eu fosse eu" nos faculta não apenas o privilégio de usufruir conjecturas magistralmente formuladas, mas também nos acena com a possibilidade de olharmos para nossas vidas de uma forma mais atenta, sensível e fundamentalmente mais corajosa. 

E por falar em coragem, eis um predicado que não falta a Delson Antunes. No presente caso, coragem por acreditar que um material essencialmente literário poderia converter-se em dramaturgia. Coragem por acreditar que a cena poderia ser habitada por muitas Clarices, de ambos os sexos. Coragem por apostar em uma dinâmica cênica que prioriza a paixão exacerbada e a visceral entrega, componentes essenciais da obra e da personalidade de Clarice. E por contar com um elenco que embarca por completo em tais propostas, o resultado só poderia ser um espetáculo que presta sensível e arrebatado tributo a uma artista absolutamente genial.

Na equipe técnica, Mirian Virna e Renata Caldas assinam belíssima cenografia, feita de papéis e flores, uma espécie de mágico jardim onde se dão os embates da autora com o mundo e consigo mesma. A mesma eficiência se faz presente nos elegantes e sóbrios figurinos de Vinicius Ventura, que sugerem que as muitas Clarices estão prontas para uma grande festa. Luiz Paulo Nenem também exibe um competente trabalho de iluminação, o mesmo aplicando-se à direção de arte de Mirian Virna, à trilha original de Pedro Verissimo e Fernando Aranha, ao visagismo de Daniel Régio e à cinematografia de Felipe Pilotto e Motin Produções e Fernando Hurtado.

SE EU FOSSE EU - Texto de Clarice Lispector. Dramaturgia e direção de Delson Antunes. Com Andrea Couto, Iuri Saraiva e grande elenco. Teatro Municipal do Jockei.Sexta a domingo, 21h.

  

2 comentários:

  1. O figurino é assinado por Vinícius Ventura e não √inícius Coimbra

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    1. Vinícius amigo,

      perdão pelo equívoco. a correção já está feita.
      Abraços,

      Eu

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