quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"S'imbora, o musical - A história de Wilson Simonal"

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Merecido e corajoso resgate



Lionel Fischer



Até hoje não ficou provado se Wilson Simonal (1938-2000) delatou colegas (supostamente subversivos) durante a ditadura militar. Mas não resta dúvida de que pediu a amigos policiais do DOPS para sequestrarem seu contador, sob a alegação de que ele o estaria roubando - o plano visava dar um susto no tal contador a fim de que ele confirmasse as suspeitas do cantor. O lamentável episódio veio à tona e Simonal foi preso. A partir daí, completamente deletado do meio artístico, nunca mais conseguiu retomar sua gloriosa carreira de intérprete, vindo a falecer no mais absoluto ostracismo. 

Este lamentável fato, assim como a vida e trajetória artística daquele que é considerado um dos maiores intérpretes da MPB constituem o enredo de "S'imbora, o musical - A verdadeira história de Wilson Simonal", de autoria de Nelson Motta e Patrícia Andrade, em cartaz no Teatro Municipal Carlos Gomes. Pedro Brício assina a direção do espetáculo, que tem elenco formado por Ícaro Silva, Thelmo Fernandes, Gabriela Carneiro da Cunha, Gabriel Staufer, Kadu Veiga, Victor Maia, Marino Rocha, Marina Palha, Jorge Neto, Paulo Trajano, Cássia Raquel, Dennis Pinheiro, Natasha Jascalevich, Kotoe Karasawa, Ariane Souza, JP Rufino e JD d'Aleluia.

Ao longo dos últimos anos, os palcos cariocas vem recebendo excelentes musicais centrados em personalidades importantes da nossa música - Nelson Motta e Patrícia Andrade, inclusive, são os autores de "Elis, a musical". Mas aqui a dupla merece um aplauso adicional - outros virão em seguida. Refiro-me à coragem de ambos, pois uma coisa é produzir um evento teatral sobre artistas brilhantes que tiveram problemas com drogas, álcool etc. Outra, muito diferente, é tentar resgatar a dimensão artística de alguém que teria cometido gravíssimos deslizes morais e éticos. 

Como já dito, se efetivamente Simonal contratou agentes para dar um susto em seu contador (que teria sido torturado), tal atitude merece ser execrada. Mas é óbvio que isso não apaga a imensa contribuição que Simonal deu à MPB, e não apenas como um cantor de exceção: Simonal também dançava, contava piadas, criava novas versões para músicas consagradas, enfim, seduzia por completo as mais diversificadas plateia. Era, em resumo, uma mescla de intérprete genial e showman. E são essas múltiplas e luminosas facetas que o espetáculo exalta, sem por isso deixar de mencionar as mais obscuras. 

Contendo ótimos diálogos e uma ação que prende a atenção do espectador ao longo de todo o espetáculo, "S'imbora, o musical" recebeu excelente versão cênica de Pedro Brício. Valendo-se de marcas criativas e sempre conseguindo valorizar os múltiplos climas emocionais em jogo, Brício exibe o mérito suplementar de haver extraído impecáveis atuações de todo o elenco. A começar pela do protagonista, Ícaro Silva.

Embora (por razões óbvias) não deixe de reproduzir atitudes corporais de Simonal ou seu jeito de cantar, em nenhum momento me pareceu que Ícaro Silva pretendesse apenas imitá-lo. Pelo contrário: na medida do possível, o recria, aproveitando características da própria personalidade. E como canta e dança esplendidamente, não resta a menor dúvida de que estamos diante de uma performance notável. A mesma eficiência se faz presente no desempenho de Thelmo Fernandes na pele de Carlos Imperial, também narrador do espetáculo. Exibindo grande carisma e irresistível simpatia, além de cantar muito bem, Thelmo conduz a ação com segurança e contagiante bom humor.

Gabriela Carneiro da Cunha convence plenamente vivendo Tereza, esposa de Simonal, cabendo destacar sua eficiência tanto nas passagens mais dramáticas quanto naquelas em que o humor predomina. Victor Maia também se destaca dando vida a Roberto Carlos, Cesar Camargo Mariano e Eduardo Araújo - este último é recriado de forma tão absurdamente engraçada que fiquei torcendo para que aparecesse mais vezes. Gabriel Staufer (Mièle/Walter Clark/ Ginsburg), Kadu Veiga (Marcos Moran/ Ronaldo Bôscoli) e Paulo Trajano (Delegado/Zagallo/ Flavio Cavalcanti) também exibem atuações seguras e convincentes, com os demais contribuindo decisivamente para o incontestável sucesso do presente espetáculo.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as brilhantes participações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Alexandre Elias (direção musical e arranjos vocais), Max de Castro e Elias (arranjos), Renato Vieira (direção de movimento e coreografia), Hélio Eichbauer (cenografia), Marília Carneiro (figurino), Tomás Ribas (iluminação) e Rose Verçosa (visagismo), cabendo ainda destacar a excelente performance dos músicos Alexandre Elias (guitarra), Nanda Torres (teclado), Vinicius Lugon (trompete), Romulo Duarte (baixo), Kim Pereira (bateria), Reginaldo Vargas (percussão), Denize Rodrigues (saxofone) e Antonio Neves (trombone).

S'IMBORA, O MUSICAL - A HISTÓRIA DE WILSON SIMONAL - Texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade. Direção de Pedro Brício. Com Ícaro Silva, Thelmo Fernandes e grande elenco. Teatro Municipal Carlos Gomes. Quinta a sábado, 20h. Domingo, 18h.





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