quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"O branco dos seus olhos"

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Bela reflexão sobre o amor e a arte



Lionel Fischer



Karina e Lauro foram amigos na infância, em uma cidade do interior. Afastados há muito tempo, reencontram- se pelo facebook e marcam um encontro em um apartamento vazio, ao qual Karina tem acesso utilizando uma chave em local previamente acertado. No entanto, ao entrar no apartamento, depara-se com Raquel e fica sabendo que ela e Lauro são casados, e que moraram muitos anos em Buenos Aires. A partir daí, a ação oscila entre o presente (o tenso diálogo entre as duas mulheres no apartamento no Rio de Janeiro) e o passado (a vida do casal na Argentina, cujo principal foco é a tentativa de Raquel, uma rica executiva, de convencer Lauro a protagonizar um espetáculo de dança por ela financiado). 

Eis, em resumo, o enredo de "O branco dos seus olhos" (Teatro Poeira), texto de estreia do roteirista Alvaro Campos (supervisão dramatúrgica de Julia Spadaccini). Alexandre Mello assina a direção da montagem, estando o elenco formado por Amanda Vides Veras (Karina), Karine Teles (Raquel) e Fabiano Nunes (Lauro). 

Em seu texto de estreia para o teatro, Alvaro Campos evidencia muitas qualidades, a começar pela ótima protagonista Raquel, em torno de quem a trama se estrutura. Inteligente e cáustica, extremamente carente, mas essencialmente dominadora, tudo que ela faz, mesmo quando movida pelas melhores intenções, evidencia seu desejo de controlar todas as situações. Quanto aos outros dois personagens, Karina é também muito bem construída, já que sua ingenuidade e pureza fornecem um excelente contraponto à personalidade de Raquel. Com relação a Lauro, este é trabalhado numa chave mais modesta, mas ainda assim não isenta de interesse. 

Outros pontos a destacar no texto são os ágeis diálogos e as muitas e pertinentes reflexões levantadas, em especial sobre os relacionamentos amorosos e o universo da arte. A lamentar, apenas, o desfecho, em que várias e elucidativas informações são prestadas, como se o autor tivesse sentido a necessidade de "fechar" adequadamente a narrativa, quando deixá-la em aberto possibilitaria ao público criar o final que mais lhe agradasse.

Com relação ao espetáculo, Alexandre Mello impõe à cena uma dinâmica austera e despojada, investindo sobretudo no trabalho dos intérpretes - e aqui cabe destacar a valorização dos silêncios, da progressiva tensão, das relações que todos estabelecem com o espaço e com seus próprios corpos. Sem dúvida um seguro e expressivo trabalho de direção de um excelente ator.

Na pele de Raquel, Karine Teles evidencia total compreensão das muitas nuances de sua ótima personagem. Possuidora de voz poderosa, articula o texto com precisão e extrema autoridade. Mas acredito que deva ficar atenta ao excesso de ênfases, pois as mesmas em nada contribuem para conferir mais expressividade ao que é dito. Cabe também destacar sua grande capacidade de entrega, fundamental em um papel que pressupõe uma representação visceral. Amanda Vides Veras compõe muito bem a ingênua e frágil Karina, valendo ressaltar que, à medida que a ação avança, a atriz consegue transcender as premissas essenciais da personagem a ela conferindo outras, bem menos frágeis e ingênuas, como a indicar a existência de potências perfeitamente passíveis de aflorar. Em um papel mais modesto, como já foi dito, ainda assim Fabiano Nunes exibe performance convincente, sobretudo nas passagens dançadas.

Na equipe técnica, Alexandre Mello responde por expressiva cenografia, sendo igualmente de excelente nível a trilha sonora e direção musical de Paulo Francisco Paes, os figurinos de Elisa Faulhaber, a iluminação de Renato Machado e a coreografia e preparação corporal de Paula Maracajá.

O BRANCO DOS SEUS OLHOS - Texto de Alvaro Campos. Direção de Alexandre Mello. Com Amanda Vides Veras, Fabiano Nunes e Karine Teles. Teatro Poeira. Terça a quinta, 21h.





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