quarta-feira, 18 de março de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Um estranho no ninho"

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Montagem correta minimiza conflitos



Lionel Fischer



"A peça narra a história de um detento que simula a loucura para fugir dos trabalhos braçais da cadeia através da internação em uma instituição psiquiátrica. Uma vez interno, o prisioneiro (R.P.McMurphy) questiona as regras severas impostas pela enfermeira chefe (Ratched). Mas não imagina o preço que pagará por desafiar o poder. A oposição fundamental da peça não é entre a sanidade e a loucura, mas sim entre o aprisionamento e a liberdade".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Um estranho no ninho", de Dale Wasserman - a peça é baseada no romance homônimo de Kem Kessey e no cinema a adaptação do romance gerou o maravilhoso filme estrelado por Jack Nicholson e Louise Fletcher.

Em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, a montagem chega à cena com direção de Bruce Gomlevski e elenco formado por Charles Asevedo (Chefe Bromden), Felipe Martins (Dale Harding), Helena Varvaki (Enfermeira Ratched), Henrique Gottardo (Auxiliar Turkle), Hylka Maria (Candy Starr), Isaac Bardavid (Dr. Spivey), Junior Prata (Ruckley), Lorena Sá Ribeiro (Enfermeira Flinn), Marcelo Morato (Cheswick), Rafael Oliveira (Auxiliar William), Ricardo Lopes (Auxiliar Warren), Ricardo Ventura (Scanlon), Tatiana Muniz (Sandra), Tatsu Carvalho (R.P.McMurphy), Vitor Thiré (Billy Bibbit) e Zé Guilherme Guimarães (Martini).

Como não li o romance e tampouco conhecia a peça, minha única referência e fortíssima lembrança é o filme dirigido por Milos Forman, em 1975. Mas, como todos sabemos, teatro e cinema possuem linguagens diferentes e o que importa aqui é a peça. Vamos, portanto, a ela, fazendo o máximo de esforço para não estabelecer qualquer paralelo entre o mencionado filme e o texto ora encenado pela primeira vez no Brasil.

Trata-se, sem dúvida, de um bom texto, cujo principal mérito reside em sua proposta de investir contra as instituições psiquiátricas, que, sob o pretexto de reabilitar indivíduos portadores de deficiências mentais (ou ao menos tornar suas vidas menos dolorosas, ainda que confinadas), na verdade nada fazem além de impor sua tirania, cerceando por completo qualquer possibilidade de livre arbítrio - pode-se, também, encarar a presente clínica como uma metáfora do poder dominante, mas isto me parece um tanto óbvio e não muito relevante. 

Com relação ao espetáculo, Bruce Gomlevski impõe à cena uma dinâmica correta no que concerne às marcações e tempos rítmicos. Mas acredito que os dolorosos e exacerbados conflitos poderiam ter sido trabalhados de forma mais exasperada e visceral, o que provavelmente conferiria à montagem uma atmosfera mais sombria, claustrofóbica e angustiante. E neste particular chegamos às performances do elenco, que, em minha opinião, em muitos casos ficam aquém do exigido pelos ótimos personagens.

Na pele de McMurphy, Tatsu Carvalho exibe boa voz e bom trabalho corporal. No entanto, falta ao seu desempenho algo que talvez possa ser definido como lúcida virulência, uma vontade desesperadora e urgente de não apenas enfrentar a enfermeira-chefe, mas também de conscientizar seus colegas de infortúnio sobre as muitas ciladas que a instituição lhes apronta. Em algumas cenas, o ator opta por um tom debochado e malandro, que certamente funciona. Mas este mesmo tom é mantido em muitas outras que demandariam atitudes muito mais incisivas e capazes de conferir uma tensão muito maior aos embates em que o personagem se envolve.

Outra questão diz respeito à linha adotada por Helena Varvaki na enfermeira-chefe. É possível que a excelente atriz, com a aprovação do diretor, tenha acreditado que a crueldade da personagem ganharia contornos ainda mais aterrorizantes desde que mantido um tom de voz suave e supostamente apaziguador - este contraste, ao menos em teoria, poderia efetivamente funcionar. No entanto, acredito que acaba fragilizando a personagem, privando-a de sua sinistra potência. Quanto aos demais atores, todos exibem atuações corretas, cabendo destacar as participações de Felipe Martins e Ricardo Ventura, que exploram todo o potencial de seus ótimos personagens.

Na equipe técnica, considero corretas as contribuições de todos os envolvidos nesta empreitada teatral - Pati Faedo (cenário), Elisa Tandeta (iluminação), Alessandra Padilha e Jerry Rodrigues (figurinos), Uirande Holanda (visagismo) e Mauro Berman (trilha sonora original). A destacar a ótima tradução de Ricardo Ventura.

UM ESTRANHO NO NINHO - Texto de Dale Wasserman. Direção de Bruce Gomlevski. Com Helana Varvaqui, Tatsu Carvalho e grande elenco. Centro Cultural da Justiça Federal. Sexta a domingo, 19h.     






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