Afetos
Esta breve cena foi escrita a pedido de dois alunos que iriam realizar um teste. o tema foi proposto por eles: as supostas cautelas que os homens devem ter quando se deparam com a possibilidade de um novo relacionamento. o personagem EU sou eu mesmo. o ELE...enfim...a maioria dos homens que conheço, qualquer que seja a sua idade. (Lionel Fischer)
(A cena se passa num bar ou em qualquer lugar afeito a conversas e confissões. E acontece, digamos, no dia seguinte àquele em que, hipoteticamente, conheci uma mulher interessante)
ELE - E aí?
EU - Trocamos telefones.
ELE - Os aparelhos?
EU - Você está cada vez mais engraçado...
ELE - Desculpa. É que eu não resisto a uma piada.
EU - Maravilhosa, por sinal...
ELE - Continua.
EU - Já esqueci o que estava falando...
ELE - Deixa de bancar a criança ofendida. Você deu pra ela o número do seu celular e ela deu pra você o número do celular dela.
EU - Estou espantado com a tua perspicácia...
ELE - E aí? Qual foi o passo seguinte?
EU - Me deu vontade de ligar pra ela cinco minutos depois de nos despedirmos.
ELE - Mas você não fez isso...
EU - Não, não fiz.
ELE - Ainda bem.
EU - Por quê?
ELE - Porque seria ridículo.
EU - Ridículo? Por que, se foi esse o meu desejo?
ELE - Tem que dar um tempo.
EU - Quanto tempo?
ELE - No mínimo, três dias.
EU - Por que três dias e não dois ou quatro?
ELE - Três dias é um tempo legal. Se ela também se interessou por você, vai sentir sua falta.
EU - Ou vai achar que eu não vou ligar nunca.
ELE - É uma hipótese.
EU - É mais do que uma hipótese: é praticamente um risco idiota que eu estaria correndo, sem a menor necessidade.
ELE - Se você ligar antes de três dias, ela vai te considerar invasivo.
EU - Palavra linda, essa...invasivo...
ELE - Ela vai ter certeza de que você é do tipo que "gruda".
EU - Mas eu não sou, nem nunca fui assim!
ELE - Mas ela vai achar.
EU - Problema dela.
ELE - Problema teu. Vai por mim.
EU - Tudo bem: eu vou por você. Espero os tais três dias, me corroendo de saudades. Daí eu ligo e...
ELE - Fala qualquer coisa, menos que teve saudades dela, que gostaria muito de revê-la etc.
EU - Mas foi isso que eu senti!
ELE - Tudo bem, mas não precisa declarar.
EU - E falo o quê? Do tempo, da Bolsa de Valores, que o mico leão dourado está em vias de extinção...
ELE - Não precisa ser tão evasivo, né?
EU - Linda essa palavra: evasivo...
ELE - Você pode, por exemplo, perguntar o que ela vai fazer na próxima sexta-feira.
EU - E se estivermos na sexta? Pergunto o que ela vai fazer na seguinte?
ELE - Não, aí você pode perguntar se ela tem algum programa pro dia seguinte, sábado.
EU - E se ela já tiver?
ELE - Você se mantém impassível e deixa a entender que, sendo o Rio de Janeiro praticamente uma aldeia, mais cedo ou mais tarde vocês se esbarrarão por aí...meio que por acaso, percebe?
EU - Não, não percebo. Eu não quero ficar esperando que o acaso me contemple com suas bênçãos. Quero que ela saiba que adorei nosso primeiro encontro e que, se ela também sentiu o mesmo, seria ótimo que nos reencontrássemos. Há algum crime em ser claro?
ELE - Há. Mulher tem horror à clareza. Elas sempre priorizam o mistério. Em se tratando de sentimento, se você for logo muito objetivo com uma mulher, ela vai achar que você é um homem fácil, que está disponível e...
EU - Mas eu estou disponível!
ELE - Mas ela não pode ter essa certeza! Se tiver, some!
EU - Então que suma! Estaria, por sinal, me fazendo um grande favor, já que não seria quem eu pensei que era!
ELE - Você só esteve com ela uma vez. Não pode ter pensado nada de tão especial. Não deu tempo.
EU - Escuta aqui, amigo queridíssimo: eu posso perfeitamente ter um encontro de 15 minutos com uma mulher e ter absoluta certeza de que gostaria de escrever uma história com ela!
ELE - Uma história de 15 minutos...
EU - Talvez, mas que pode ser mais intensa do que outra que dure 15 anos!?
ELE - Você é realmente uma cara do século dezenove...
EU - E você é realmente um cara do século vinte e um!
ELE - Você tá zangado comigo?
EU - Não, muito pelo contrário. Nossa conversa está sendo ótima.
ELE - Fico aliviado.
EU - E está sendo ótima porque resolvi ligar agora mesmo pra ela!
ELE - E se cair na secretária?
EU - Deixo um recado.
ELE - Que tipo de recado?
EU - Que não posso mais viver cinco minutos sem ela!!! Que tive a certeza de que ela não é deste planeta, que provavelmente nasceu em Vênus, a primeira estrela!
ELE (Após gargalhar de forma quase obscena) - Você nunca vai ter essa mulher...
EU (Após expressiva pausa) - Vamos pedir a conta?
ELE - Mas ainda é cedo!?
EU - Não, é tardíssimo!
ELE - Você está com sono? Acorda cedo amanhã?
EU - Não...não estou com sono, nem acordo cedo amanhã. É que estou louco pra chegar em casa e escrever um poema de amor.
ELE - E vai mandar pra ela?
EU - Certamente.
ELE - Mensagem ou e-mail?
EU - Carta! Sou um homem do século dezenove...
ELE - Você sabe o endereço dela?
EU - Não. Mas descubro.
ELE - Ela vai contar pras amigas. Você vai virar motivo de piada...
EU - Que ótimo. É sempre bom quando conseguimos fazer com que as pessoas riam...
ELE - Há risos e risos...
EU - De fato. E há homens e homens...
ELE - Você não existe, cara...
EU - Graças a Deus!
Esta breve cena foi escrita a pedido de dois alunos que iriam realizar um teste. o tema foi proposto por eles: as supostas cautelas que os homens devem ter quando se deparam com a possibilidade de um novo relacionamento. o personagem EU sou eu mesmo. o ELE...enfim...a maioria dos homens que conheço, qualquer que seja a sua idade. (Lionel Fischer)
(A cena se passa num bar ou em qualquer lugar afeito a conversas e confissões. E acontece, digamos, no dia seguinte àquele em que, hipoteticamente, conheci uma mulher interessante)
ELE - E aí?
EU - Trocamos telefones.
ELE - Os aparelhos?
EU - Você está cada vez mais engraçado...
ELE - Desculpa. É que eu não resisto a uma piada.
EU - Maravilhosa, por sinal...
ELE - Continua.
EU - Já esqueci o que estava falando...
ELE - Deixa de bancar a criança ofendida. Você deu pra ela o número do seu celular e ela deu pra você o número do celular dela.
EU - Estou espantado com a tua perspicácia...
ELE - E aí? Qual foi o passo seguinte?
EU - Me deu vontade de ligar pra ela cinco minutos depois de nos despedirmos.
ELE - Mas você não fez isso...
EU - Não, não fiz.
ELE - Ainda bem.
EU - Por quê?
ELE - Porque seria ridículo.
EU - Ridículo? Por que, se foi esse o meu desejo?
ELE - Tem que dar um tempo.
EU - Quanto tempo?
ELE - No mínimo, três dias.
EU - Por que três dias e não dois ou quatro?
ELE - Três dias é um tempo legal. Se ela também se interessou por você, vai sentir sua falta.
EU - Ou vai achar que eu não vou ligar nunca.
ELE - É uma hipótese.
EU - É mais do que uma hipótese: é praticamente um risco idiota que eu estaria correndo, sem a menor necessidade.
ELE - Se você ligar antes de três dias, ela vai te considerar invasivo.
EU - Palavra linda, essa...invasivo...
ELE - Ela vai ter certeza de que você é do tipo que "gruda".
EU - Mas eu não sou, nem nunca fui assim!
ELE - Mas ela vai achar.
EU - Problema dela.
ELE - Problema teu. Vai por mim.
EU - Tudo bem: eu vou por você. Espero os tais três dias, me corroendo de saudades. Daí eu ligo e...
ELE - Fala qualquer coisa, menos que teve saudades dela, que gostaria muito de revê-la etc.
EU - Mas foi isso que eu senti!
ELE - Tudo bem, mas não precisa declarar.
EU - E falo o quê? Do tempo, da Bolsa de Valores, que o mico leão dourado está em vias de extinção...
ELE - Não precisa ser tão evasivo, né?
EU - Linda essa palavra: evasivo...
ELE - Você pode, por exemplo, perguntar o que ela vai fazer na próxima sexta-feira.
EU - E se estivermos na sexta? Pergunto o que ela vai fazer na seguinte?
ELE - Não, aí você pode perguntar se ela tem algum programa pro dia seguinte, sábado.
EU - E se ela já tiver?
ELE - Você se mantém impassível e deixa a entender que, sendo o Rio de Janeiro praticamente uma aldeia, mais cedo ou mais tarde vocês se esbarrarão por aí...meio que por acaso, percebe?
EU - Não, não percebo. Eu não quero ficar esperando que o acaso me contemple com suas bênçãos. Quero que ela saiba que adorei nosso primeiro encontro e que, se ela também sentiu o mesmo, seria ótimo que nos reencontrássemos. Há algum crime em ser claro?
ELE - Há. Mulher tem horror à clareza. Elas sempre priorizam o mistério. Em se tratando de sentimento, se você for logo muito objetivo com uma mulher, ela vai achar que você é um homem fácil, que está disponível e...
EU - Mas eu estou disponível!
ELE - Mas ela não pode ter essa certeza! Se tiver, some!
EU - Então que suma! Estaria, por sinal, me fazendo um grande favor, já que não seria quem eu pensei que era!
ELE - Você só esteve com ela uma vez. Não pode ter pensado nada de tão especial. Não deu tempo.
EU - Escuta aqui, amigo queridíssimo: eu posso perfeitamente ter um encontro de 15 minutos com uma mulher e ter absoluta certeza de que gostaria de escrever uma história com ela!
ELE - Uma história de 15 minutos...
EU - Talvez, mas que pode ser mais intensa do que outra que dure 15 anos!?
ELE - Você é realmente uma cara do século dezenove...
EU - E você é realmente um cara do século vinte e um!
ELE - Você tá zangado comigo?
EU - Não, muito pelo contrário. Nossa conversa está sendo ótima.
ELE - Fico aliviado.
EU - E está sendo ótima porque resolvi ligar agora mesmo pra ela!
ELE - E se cair na secretária?
EU - Deixo um recado.
ELE - Que tipo de recado?
EU - Que não posso mais viver cinco minutos sem ela!!! Que tive a certeza de que ela não é deste planeta, que provavelmente nasceu em Vênus, a primeira estrela!
ELE (Após gargalhar de forma quase obscena) - Você nunca vai ter essa mulher...
EU (Após expressiva pausa) - Vamos pedir a conta?
ELE - Mas ainda é cedo!?
EU - Não, é tardíssimo!
ELE - Você está com sono? Acorda cedo amanhã?
EU - Não...não estou com sono, nem acordo cedo amanhã. É que estou louco pra chegar em casa e escrever um poema de amor.
ELE - E vai mandar pra ela?
EU - Certamente.
ELE - Mensagem ou e-mail?
EU - Carta! Sou um homem do século dezenove...
ELE - Você sabe o endereço dela?
EU - Não. Mas descubro.
ELE - Ela vai contar pras amigas. Você vai virar motivo de piada...
EU - Que ótimo. É sempre bom quando conseguimos fazer com que as pessoas riam...
ELE - Há risos e risos...
EU - De fato. E há homens e homens...
ELE - Você não existe, cara...
EU - Graças a Deus!
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