Teatro/CRÍTICA
"Os insones"
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Versão interessante de ótimo romance
Lionel Fischer
"Suspense e violência são os ingredientes usados para retratar uma juventude que se sente perdida e os rumos de uma classe média iludida com velhos dogmas e valores. É nesse cenário que se encontram as histórias de Samora, um adolescente negro e rico, morador do Leblon, que quer se tornar guerrilheiro e mudar o mundo; da branca Sofia, moradora de Ipanema e dada como desaparecida, ou da mulata Mara Maluca, chefe de quadrilha, uma adolescente abrutalhada que mata com uma indiferença dilaceradora. Eles são parte dos mais diversos extratos sociais que vivem num constante clima de tensão. Todos têm a mesma vontade de agir para mudar o mundo e o próprio destino".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima contextualiza o enredo de "Os insones", adaptação do livro homônimo de Tony Bellotto, em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro). Erika Mader responde pela adaptação e direção do espetáculo, que tem elenco formado por Amanda Grimaldi, André Frazzi, Guilherme Ferraz, Izak Dahora, José Karini, Leonardo Bianchi, Liliane Rovaris, Marcos Ácher, Polly Marinho, Sol Menezzes e Yuri Ribeiro.
Como se sabe, adaptar um romance (qualquer romance) para o palco não é tarefa fácil. Isto se deve, antes de mais nada, à óbvia necessidade de condensar a narrativa, reduzi-la ao essencial. E neste processo de redução não importa tanto a omissão de alguns fatos, mas de possíveis reflexões em torno ou a partir dos mesmos. No presente caso, a adaptação de Erika Mader consegue contar bem a ótima história criada por Bellotto, mas a crítica empreendida pelo autor à juventude contemporânea chega com menos potência ao espectador do que ao leitor da obra original.
Com relação ao espetáculo, Erika Mader impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - marcas ágeis, diversificadas e não raro muito expressivas, quase todas explorando com sucesso o clima soturno e angustiante inerente à obra. Ainda assim, há algo que me parece mal resolvido: algumas transições entre as cenas. O fato de novos personagens entrarem no espaço enquanto a cena anterior ainda não terminou nada tem de equivocado, mas a forma com que os personagens deixam o palco às vezes é um tanto atabalhoada.
Talvez fosse o caso, como esboçado de vez em quando, de fazer com que os personagens que vão sair permaneçam sempre um tempo maior em cena, relacionando-se de alguma forma com o que vem a seguir. Isso talvez pudesse criar um breve momento de suspensão, um estranhamento que poderia conferir uma tensão ainda maior à narrativa - mas trata-se, naturalmente, de uma ideia e, como tal, sujeita a todos os enganos.
Com relação ao elenco, Guilherme Ferraz revela força e presença na pele de Samora. Mas acredito que o resultado possa ser ainda melhor se o ator compreender que todo o idealismo do personagem não exclui o fato dele ser também um assassino e priorizar sempre a violência como veículo para atingir seus objetivos. Amanda Grimaldi nos apresenta uma Sofia bem definida enquanto personalidade apaixonada e plena de ingenuidade. Sol Menezzes é uma jovem lindíssima e sua figura se encaixa perfeitamente na moradora do morro que deseja ser atriz, mas acredito que sua boa performance possa ganhar mais potência se a intérprete falar o texto com maior volume vocal.
Marcos Ácher e André Frazzi dão vida aos policiais empenhados em resgatar Sofia do morro. Suas atuações são seguras e convincentes, em papéis de menores possibilidades. Izak Dahora encarna o policial infiltrado no morro que simula ser professor de teatro. O ator faz bem o papel, mas acredito que, em algum momento, e ainda que de maneira sutil, poderia sugerir que não é exatamente o que parece ser. Yuri Ribeiro vive com competência o traficante Anjo, personagem um tanto ingrato posto que despido de maiores nuances. Leonardo Bianchi interpreta o adolescente Felipe, irmão de Sofia. Sua composição é interessante, já que a proposital suavidade do personagem torna ainda mais aterrorizante sua paixão por colecionar armas de fogo - acredito que são pessoas assim, acima de qualquer suspeita, que inesperadamente revelam sua obscura e violenta face.
Vivendo os pais de Sofia, Liliane Rovaris e José Karini extraem o máximo de seus ótimos personagens, valorizando com extrema sensibilidade tanto seus conflitos pessoais quanto sua angústia referente ao desaparecimento da filha. Finalmente, Polly Marinho. Na pele de Mara Maluca, a atriz consegue o notável feito de materializar tanto a inaudita violência da personagem quanto sua desproteção e fragilidade, afora exibir grandes méritos de comediante quando algumas situações permitem o humor. Sem dúvida, uma das performances mais vigorosas da atual temporada.
Na equipe técnica, é excelente a trilha sonora assinada por João Mader Bellotto, Pedro Richaid e Tony Bellotto, que muito contribui para reforçar a tensão da narrativa. Também de excelente nível a iluminação de Rodrigo Belay, que sublinha e enfatiza com sensibilidade todos os climas emocionais em jogo. Quanto aos figurinos de Bruno Perlatto, não entendi sua proposta de, quem sabe para fugir ao realismo, criar algumas vestimentas um tanto histriônicas que em nada contribuem para definir o contexto e as personalidades nele envolvidas. E menos ainda entendi por que os personagens exibem olheiras nitidamente marcadas: seria para reforçar a suposta insônia a eles inerente? Se foi essa a intenção, sugiro apaixonadamente que todas as olheiras sejam removidas, posto que a insônia em questão é muito mais existencial do que física. No que se refere à cenografia de Lorena Lima, teria sido sua intenção, através de vários montes de papel branco, sugerir a presença (ainda que simbólica) de cocaína? Se foi, ainda assim o resultado é não apenas confuso, como plasticamente pouco expressivo.
OS INSONES - Texto original de Tony Bellotto. Adaptação e direção de Erika Mader. Com Amanda Grimaldi, André Frazzi, Guilherme Ferraz, Izak Dahora, José Karini, Leonardo Bianchi, Liliane Rovaris, Marcos Ácher, Polly Marinho, Sol Menezzes e Yuri Ribeiro. Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro). Terças e quartas, 21hs.
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
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