sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Teatro/CRÍTICA

"Meus duzentos filhos"

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Belo tributo a um homem de exceção



Lionel Fischer



"Pedagogo, pediatra e escritor judeu polonês, Janusz Korczak foi fundador e gestor do Orfanato Modelo, em Varsóvia, onde se dedicou durante 30 anos a formar e educar órfãos, oferecendo às crianças amor, carinho, respeito e instrução moral para enfrentar a vida. Korczak viveu para educar e cuidar dos pequenos que amparou e morreu com eles, nas mãos nazistas, no campo de Treblinka, em 1942".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto de "Meus duzentos filhos", em cartaz até domingo no Centro Cultural Justiça Federal. Miriam Halfim assina o texto, estando a direção a cargo de Ary Coslov. Marcelo Aquino interpreta Korczak. 

Não sei quem é o autor ou autora do ótimo release que me foi enviado, posto que seu nome não consta do mesmo. Mas cabe ressaltar que dele constam fartas informações sobre a belíssima e finalmente trágica existência de Korczak. No entanto, faço a opção de não me deter sobre os feitos deste extraordinário humanista e sim focar a presente análise - ao menos em sua parte inicial - sobre a abjeta capacidade dos nazistas de fazer o mal em uma escala inimaginável.  

Por mais que tenha lido inúmeros tratados escritos por pessoas  infinitamente mais capazes do que eu, e cujo objetivo era o de tentar entender como uma nação tão culta como a alemã se deixou seduzir pela barbárie imposta por Hitler e seus asseclas, ainda assim minha perplexidade continua a mesma. Nenhuma explicação me basta, nenhuma teoria se me afigura como suficiente. Nada justifica o genocídio de 6 milhões de judeus, dentre os quais cerca de 2 milhões de crianças. 

Em contrapartida, o horror nazista deixou como saldo - se é que saldo é a palavra correta - a certeza de que sempre se pode resistir, por mais atroz que seja o contexto em que estamos inseridos. E foi exatamente o que fez Korczak: abrigou 200 crianças, a elas ofereceu o que de mais precioso possuía, e não as abandonou quando teve três oportunidades para fazê-lo. Preferiu morrer com elas na câmara de gás, como o faria um verdadeiro pai.

O ótimo texto de Miriam Halfim nos coloca diante de Korczak, que narra e vivencia sua trajetória com seus duzentos filhos. Para os que desconhecem o que efetivamente ocorreu, é possível que tenham acalentado a esperança de um desfecho feliz. Mas não foi o que aconteceu comigo, posto que já conhecia o trágico final. No entanto, e isso não deixa de ser curioso, em alguns momentos cheguei a torcer por um final que contrariasse meu conhecimento dos fatos, como se minha memória pudesse estar me pregando uma peça. Enfim...coisas que só acontecem no teatro, quando se trata efetivamente de teatro, como no presente caso.

Com relação ao espetáculo, em seu início vemos o protagonista realizar alguns movimentos espasmódicos, para tal utilizando toda a cenografia - uma mesa e uma cadeira. Não sei exatamente o que pretendeu o diretor Ary Coslov com essa movimentação, mas arrisco uma hipótese: é possível que o descontrole físico do personagem materialize sua angústia e inconformismo em face de tudo que viveu, ainda que, no real da vida, tenha agido sempre de forma firme e ponderada. Enfim, trata-se apenas de uma hipótese e, como tal, sujeita a todos os enganos.

No tocante ao restante da encenação, cabe ressaltar a expressividade de todas as marcações, a precisão dos tempos rítmicos e sobretudo a notória capacidade de Ary Coslov de extrair ótimas interpretações dos atores que dirige, sem dúvida por que Coslov é também um grande ator. Marcelo Aquino exibe performance irretocável, vigorosa e comovente, conseguindo materializar todos os diversificados climas emocionais em jogo. Sob todos os pontos de vista, estamos diante de uma das melhores performances da atual temporada.

No que se refere à equipe técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Ary Coslov (cenário e trilha sonora), Rosa Ebe (orientação de figurinos), Ana Vitória (preparação corporal), Thiago Sacramento (fotos, vídeos e design), Pedro Leal David (edição e pesquisa adicional de trilha sonora) e Paulo Cesar Medeiros, cuja iluminação enfatiza de forma deslumbrante toda a trajetória de um homem cujo caráter e bondade jamais serão esquecidos.

MEUS DUZENTOS FILHOS - Texto de Miriam Halfim. Direção de Ary Coslov. Com Marcelo Aquino. Centro Cultural Justiça Federal. O espetáculo será exibido amanhã e domingo, às 19h.    




2 comentários:

  1. Em atuação explendorosa, Marcelo Aquino, compartilha com, nós, espectadores, sua real entrega num tom de pura magia que universaliza o espetáculo e nos transporta para planos quase que espaciais...assim como o cometa Korczak.

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  2. Cristovão amigo,

    partilho da mesma opinião.
    abraços,

    eu

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