terça-feira, 29 de abril de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Vertigem digital"


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Ser ou simular, eis a questão



Lionel Fischer



"Livremente inspirado no título do livro do sociólogo Andrew Keen, 'Vertigem digital' conta a história de cinco pessoas cruzando suas vidas na época em que os relacionamentos humanos estão sendo continuamente transformados pelo advento das redes sociais e do culto à celebridade. Propondo uma reflexão da dependência que adquirimos da vida virtual na contemporaneidade, a grande questão é: no mundo virtual quem é quem de verdade?"

Extraído do programa, o trecho acima (assinado por Lígia Fagundes e Alexandre Lino) resume o contexto em que se dá "Vertigem digital", primeiro texto e primeira direção de Alexandre Elias, um dos mais brilhantes diretores musicais do teatro carioca. Em cartaz no Teatro do Jockey, a montagem traz no elenco Ivan Mendes, Letícia Cannavale, Fernanda Gabriela, Lígia Fagundes e Francisco Salgado.

Mesmo arriscando-me a receber pedradas de todos os lados (como a adúltera da Bíblia), não me sinto nem um pouco constrangido em afirmar que desconheço por completo maravilhas como Facebook, Twiter e Instagram (este último me sugere o nome de um remédio). Admito, no máximo, que tais preciosas ferramentas possam ser utilizadas de forma proveitosa. Mas certamente, de uma maneira geral, elas priorizam (não raro perigosamente) o mundo virtual em detrimento do real da vida. Assim sendo, acho muito oportuna a ideia do autor de refletir sobre o tema.

No entanto, e mesmo reconhecendo os méritos de tal iniciativa, acredito que Alexandre Elias poderia ter se aprofundado um pouco mais sobre um tema tão relevante, talvez conduzindo a trama de forma a acentuar ainda mais toda a tragicidade inerente a uma realidade global na qual o que você é importa menos do que aquilo que você simula ser.

Seja como for, Alexandre Elias criou bons personagens, diálogos fluentes e uma ação que mantém o espectador atento. Mas acredito que certas passagens, como a da repórter inescrupulosa que tenta seduzir o editor-chefe do programa de grande audiência na Internet, poderiam ser reduzidas ou simplesmente eliminadas. E me parece também que a trajetória da cantora que vence o concurso acaba se perdendo ao longo da narrativa. Ainda assim, e por tratar-se de um texto de estreia, nada me impede de acreditar que Alexandre Elias possa construir uma interessante trajetória como dramaturgo.

Com relação ao espetáculo, este me parece um pouco inferior ao material dramatúrgico, já que as soluções encontradas são ou previsíveis ou isentas de maior criatividade. No tocante ao elenco, todos os profissionais exibem segurança e grande capacidade de entrega, defendendo com muita garra os personagens que interpretam.

Na equipe técnica, o grande destaque fica por conta da ótima direção musical de Alexandre Elias, que enfatiza com precisão todos os climas emocionais em jogo. Ney Madeira, Dani Vidal e Pati faedo (Espetacular Produções Artísticas) respondem pelos críticos e divertidos figurinos, com Karlla de Luca (cenografia) e Hugo Mercier (iluminação) assinando trabalhos sem maior expressividade.

VERTIGEM DIGITAL - Texto e direção de Alexandre Elias. Com Ivan Mendes, Letícia Cannevale, Fernanda Gabriela, Lígia Fagundes e Francisco Salgado. Teatro do Jockey. Sexta a domingo, 21h.







Teatro/CRÍTICA

"À sombra das chuteiras imortais"


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Nelson Rodrigues em deliciosa adaptação



Lionel Fischer



"Otacílio, um apaixonado por futebol, descobre que é traído pela mulher, Odete, na véspera da final da Copa do Mundo de 1958 entre Brasil e Suécia. Transtornado e dividido entre a vergonha de marido traído, o desejo de lavar a honra com sangue e a expectativa da finalíssima, Otacílio decide perdoar (ou não) a mulher, de acordo com o resultado do jogo".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "À sombra das chuteiras imortais", que tem como tema central o conto "O grande dia de Otacílio e Odete" e também exibe trechos de crônicas como "Complexo de vira-latas", "O craque da capelinha" e "O mais belo futebol da Terra".

De autoria de Nelson Rodrigues, os textos foram adaptados para o palco (Teatro Sesi) por Henrique Tavares, também responsável pela direção do espetáculo. No elenco, Gláucio Gomes, Ingrid Conte, Anderson Cunha, Crica Rodrigues e César Amorim.  

Por tratar-se de um gênio, Nelson Rodrigues consegue o prodígio, em suas crônicas sobre futebol, de falar bem menos do violento esporte bretão do que sobre a vida. Suas crônicas, impregnadas de humor e poesia, são pertinentes reflexões sobre o Brasil e os brasileiros, sobre nossas mazelas e grandezas, textos extraordinários que possibilitam ao leitor uma percepção sempre nova e originalíssima de realidades nem sempre perceptíveis para, digamos, os idiotas da objetividade.  

A partir de sua ótima adaptação, o diretor Henrique Tavares construiu um espetáculo delicioso, encadeando os textos de tal forma que temos a impressão de tratar-se de uma peça. São inventivas e criativas suas soluções cênicas, além de impecável a forma como o encenador trabalha os tempos rítmicos e os silêncios, sempre impregnados de fortes significados.

E cabe também destacar seu ótimo trabalho junto ao elenco. Sem exceção, todos os atores extraem o máximo de seus personagens e exibem aquele tipo de contracena que só existe quando a cumplicidade é total e também o prazer de estar no palco fazendo algo em que se acredita totalmente. Portanto, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo e a todos agradeço a deliciosa noite que me proporcionaram.

Na equipe técnica, José Dias assina uma cenografia despojada e simples, mas que situa com extrema precisão a época em que se desenrola a ação. A mesma eficiência se faz presente na expressiva iluminação de Aurélio de Simoni e nos figurinos de Patricia Muniz, em total consonância com o período retratado, a personalidade e a condição social dos personagens.

À SOMBRA DAS CHUTEIRAS IMORTAIS - Textos de Nelson Rodrigues. Adaptação e direção de Henrique Tavares. Com Gláucio Gomes, Ingrid Conte, Anderson Cunha, Crica Rodrigues e César Amorim. Teatro Sesi. Quinta a sábado, 19h30.






segunda-feira, 28 de abril de 2014

CURSOS DE EXTENSÃO CULTURAL – HISTÓRIA E CULTURA                   
Rua General Garzon, 22/ 6º - Cobertura - Sala de Reuniões  
(Esquina da Jardim Botânico com Pacheco Leão, Lagoa)      
Condomínio Ponte de Tábuas –Estacionamento Privativo                
CURSO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2014

4a feiras – 19h30m às 21h30m 
  
                    

        
MAQUIAVEL ALÉM DO PRÍNCIPE

PROF. GABRIEL SOARES

30/04 –  Nicolau Maquiavel em Contexto


07/05 –  O Príncipe de Florença


14/05 –  Discursos, República e Tito Lívio


28/05 –  Maquiavel ou Maquiavélico?04/06 –  A Mandrágora, Maquiavel Dramaturgo



INFORMAÇÕES
Ø  Os cursos tem divulgação restrita e selecionada e as vagas limitadas a 25 alunos. As reservas devem ser feitas com antecedênciapelos telefones 99234-1960 / 2487-1883 (Gabriel) ou por email (ex-alunos).
Ø  Nas aulas, objetivas e didáticas, são utilizados mapas históricos importados, trechos de documentários e filmes em DVD e, eventualmente, projeção de imagens em telão. A cada aula são fornecidas apostilas com sínteses e complementos gratuitamente. A sala de aulas é aberta meia hora antes para café e biscoitos no terraço com vista para a Lagoa e o Jardim Botânico. Começam pontualmente havendo intervalo.
Ø  O Condomínio Ponte de Tábuas temestacionamento privativo com manobrista. Valor único de R$ 6 para alunos e frequentadores do Bistrô.
Ø  Os Cursos de Extensão Cultural são ministrados desde 2003 e portanto completando onze anos. São seus professores:

Iber Reis (Historia e Sociologia) que lecionou na UFF, UGV, FGV, FAHUPE e Colégios Princesa Isabel e Andrews, Pós Graduado em História Contemporânea.

Gabriel Soares (Literatura e Artes) licenciado em Letras pela UERJ, Pós Graduado em História Antiga e Medieval, Pesquisador do Núcleo de Estudos da Antiguidade da UERJ. 

Bluette Bukowitz (Música) Pianista, Mestre em música pela UFRJ, Doutora pela Academia de Viena (Áustria), lecionou nas Escolas Americana e Britânica do Rio de Janeiro.
Valores:
R$ 225. Aula avulsa R$ 50
Abatimento de 50% para ex-alunos professores de carreira docentes.




quinta-feira, 24 de abril de 2014

EDITORA LIGA LANÇA “NÃO É POR 20 CENTAVOS. UM RETRATO DAS MANIFESTAÇÕES NO BRASIL”

Especialistas tratam de temas como o surgimento dos Black Blocs no Brasil, a atuação das forças de segurança, repressão, rolezinhos e democracia  

A editora Liga está lançando “Não é por 20 centavos. Um retrato das manifestações no Brasil”, com artigos escritos por especialistas de variados meios, com diferentes visões sobre as manifestações que, em 2013, surpreenderam o País. “Esse primeiro livro é uma publicação coletiva, a melhor forma de dar voz a várias pessoas que têm coisas relevantes a dizer sobre determinado tema. Nós ficamos extremamente satisfeitos com o material que reunimos, e queremos investir mais em projetos inovadores como esse. A partir de maio, após esse lançamento, vamos propor novos temas, incluindo publicações femininas e infanto-juvenis.A nossa expectativa é fechar 2014, o primeiro ano da editora, com 10 mil exemplares vendidos”, explica Silvina Ramal, criadora da Liga.

“Não é por 20 centavos. Um retrato das manifestações no Brasil”é integrado por seis artigos: “Massas em busca de um cordeiro”, de Claudio Julio Tognoll; “O Caminho Sem Fim da Democracia”, de Bruno Borges; “Black blocs, uma história”,deBruno Fiuza; “Legitimação de violência performativa no Black Bloc paulistano”, de Esther Solano Gallego e Rafael Alcadipani, “A Brecha de Junho está Aberta: Aprofundar a Democracia”, de Giuseppe Cocco e Hugo Albuquerque, e “Quem reprime manifestações, as polícias ou os governos?”, de Danillo Ferreira.

Segundo Bruno Borges, PhD em Ciência Política pela Duke University e professor da PUC-RJ, “apesar dos quase trinta anos de democracia consolidada, boa parte das pessoas ainda acha que a democracia funciona (e deve funcionar) no piloto-automático: basta votar de vez em quando, esperar resultados e reclamar dos políticos que, em algum momento, como num passe de mágica, o Brasil se transformará de maneira tão radical que não nos reconheceremos mais: seremos a Suécia com praias”. Para Claudio Tognolli, Doutor em ciências da comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP/SP), “as massas que protestaram contra os R$ 3,20 da tarifa de ônibus não pararam ali: seguem, em 2014, destruindo ônibus, portas de vidro de bancos, carros, o diabo. Estamos a um passo de um clima que gerou o nazifascismo”, alerta.

Bruno Fiúza, historiador formado pela USP, lembra que os blackblocs não são uma novidade e nem um mistério. “Trata-se de uma tática militante surgida há mais de trinta anos e sobre a qual há vasto material de pesquisa disponível. Conhecê-los melhor é só uma questão de vontade política”. O especialista lembra que a situação se torna dramática porque não existe partido capaz de se apresentar como uma alternativa viável às forças que estão no poder. “Chegamos a um ponto em que a política institucional se descolou de tal maneira dos anseios políticos reais da sociedade que a disputa eleitoral se tornou uma espécie de batalha surreal – adversários fechados em seus castelos em Brasília que perderam qualquer contato com o pensamento das pessoas de carne e osso. E quando o poder se torna impermeável aos desejos do povo, a única oposição verdadeira é a das ruas”, ressalta em seu texto.

Para Esther Solano, Doutora em ciências sociais pela Universidade Complutense de Madrid, "os discursos sobre a ação direta, a relação entre imagem, linguagem e violência são centrais para entender a complexidade do BB (Feldmam, 1995). A partir disso se deriva a importância de estudar as narrativas destes jovens sobre sua própria percepção da violência como instrumento de protesto para avaliar o que, de fato, significa o BB, um fenômeno que tem causado, tanto na sociedade como nas instituições brasileiras, tanta perplexidade". 

“A novidade dessa nova composição de classe é uma classe sem nome, incontrolável, indisciplinável e imponderável, pronta para fazer movimentos livres, não homologáveis a qualquer momento. Ela não vai pedir autorização para fazer o que já é seu de direito. Foi-se o tempo dos salamaleques com o poder. O rolezinho é, pois, o inverso da Copa no Brasil: é o ócio investindo diretamente contra o negócio, tempo livre contra roubo de tempo de vida, ocupação de espaço versus confinamento”, explicaGiuseppe Cocco, cientista político e professor daUniversidade Federal do Rio de Janeiro.

“O povo brasileiro nas ruas trouxe à baila os limites de nossa tolerância à liberdade de expressão. E, sem dúvida, o modo de atuar das polícias expressa bem a disposição, ou indisposição, para dialogar com os anseios expressos nas manifestações”, conclui Danillo Ferreira, Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em filosofia pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

Sobre a editora
Mais do que uma editora, a Liga é um espaço criado para que os escritores apresentem seus trabalhos e, efetivamente, consigam publicá-los. No site, os textos podem ser inscritos de duas formas: obras autorais e colaborativas, com uma área própria para artigos e charges. A Liga é uma editora onde todos têm a mesma oportunidade de publicar e onde os únicos parâmetros usados são a qualidade, a criatividade e o gosto dos leitores. A Liga é um espaço democrático, uma verdadeira comunidade onde todos participam do processo de decisão sobre o que vai ser publicado: escritores, equipe interna, curadoria e leitores.

Ficha técnica
Título: “Não é por 20 centavos. Um retrato das manifestações no Brasil”Autor: vários
Formato: ebook
Páginas: 59












PETER BROOK: UM HOMEM DO SÉCULO XXI

Por Verônica Fernandes


“O mundo de hoje nos oferece novas possibilidades. Este grande vocabulário humano pode ser enriquecido por elementos que nunca estiveram juntos no passado. Cada raça, cada cultura pode trazer sua própria palavra para uma frase que una a humanidade. Não há nada mais vital para a cultura teatral do mundo do que o trabalho conjunto de artistas de diferentes raças e origens.”
Peter Brook[1]

Como estudante de teatro, uma de minhas grandes inquietações, é a comunicação com a sociedade. De que forma no mundo em que vivo: interligado e ao mesmo tempo individualista, posso me expressar sem ter a sensação de que a minha tentativa é sem sentido ou inútil, como posso ter como meio de expressão artística uma arte que é prioritariamente coletiva num mundo individualista? 

Durante o percurso deste semestre, tive a oportunidade de entrar em contato com a estética de Kant, e começar a compreender a noção de Belo, e perceber o quanto minha idéia acerca do Sublime era equivocada, essas questões desenrolaram um verdadeiro novelo de idéias e reflexões acerca da arte, me senti impelida a entender aquele com quem eu quero falar. Ao perceber que não basta saber que o homem contemporâneo é individualista, fui em busca de compreender o processo pelo qual estamos passando ao longo deste “grande período histórico”, para tanto, se tornou essencial entender o sistema de comunicação de nosso tempo que está dentro do nosso quarto, a internet e seus reflexos no homem. 

Continuando o semestre, encontrei os readymades de Duchamp, com seu caráter libertador em torno do pensamento artístico, transpondo os limites da arte. Entrei em contato com o conflituoso Artaud, questionando as formas teatrais, exatamente no que se refere à capacidade ou a incapacidade de se comunicar com a “massa” e entre todas essas questões, a performance já se mostrava a mim como uma linguagem extremamente atual, por suas características conceituais; estreitamento entre arte e vida e uma decorrente interatividade, porém com características individualistas. E é nesse momento que encontro Peter Brook, considerado o maior encenador do século XX, mas que a mim se revelou ainda muito relevante hoje, no século XXI, pois ao ler “O Peixe Dourado”, ensaio que compõe seu livro “A Porta Aberta”, compreendi a comunicação como sendo sim, uma das grandes chaves da expressão teatral. 

Pelo fato de que, por mais que estejamos vivendo e nos relacionando intermediados pela tecnologia sempre haverá algo que liga as pessoas, é a necessidade do contato humano verdadeiro e no teatro esse contato é a condição para a arte acontecer, no “momento presente” que segundo Peter Brook é um mistério. É como se nesse momento da minha “errância teatral” eu me reencontrasse em Peter Brook, com seu multiculturalismo, completamente de acordo com a realidade de um mundo interligado, procurando se comunicar, na superfície de uma “base comum”. “[...] sentimento que conduz à paixão, paixão que transmite convicção, convicção que é o único instrumento espiritual capaz de fazer os homens se preocuparem uns com os outros.” [2].

Assim, parto da comunicação para tentar percorrer pelo ensaio de Brook, pois além de ser o ponto que converge os meus questionamentos, é também a questão que permeia todo o ensaio, quando fala na rede de pesca e o peixe dourado, ao citar Shakespeare e ao falar sobre o nosso tempo. Na busca pela comunicação, Peter Brook coloca que o “momento presente” compreende uma “experiência coletiva”, e para isso é necessário que haja uma “base comum” para que cada indivíduo na platéia possa compartilhar essa experiência que se dá em diversos níveis de compreensão. Refletindo sobre a experiência coletiva, percebo que o termo multiculturalismo termina por reunir em seu conceito, os sentidos de: momento, coletividade, interatividade e heterogeneidade, porque quando trabalha com a matéria-prima do teatro, o ator, oriundo de diferentes lugares, com diversos referenciais de cultura, modos, crenças, Brook favorece a coletividade, caminhando através da diferença, em busca da comunicação em direção a uma “base comum”.

Para Peter Brook, “Shakespeare não faz concessões em nenhum dos extremos da escala humana. Seu teatro não vulgariza o espiritual para que o homem comum o assimile mais facilmente, nem rejeita o sujo, o feio, o violento, o absurdo e a gargalhada vulgar. Passa de um a outro sem esforço, momento a momento, enquanto numa grande investida vai intensificando a experiência, até que toda a resistência explode e a platéia se defronta subitamente com um instante de aguda percepção da textura da realidade.”[3], enxergo nessa colocação a capacidade, tão anunciada, que Shakespeare tem de comunicar com todos os universos sociais, entendo como conseqüência natural, a freqüência do autor na estrada artística que o encenador trilha. Esta mesma citação me remete a um outro ponto abordado através da metáfora de “O Peixe Dourado”, onde Brook se refere ao trabalho do ator, como sendo o mesmo de um pescador que tece a sua rede, o que vai determinar que tipo de peixe irá pescar, é o seu “esmero” a sua “intenção”. Construindo a textura da obra teatral o ator tem em mãos a responsabilidade de se comunicar e ser o interlocutor de toda uma equipe, idéias coletivas voltadas para uma coletividade e ao mesmo tempo é a idéia de cada artista envolvido com a obra, comunicando a cada indivíduo presente na platéia. 

Novamente eu volto a multicultura, pois seu princípio viabiliza a concretização de uma experiência coletiva preservando, não o individualismo, mas a individualidade. Ao falar a respeito da constatação, quando em viagem pela Europa, de uma falta de interesse do homem pelo teatro, pondera que a obra teatral precisa acompanhar a “pulsação de seu tempo”, então depreendo que “o momento presente” além de significar o instante da obra, também ganha o sentido do agora, o momento que estamos vivendo, é o nosso tempo, o nosso presente.

O que me faz refletir sobre o século no qual vivemos, onde encontrei na performance uma linguagem que sintoniza com nosso “momento presente”, e o uso de multimídia, se revela como um dos pontos chave, totalmente em acordo com esse sujeito contemporâneo interligado a todo o tempo. Não é de hoje, que Peter Brook, experimenta uma linguagem que não é cinema, mas também não pode ser considerado como teatro pelo simples princípio de que para o teatro acontecer é necessário, o contato entre as pessoas. Ao repensar a peça com essa finalidade, ele transmuta a linguagem teatral, tentando manter a idéia da encenação, o resultado estará imortalizado através da tecnologia, disponível em todo o mundo através dos DVD´s e também da internet. Mas o que me chama a atenção para este trabalho é que ao transmutar a linguagem teatral, será que Peter Brook não cria uma espécie de “performance”, da obra original?

Enquanto forma o ensaio de Brook, se revela livre, como um ensaio deve ser, ele foi escrito para ser falado, desenvolve seu discurso, da mesma forma que defende o espetáculo teatral: uma sucessão de momentos que levam a um momento de maior interesse. E nesse jogo, que ele estabelece com os ouvintes/leitores, ele revela um pouco sobre o teatro do qual está falando. Um homem da prática, que reflete o teatro e o vivencia, não percebo o que vem em primeiro lugar, se suas reflexões teóricas sendo postas em teste na prática, ou se sua prática é que produz as reflexões teóricas. É uma sucessão entre a experiência prática e reflexiva, uma após a outra, construindo a “textura” do seu fazer teatral.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

BROOK, Peter. “A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

[1] “O Peixe Dourado” In. ___A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro; pág. 80.

[2] Idem; pág. 68.
[3] Idem; pág. 73

O que é Dança-Teatro?



  • on 15/12/09



  • O conceito de dança-teatro surgiu na Alemanha, no Folkwang Tanz-Studio, criado por Kurt Joos no final da década de 20 e ganhou notoriedade a partir da década de 70,  tendo na figura da coreógrafa alemã  Pina Baush seu principal expoente. 

    A expressão dança-teatro (tradução da expressão alemã "Tanztheather") era usada por Rudolf Von Laban para descrever uma arte independente das outras; com coreografias que incorporavam movimentos do cotidiano e movimentos abstratos em uma forma narrativa.  É  uma dança com "efeito de teatro”. 

    Na dança-teatro os dançarinos representam um personagem. Pina Baush, em seus trabalhos, promovia um entrelaçamento entre dança e palavras. Os corpos ganhavam consciêcia de si próprios e expressividade através de repetições de gestos, palavras e experiências; estando sempre em constante transformação. O corpo ajuda a contar uma história, mas ele próprio possui a sua história; que também pode ser percebida nas apresentações. Ele é um uma visão particularizada de uma vivência.

    O teatro tem a sua essência na linguagem verbal. A dança tem sua essência no corpo humano. Ele é o seu principal instrumento de expressão. A dança-teatro unifica esses dois elementos. O corpo é texto dos dançarinos-atores. 

    Ao longo da história, inúmeras são as sociedades que de forma ritualística agregaram danças e narrativas em “eventos” importantes para as suas comunidades. Ritos de passagens de condições sociais e ritos religiosos são os expoentes máximos dessa união. O teatro e a dança estão intimamente ligados nesses rituais onde cidadãos contam as histórias (míticas ou reais)  de seus povos; e dança-teatro resgata um pouco desse caráter. 

    O pilar fundamental da dança-teatro é unir a dança e o teatro pelo seu ponto mais conflitante para daí surja um espetáculo. 

    segunda-feira, 21 de abril de 2014

    Teatro/CRÍTICA

    "Tudo por um Pop Star"

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    Maravilhosa festa no Ipanema



    Lionel Fischer



    "Quando descobrem que seus maiores ídolos vêm ao Brasil para um show no Maracanã, Manu, Gabi e Ritinha fazem de tudo para ver os ídolos de perto e vivem uma grande aventura mas...nada, absolutamente nada do que planejam dá certo. Apesar das várias tentativas e técnicas de aproximação, o trio de tietes só se mete em confusão. A falta de sorte das fãs mais desastradas do mundo é tanta, que elas vão parar na televisão e pagam o maior mico de suas vidas em rede nacional".

    Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Tudo por um Pop Start", baseado no livro homônimo de Thalita Rebouças, também responsável pela supervisão do roteiro. Pedro Vasconcelos responde pela direção geral, Marco Bravo pela direção e Gustavo Reiz pela adaptação teatral.

    A montagem, em cartaz no Teatro Municipal Ipanema, tem elenco formado por Christian Villegas (Michael Lazdakson), David Lucas (Julius Tiger/ Davi), Gabi Porto (Paulinha), Jullie (Manu), Larissa Bougleux (Ritinha), Marcella Rica (Gabi), Marco Bravo (Miro Montalban), Raphael Rossato (Slack Tom Tompsom) e Rosana Chayn (Bárbara) - neste último sábado, Rosana acumulou seu papel com o de Babete, já que Thais Belchior, responsável pela personagem, teve que se ausentar do Rio de Janeiro em função de compromissos profissionais assumidos antes da estreia do espetáculo. Os atores dividem o palco com a Banda Jack B.

    Sendo Thalita Rebouças uma das escritoras nacionais de maior sucesso junto aos adolescentes - com o singelo detalhe de ser também uma mulher linda -, só por uma inconcebível conspiração dos sempre caprichosos deuses do teatro a presente obra não faria sucesso no palco. Qual de nós, quando adolescente, não teve ídolos, não desejou vê-los de perto, não teve a certeza absoluta de que certas músicas foram especialmente compostas para nós?

    E qual adolescente não teve maiores ou menores questões com os pais, com os irmãos, com os colegas de colégio, com os professores, com os hormônios que nos modificam interna e externamente? Quem não acreditou piamente que o mundo inteiro lhe pertencia e em momento algum deixou de acreditar que, mais cedo ou mais tarde, o príncipe ou a princesa de sua vida surgiria, como num passe de mágica, e então a felicidade seria eterna? Quem não passou por tudo isso, que me desculpe: mas não teve adolescência...

    E o texto simples e despretensioso, mas pleno de humor e humanidade, retrata com extrema sensibilidade este momento de passagem tão crucial em nossas vidas. E sendo excelente a adaptação teatral de Gustavo Reiz, só se houvesse a já mencionada conspiração dos deuses do teatro o resultado poderia diferente do que constatei no Ipanema: um sucesso absoluto!

    A começar pela divertida e criativa direção de Pedro Vasconcelos e Marco Bravo, que impõem à cena uma dinâmica eletrizante cujas marcações retratam todo o furor existencial dos adolescentes, que se identificam com o espetáculo desde o primeiro momento - aliás, gostaria de ressaltar como é apaixonante se assistir a uma montagem em que os espectadores, em sua maioria adolescentes e portanto ainda não maculados por tediosas regras de bom comportamento, cantam, gritam, batem palmas e interagem com os atores o tempo todo. E isto também se dá, obviamente, pelo excelente desempenho do conjunto, tanto no que diz respeito ao texto articulado como no tocante às ótimas canções, que todos interpretam de forma irrepreensível.

    Sendo verdadeira (no que acredito piamente) a definição de teatro proferida pelo maior encenador vivo, o inglês Peter Brook ("O Teatro é a Arte do Encontro"), não resta a menor dúvida de que o Ipanema, neste momento, é palco de um belíssimo encontro entre quem faz e quem assiste. E aproveito para parabenizar os idealizadores deste projeto destinado aos adolescentes, quase sempre ignorados em nossa dramaturgia e em nossas produções.

    No complemento da equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Raphael Rossatto e Marco Bravo (direção musical), Ronald Teixeira (cenografia e figurino), Luciano Xavier (iluminação), Ana Paula Bouzas (direção de movimento), Gabi Porto (preparação vocal) e Will Ferrari (visagismo), sendo também imperioso destacar a ótima performance da Banda Jack B.

    TUDO POR UM POP STAR - Texto de Thalita Rebouças. Direção geral de Pedro Vasconcelos. Direção de Marco Bravo. Adaptação teatral de Gustavo Reiz. Com Christian Villegas, Marcella Rica e grande elenco. Teatro Municipal Ipanema. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h.




    sábado, 19 de abril de 2014

    Teatro/CRÍTICA

    "De filha pra mãe"

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    Pertinentes reflexões no Gonzaguinha


    Lionel Fischer




    "A peça conta a história de Bianca e Juliana, mãe e filha, que desde muito cedo viram-se ingressar no mundo das responsabilidades eternas: a maternidade. Bianca foi mãe aos 15 anos e hoje, quinze anos depois, Juliana engravida também. As duas confrontam-se e descobrem que embora em contextos histórico e sociais distintos, suas demandas em relação ao mundo são muito parecidas e, se não resolvidas, serão revisitadas na próxima geração".

    Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "De filha pra mãe", de autoria de Nathalia Colón, também responsável pela direção do espetáculo, em cartaz no Teatro Gonzaguinha. No elenco, Paula Barbosa e Débora Ozório.

    Quando se inicia a ação, somos informados de que a adolescente viajará imediatamente para Nova York, onde fará intercâmbio e, ao que tudo indica, se aprimorará como bailarina. Mas a jovem se recusa a ir e, ao mesmo tempo, reluta em revelar as razões que a estão levando a cancelar uma viagem há muito programada. Até que, pressionada pela mãe, diz que está grávida.

    Como se sabe, uma gravidez adolescente é sempre problemática. E aqui mais ainda, pois o mesmo aconteceu com a mãe de Juliana. Afora o fato de que Bianca também pretendia ser bailarina e não deseja que filha renuncie à carreira, como ela fez. E, finalmente: ambas tiveram parceiros com o mesmo nome (Daniel) e em ambas as situações os dois não desejavam ser pais. Ou seja: a autora lança uma espécie de alerta para uma das mais corriqueiras mazelas que assolam os neuróticos: a tendência à repetição.

    Criando uma estrutura narrativa em que passado e presente se mesclam a todo momento, assim como invertem-se com frequência os papéis, Nathalia Colón empreende não apenas uma pertinente reflexão sobre a já mencionada tendência à repetição, mas também sobre relações familiares, desejos, anseios, medos e eventuais frustrações.

    Com relação ao espetáculo, Nathalia Colón impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, cabendo destacar a expressividade das marcações e o domínio dos tempos rítmicos. Além disso, a jovem encenadora fez um ótimo trabalho junto às intérpretes.

    Na pele de Bianca, Paula Barbosa convence plenamente em todas as passagens, em especial naquelas em que a dramaticidade é mais acentuada - cabe também salientar que, em dados momentos, quando a personagem volta aos seus 15 anos, a atriz exibe notáveis dotes de bailarina clássica. Vivendo Juliana, Débora Ozório também tem atuação segura e convincente, e como tem apenas 17 anos de idade, tudo leva a crer que possa cumprir bela trajetória profissional.

    Na equipe técnica, Claudia Caliel assina uma cenografia muito expressiva, abdicando do realismo e valorizando determinados elementos que assim adquirem um valor simbólico. Também de excelente nível a direção musical de João Guesser e Daniel Carneiro, que em muito contribui para o aprofundamento dos conteúdos em jogo. Cabe também ressaltar a ótima direção de movimento de Camila Costa e a sensível iluminação de Dans Souza, sendo corretos os figurinos de Vinícius Andrade. 

    DE FILHA PRA MÃE - Texto e direção de Nathalia Colón. Com Paula Barbosa e Débora Ozório. Teatro Gonzaguinha. Sábado às 20h, domingo às 19h.