sexta-feira, 30 de maio de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Kalocaína"

..............................................................
Instigante obra de ficção científica



Lionel Fischer



"Numa sociedade sem classes, onde não existem pobres, nem ricos, mas as funções e hierarquias sociais são bem delimitadas, olhos e ouvidos eletrônicos da polícia vigiam o interior de cada apartamento, mesmo à noite, através de raios infravermelhos. No metrô e nas ruas, cartazes advertem: 'Ninguém pode estar seguro! Quem está ao seu lado pode ser um subversivo!' Nesta atmosfera já asfixiante, Leo Kall, cientista da Cidade Química nº 4 - que acredita no Estado Mundial e em seus princípios - descobre a droga sonhada por todos os profissionais de informação: a Kalocaína".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima reproduz o contexto de "Kalocaína", em cartaz no Teatro Glaucio Gill. Baseado no romance da sueca Karin Boye (1900-1941) e contando com adaptação para o palco de Mauro Ventura Alves e Michel Bercovitch (com a colaboração do Núcleo de Investigação Cênica e Felipe Oquendo), o texto chega à cena em versão assinada por Bercovitch, estando o elenco formado por Alice Assef, Alexandre Varella, Louri Santos, Tatsu Carvalho, Tatiana Menezes, Felipe Martins e Henrique Neves.

A dita Kalocaína, mencionada no parágrafo inicial, possui a singular propriedade de fazer com que os indivíduos que a inalam digam somente a verdade. Assim, os cobaias recrutados pelos cientistas a serviço do Sistema respondem a tudo que lhes é perguntado, sem necessidade de serem submetidos às torturas de praxe em qualquer regime totalitário.

No entanto, os fatos confessados jamais são suficientemente claros para que os responsáveis pelos interrogatórios saibam exatamente o que está acontecendo. Parece estar implícito um movimento de rebelião, mas a natureza da mesma e seus objetivos permanecem obscuros. E como não existe, ao menos em princípio, nenhum cidadão acima de qualquer suspeita, a trama envereda para os escalões superiores, a partir da suposição do protagonista Leo Kall de que sua mulher, Linda, pode ter tido um caso com seu chefe, Edo Rissen, ou, pior que tudo, ainda o ame.

Como não li o original, não tenho como avaliar a presente adaptação. Mas certamente estamos diante de uma obra séria, pertinente e que certamente serviu de inspiração para outras de ficção científica, estruturadas a partir da assustadora premissa da existência de um Estado onipresente no qual o indivíduo não possui a menor relevância - seria apenas uma máquina (ou um número, como no presente caso) a serviço de uma engrenagem cuja lógica escapa à sua compreensão.

Com relação ao espetáculo, Michel Bercovitch impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - suas marcações são secas e de fria objetividade, e uma permanente atmosfera de estranhamento permanece ao longo de todo o espetáculo. Cabe também salientar a precisão dos tempos rítmicos, assim como a expressividade obtida nos momentos em que as palavras se fazem ausentes.

No tocante ao elenco, todos os intérpretes exibem atuações seguras e evidenciam pleno conhecimento dos conteúdos em jogo. Ainda assim, me permito as seguintes observações. Quando alguns personagens são submetidos à mencionada droga, acredito que suas revelações poderiam ser expressas num tom menos coloquial, sem ser necessariamente robotizado. E acredito que Louri Santos, em seu longo monólogo final, poderia dispensar os arroubos de que lança mão, pois os mesmos minimizam a aterradora contundência das palavras que profere.

Na equipe técnica, Renato Machado assina sombria e claustrofóbica iluminação, determinante para a valorização do contexto em que se dá a ação. A mesma eficiência se faz presente na assustadoramente asséptica cenografia de Dina Salem Levy. Igualmente de bom nível a trilha sonora de Michel Bercovitch, o mesmo não podendo ser dito dos pouco expressivos figurinos de Henrique Neves e Bercovitch. Mauro Ventura responde pelas eficientes projeções, mas acredito que estas poderiam abdicar de momentos relacionados, por exemplo, ao julgamento de Nüremberg - qualquer espectador minimamente esclarecido percebe que a peça fala de um Estado totalitário, e o nazista proposto por Hitler certamente não é o único...

KALOCAÍNA - Texto de Karin Boye. Direção de Michel Bercovitch. Com Alice Assef, Alexandre Varella, Louri Santos, Tatsu Carvalho, Tatiana Menezes, Felipe Martins e Henrique neves. Teatro Glaucio Gill. Quinta se sexta, 20h.






terça-feira, 27 de maio de 2014

Dramaturgos Romanos




Lívio Andrônico (Livius Andronicus) (280 a.C à 200 a.C), da cidade 
de Taranto, uma das maiores e mais ricas das antigas colônias 
gregas no sul da Itália. Lívio Andrônico foi trazido a Roma, como 
escravo, para a rica casa dos Lívios. Graças a seu dom da Linguagem, 
o jovem grego logo foi promovido de professor particular a 
conselheiro educacional e cultural. Em 240 a.C., escreveu 
suas primeiras adaptações de peças gregas. Uma tragédia e uma
 comédia foram representadas, nas quais o próprio Lívio Andrônico 
participou como ator, cantor e encenador, na melhor tradição ateniense.

Névio (Gneu Névio) (261 a. C. - 201 a. C), da Campônia, foi o primeiro 
dramaturgo latino e o criador do drama romano. A fabula Praetexta, 
tinha como personagens centrais os "preteres", os mais altos servidores 
da República, e os heróis centrais da história. Cinco anos mais tarde 
apresenta-se pela primeira vez nos Ludi Romani com obras próprias.

Névio alcança sucesso e reconhecimento com a peça "Romulus" que 
retrata a lendária fundação de Roma. No entanto, ao escrever suas 
omédias polêmicas, atacando políticos e nobres de sua época foi preso
e exilado. Morrendo por volta de 201 a.C, em Utica.

Ênio (Quinto Enio de Rudia) (239 a.C à 169 a.C) da Calábria - terceiro 
pioneiro do teatro romano surgiu em 204a.C, então com trinta e 
cinco anos. Obteve fama com sua obra mais importante, Anais, e 
também por suas adaptações de tragédias e comédias gregas para 
o publico romano. Escreveu, segundo o modelo de Eurípedes, 
peças como Aquiles e Alexandre, além de outra sobre o tema das 
Eumênidas.

Ênio escrevia de forma popular, e evitando assuntos controvérsios 
fazia muito sucesso entre o povo e os nóbres. Seus textos eram 
carregados de assuntos leves e didáticos que se encaixavam facilmente 
com a visão de mundo racional dos romanos.

Plauto (Titus Maccius Plautus) (c. 254-184 a.C.), primeiro grande escritor
 romano de peças comicas, nascido em Sarsina, não era um homem 
de muito estudo, mas conta-se que no decorrer de uma juventude 
cheia de aventuras, perambulou pelo país com uma trupe atelana.

As personagens cômicas, identidades trocadas, intriga e 
sentimentalismo burguês alimentam as suas comédias. As canções 
com acompanhamento musical conferem a elas um toque de opereta.

Ao todo, vinte peças completas de Plauto subsistem. Elas refletem não 
apenas o repertório de enredos e personagens da Comédia Nova, 
mas, a mentalidade de seu autor e do público para o qual escrevia. Elas 
também se tornaram a fonte inesgotável da comédie francese.

Terêncio (Publius Terentius Afer) (c. 190-159 a.C.), de Cártago, é 
o segundo grande poeta cômico de Roma. Bárbaro de nascimento, foi 
trazido a Roma como escravo, da mesma forma que Lívio Andrônico.
 Seu senhor reconheceu os talentos do jovem e o emancipou. 
No círculo de Cipião Africano Menor, ele encontrou amistoso 
reconhecimento e apoio.

Suas seis comédias traem já nos títulos aquilo que Terêncio buscava - 
o estudo de caráter. Todas as seis peças de Terêncio pertencem 
ao período entre 166 a.C. Entre suas peças ressalta-se O Formião,
Ecira e Eunucus.

Enquanto Plauto prestava atenção à conversa do povo e se apoiava 
fortemente no contraste entre ricos e pobres para suas situações 
cômicas, Terêncio procurava imitar o discurso cultivado da nobreza 
romana.

As técnicas de Terêncio na escrita cômica, tornaram-se exemplares e foram, 
mais tarde, adotadas por muitos dramaturgos, como: Shakespeare, 
Tirso, Vega, entre outros da comedia européia.


(Plauto)
Blog de Tteatro, Cia. Paulicéia Ddesvairada. 

Odisseia de Homero

A Odisseia narra a história de Ulisses, que depois de passar 10 anos na Guerra de Troia, leva mais 17 anos para voltar para casa, passando por muitas aventuras no caminho.

Odisseu e Penélope
Odisseu e Penélope

Este é, depois da Ilíada, o principal texto que foi reunido sob o nome de Homero na cultura grega. Vem do nome do seu personagem principal, Odisseu – ou, como ficou conhecido pela tradução latina, Ulisses.

Diferentemente do primeiro livro, não narra feitos bélicos nem se restringe a um local isolado, mas trata de viagens e aventuras desse que foi um dos heróis da guerra de Troia.

Após a guerra, inicia-se a volta de Odisseu e seus companheiros para seu reino, em Ítaca. Odisseu é obrigado a ir à guerra de Troia e deixa para trás sua esposa e seu filho de um mês de idade, Telêmaco. A guerra dura 10 anos e seu regresso mais 17. A esposa Penélope, que acreditava na volta do seu rei e marido, estava sendo pressionada por um grupo de pessoas que queria tomar o poder. Esse grupo dizia que Odisseu estava morto e que ela deveria se casar com um dos “pretendentes” ao cargo de rei.

Com tamanha pressão, Telêmaco sai à procura do pai com alguns companheiros e estes vão para Esparta e outras cidades, em busca de notícias que pudessem ajudar a rastrear os passos de Odisseu. Este, por uma série de peripécias, tem seu regresso muitas vezes retardado. Como o livro é demasiado longo, não caberia aqui narrar todas as aventuras. Mas algumas são notáveis e, ainda que sem esmiuçá-las, vale a pena mencioná-las:
  • Odisseu chega à ilha da ninfa Calypso, onde fica preso por muito tempo em razão dos encantos e promessas que uma região cheia de mulheres promove aos marinheiros;
  • O aprisionamento do deus Éolo, deus do vento em um saco, que ulteriormente é aberto e lança a nau para lugares ainda mais distantes;
  • O lugar para onde foi arremessada a nau era a ilha da bruxa Circe, que transformou os marinheiros em porcos;
  • O aprisionamento dos viajantes pelo ciclope Polifemo e sua estratégia para sair da prisão na caverna;
  • O tapar dos ouvidos com cera para não serem atraídos pelos cantos das sereias, devoradoras de homens.
Dentre muitas outras peripécias que foram utilizadas para evidenciar a necessidade de expressão da maior das características de Odisseu: a astúcia.

Enquanto isso, em Ítaca, a rainha Penélope continuava sofrendo forte pressão dos pretendentes, já que Odisseu e seu filho Telêmaco não retornavam. Assim, ela prometeu cozer um tapete: se o rei não retornasse antes do seu acabamento, ela escolheria um pretendente. Mas decerto em razão do convívio com seu marido, o astuto Odisseu, Penélope cosia o tapete durante o dia; e à noite o descosia, para poder ganhar mais tempo, na esperança de que o rei retornasse.

Depois de uma jornada com muitas aventuras e revezes, Odisseu encontra Telêmaco e seu grupo e juntos retornam a Ítaca. Avisado pelo filho sobre os pretendentes, Odisseu encontra a deusa Atena, que lhe diz que se ele retornasse, seria morto pelos pretendentes, que não o reconheceriam. Assim, a deusa o transforma em mendigo, disfarçando-o para que pudesse adentrar ao palácio sem ser visto. Quando deste episódio, a trama de Penélope é descoberta e exige-se que faça a escolha de um pretendente. Ela, novamente astuta, diz que escolherá aquele que conseguir retesar o arco do seu marido – mas ninguém obteve sucesso.

Por fim, chega Odisseu disfarçado e consegue o feito. Ele é logo reconhecido por sua esposa, que o aceita como pretendente, para a revolta dos outros, que promovem uma verdadeira rebelião. Mas, tendo seu arco em mãos, Odisseu consegue reprimir a revolta e retomar o seu lugar de rei depois de longa jornada.

Assim, com o restabelecimento da ordem, desvendamos o significado principal da Odisseia: o ideal de belo e bom guerreiro, antes atribuído a Aquiles, também tem como modelo Odisseu, por sua destreza, astúcia, esperteza, inteligência e habilidade, tanto na guerra quanto no governo, sendo capaz de ordenar. Os mitos homéricos tinham como intenção que esse modelo fosse imitado pelo grego de seu tempo.

Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Roberto Bomtempo – Oficina para Atores

de 11 a 15 de agosto acontecerá a “Oficina para Atores” ministrado pelo diretor Roberto Bomtempo.
Local: Laranjeiras
Horário: das 19h às 23h
Carga horária: 20 horas
Investimento: R$750,00 ou 4x de R$200,00 nos cartões.
À vista, 10% de desconto.

Inscrições abertas!!!
25 VAGAS!!!

CONFIRAM NOSSA PROGRAMAÇÃO DO SEGUNDO SEMESTRE!!!
Artfiore - Curta Nossa Página
https://www.facebook.com/artfioreproducoes?ref=hl

Contato:
21 98105-3982 / 3258-3175 
elenco.isma@gmail.com 


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Cock - briga de galo"

...................................................
Dilemas amorosos no Poeira


Lionel Fischer



"A peça flagra um homem inerte (John), dividido entre ficar com seu parceiro de longa data (M) ou se abrir para uma nova possibilidade, assumindo o amor por uma mulher (W). Vivendo uma relação estável com seu companheiro, ele não apenas encara o dilema de encerrar uma longa história de amor, mas entra em conflito ao se apaixonar por alguém do sexo oposto, enfrentando a oposição do seu parceiro e também de F, pai de M, que não acredita na 'mudança' de opção de John".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Cock - briga de galo", de autoria de Mike Bartlett, em cartaz no Teatro Poeira. Inez Viana assina a direção do espetáculo, estando o elenco formado por Felipe Lima (John), Debora Lamm (W), Márcio Machado (M) e Helio Ribeiro (F).

Em uma época em que, felizmente, as relações amorosas estão sendo cada vez mais redesenhadas, expandindo opções e assim libertando-se gradativamente dos grilhões impostos pela moral e os bons costumes - sendo ambos determinados, naturalmente, pelos detentores do poder, seja qual for a esfera do mesmo -, nada mais salutar do que um texto que proponha uma reflexão sobre um tema tão atual e relevante.

Sendo Mike Bartlett um dos maiores dramaturgos da atualidade, em nada me surpreende que tenha criado um contexto absolutamente propício para debater uma questão tão fundamental. Mas ainda que considerando brilhantes os diálogos e muito consistente a evolução da trama, em última instância me gerou uma certa dúvida o sentido maior da presente obra - se é que o autor pretendeu conferir à mesma tal sentido. Senão, vejamos.

Com relação à inesperada atração de John por uma mulher, isto é perfeitamente cabível e aceitável. Como são cabíveis e aceitáveis todos os conflitos daí decorrentes entre os três personagens principais, por sinal trabalhados de maneira impecável, tanto no que concerne aos momentos mais dramáticos quanto naqueles em que o humor predomina. 

No entanto, a partir de um certo ponto, comecei a me perguntar por que W e M lutam tão desesperadamente por alguém que, além de só exibir dúvidas, não contém nada de particularmente sedutor? Se John, além de bonito (fato que me parece irrelevante), fosse um homem inteligente, sensível, culto, engraçado, um potencial parceiro para uma sólida história de amor, ou ao menos reunisse alguns desses predicados, até entenderia a ferrenha disputa. Mas não me parece ser o este o caso.

E, finalmente: quando o longo impasse parece ter chegado a um desfecho satisfatório para as partes envolvidas, nos deparamos com M implorando a John que o auxilie em uma tarefa prosaica, recebendo em troca apenas um silêncio inicial e em seguida um grito de negação. Diante de tal quadro, o que estaria insinuando o autor? Que M e John jamais chegarão a se entender, sendo como são? Ou que, em uma instância mais ampla, as relações homossexuais estariam fadadas ao fracasso, independentemente das personalidades envolvidas? 

Como esta segunda hipótese me soa insuportavelmente preconceituosa, sou levado a crer que a primeira possa ser a verdadeira. E aí retorno ao já dito: a que atribuir tamanho interesse por um ser que, em meu entendimento, carece de predicados capazes de gerar tão arrebatada disputa por seu amor?

Com relação ao espetáculo, Inez Viana impõe à cena uma dinâmica criativa e eletrizante, lançando mão de marcações que traduzem, de forma precisa e sensível, os principais conteúdos em jogo. E cabe também salientar sua ótima atuação junto ao elenco.

Na pele de John, Felipe Lima extrai todo o potencial do personagem, ainda que o mesmo seja um tanto ingrato, pois termina a peça do mesmo modo que a iniciou - sempre indeciso, sempre imerso nas mesmas dúvidas. Vivendo M, Márcio Machado é uma fortíssima presença cênica, trabalhando com a mesma eficiência a agressividade, a histeria e a fragilidade do maravilhoso personagem que lhe coube. Sem dúvida, um dos desempenhos mais marcantes da atual temporada.

O mesmo se aplica a Debora Lamm, naquela que considero sua melhor atuação até hoje. Com natural vocação para a comédia, aqui Debora não deixa de estar engraçada, mas ao mesmo tempo consegue explorar de forma comovente as características mais dramáticas da personagem. Vivendo F, Helio Ribeiro valoriza ao máximo sua breve participação, materializando na cena um pai compreensivo e parceiro, mas também capaz de contundentes ironias e possuidor de um cinismo um tanto deplorável.

Na equipe técnica, é de excelente nível a tradução de Eduardo Muniz e Ricardo Ventura, a mesma excelência presente nos figurinos de Julia Marini, na luz de Renato Machado, na trilha sonora de João Callado e na direção de movimento de Dani Amorim. Quanto à identidade visual a cargo de Gabriel Medeiros, não tenho como avaliá-la, pois não sei o que vem a ser isto.

COCK - BRIGA DE GALO - Texto de Mike Bartlett. Direção de Inez Viana. Com Felipe Lima, Debora Lamm, Márcio Machado e Helio Ribeiro. Teatro Poeira. Terça a quinta, 21h.

  




quarta-feira, 21 de maio de 2014

FÓRUM DE
PSICANÁLISE
E CINEMA / 2014
Últimas sextas-feiras do mês / filme às 18 h; debate às 20 h.
SALA VERA JANACOPOLUS / REITORIA DA UNIRIO
AVENIDA PASTEUR, 296 – URCA.
ENTRADA FRANCA
FILME:  PEQUENA MISS SUNSHINE, 2006, 101 min.
DIA: 30 /05 / 2014
DIREÇÃO: JONATHAN DAYTON & VALERIE FARIS / Debatedor: Dr. NEILTON SILVA 
ELENCO: Greg Kinnear; Alan Arkin; Abigail Breslin  e Toni Collette.  
SINOPSE: Uma família desajustada viaja em uma Kombi, amarela e enferrujada, do Novo México à Califórnia, para que Olive, de 7 anos, participe de uma concurso de beleza de pré-adolescentes, em uma jornada enriquecedora  de três dias.
FILMES ANALISADOS PELOS PSICANALISTAS:
Neilton Silva (ndsilva@ism.com.br ) eWaldemar Zusman (zusman@terra.com.br)
e pela museóloga e professora da UNIRIO:  Ana Lúcia de Castro (anadecastro@terra.com.br).
 HORÁRIO: FILME: 18h; ANÁLISE E DEBATE: 20h às 22h.
LOCAL: SALA VERA JANACÓPULOS – UNIRIO
ENDEREÇO: AV. PASTEUR, 296.
ENTRADA FRANCA

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Teatro/CRÍTICA

"O ATO - variações freudianas 2"


...........................................................
Pertinente e divertida montagem 



Lionel Fischer



"Em um auditório de TV, a apresentadora Miranda de Souza recebe o psicanalista Davi Wunschmann para falarem sobre os atos humanos a partir da exibição, em vídeos, de várias histórias em minisséries, reportagens e depoimentos. O espetáculo contém trechos importantes da vida de Freud apresentados como uma peça dentro da peça. Com a ajuda de uma nova e inédita tecnologia - o software 'Freud is alive' - vemos o próprio criador da psicanálise dialogar com a apresentadora e com o psicanalista".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima explicita o contexto em que se dá "O ATO - variações freudianas 2", segundo espetáculo da Cia. Inconsciente em Cena, que fez sua estreia com "O SINTOMA", em 2007.

Em cartaz no Galpão das Artes - Espaço Tom Jobim, o texto e a concepção do espetáculo levam a assinatura de Antonio Quinet, sendo Walter Daguerre o responsável pela direção. No elenco, Aline Deluna, Samir Murad e Antonio Quinet, com os atores que se seguem atuando nos vídeos - Angela Rabello, Julia Bernat, Juliana Terra, Monica Daguerre, Pamela Coto, Raul Serrador, Samantha Gilbert e novamente Samir Murad.

Hoje em dia, como sabemos, graças a renovadas e não raro (em minha opinião) aterradoras tecnologias, não importa tanto o que você é, mas o que simula ser. Quase todos se deliciam com a virtualidade e com a possibilidade de anonimato a ela inerente, desprezando por completo o essencial: ser o sujeito de seus próprios atos e assumir as consequências (boas ou más) dos mesmos. 

Esta questão - ser o sujeito dos próprios atos - me parece ser o tema central da obra. E como a mesma está estruturada mesclando considerações acadêmicas com intervenções prosaicas e algo ensandecidas da apresentadora, que não hesita em interromper o psicanalista quando não entende o que ele diz ou dele discorda, o resultado acaba sendo delicioso, posto que o humor não minimiza as sérias considerações feitas, mas, por contraste, as valoriza. E quanto ao software 'Freud is alive', trata-se de uma ideia maravilhosa, explorada com extrema propriedade no espetáculo.

Contendo bons personagens (aí incluindo-se os dos vídeos), exibindo seriedade e humor em doses equivalentes, o curioso e pertinente texto de Antonio Quinet recebeu ótima versão cênica de Walter Daguerre, também responsável pela direção dos vídeos. E a Daguerre também deve ser creditado o mérito suplementar de haver extraído seguras interpretações de todo o elenco, incluindo os que não estão em cena.

Na pele de Miranda de Souza, Aline Deluna exibe forte presença cênica e delicioso humor, cabendo destacar sua bela voz (e a forma como a utiliza) e a precisão de seu universo gestual. Como de hábito, Samir Murad nos contempla com uma atuação segura e convincente, também evidenciando grande domínio vocal e corporal. Quanto a Antonio Quinet, que não é exatamente um ator (mas está ator), ainda assim o conceituado psicanalista se sai muito bem no personagem que interpreta, sobretudo nas passagens em que é interrompido pela apresentadora, impondo à sua perplexidade um humor nada desprezível.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta curiosa e oportuna empreitada teatral - José Eduardo Costa (composição e direção musical), Aurora dos Campos (cenografia), Daniela Sanches (iluminação) Beto Abreu (direção de arte), Isabella Massi (figurinos) e Rose Gonçalves (preparação vocal).

O ATO - VARIAÇÕES FREUDIANAS 2 - Texto e concepção de Antonio Quinet. Direção de Walter Daguerre. Com Aline Deluna, Antonio Quinet e Samir Murad. Galpão das Artes - Espaço Tom Jobim. Sábado às 21h, domingo às 20h.




quinta-feira, 15 de maio de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Contrações"

.......................................................
Inesquecível encontro no CCBB



Lionel Fischer



"A ação se passa em um único espaço: o escritório de uma grande corporação. A gerente convoca e solicita a Emma, sua funcionária, que leia em voz alta uma cláusula do contrato que proíbe aos funcionários qualquer relação sentimental ou sexual com outro empregado da empresa. Nos encontros seguintes, a gerente, amparada pelo poder que tem, libera suas diferentes facetas para manipular Emma. Para manter seu emprego, a funcionária acaba por se render e danificar sua vida privada".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo e o contexto em que se dá "Contrações", do dramaturgo inglês Mike Bartlett. Após cumprir excelente temporada em São Paulo, a montagem acaba de estrear no Teatro III do CCBB. Mais recente produção do Grupo 3 de Teatro, o espetáculo leva a assinatura de Grace Passô, estando o elenco formado por Débora Falabella (Emma) e Yara de Novaes (Gerente).

Salvo monumental engano de minha parte, creio que Franz Kafka assinaria o presente texto sem nenhuma hesitação. Sim, pois alguns de seus temas prediletos (o poder massacrante da burocracia, a alienação do indivíduo frente a um mundo cuja lógica soa incompreensível e o progressivo sentimento de solidão) são aqui trabalhados de forma magistral. 

E da mesma forma que Kafka, Mike Bartlett consegue o prodígio de mergulhar em um universo trágico sem abdicar do humor - quem não percebeu o humor que existe em Kafka, deve urgentemente reler sua obra, mas atentando para o fato de que seu humor nada tem a ver com gracinhas inconsequentes, mas destina-se a golpear ferozmente nossas entranhas.

Em "Contrações", Emma pode ser encarada como uma pessoa qualquer, o mesmo aplicando-se à gerente - a primeira seria apenas uma funcionária bem intencionada, e a segunda, uma profissional fria e manipuladora. No entanto, prefiro encará-las como símbolos de um tempo em que o indivíduo vai sendo progressiva e irremediavelmente destruído pelo sistema, mesmo que a ele tente adequar-se desesperadamente. 

E é exatamente o que faz Emma: ainda que estranhando as solicitações da gerente, mesmo que questionado-as eventualmente, acaba atendendo a todas elas e portanto termina aniquilada. Já a gerente chega ao fim da trama exatamente como no começo: imune à tragédia que impusera e absolutamente certa de que fizera o que deveria ser feito. O desespero e a aniquilação de Emma não a comovem. O sistema não conhece piedade, compaixão, e muito menos lágrimas. O sistema não chora: faz chorar.

Com relação ao espetáculo, Grace Passô impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcas imprevistas e criativas, criando uma atmosfera de permanente estranhamento, trabalhando magistralmente os tempos rítmicos, a encenadora possui o mérito suplementar de ter contribuído para que as duas atrizes exibissem desempenhos simplesmente inesquecíveis.

Neste quesito, poderia me restringir a enumerar os vastíssimos recursos expressivos de Débora Falabella e Yara de Novaes - vozes maravilhosas, a expressividade que impõem aos gestos, capacidade de entrega, inteligência cênica, poderosa contracena e assim por diante. No entanto, diante do assombro que me causaram, ouso supor que exista algo de intangível em suas performances, que transcende, como já dito, meras considerações técnicas. Mas, o que seria? Sinceramente, não sei.

Mas acredito que, em dadas circunstâncias, os sempre caprichosos deuses do teatro resolvem abençoar de forma incondicional um determinado projeto. E ao fazê-lo, possibilitam que se materialize na cena a melhor definição de teatro que conheço, proferida por Peter Brook, o maior encenador vivo: "O teatro é a arte do encontro". Ou seja: se não se estabelece algo de muito profundo entre quem faz e quem assiste, o fenômeno teatral inexiste. 

No presente caso, considero-me um privilegiado por ter estado ontem no CCBB e assim agradeço a todos que integram este precioso projeto a maravilhosa e inesquecível noite que me proporcionaram - e certamente a todos que lá estiveram.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Silvia Gomez (tradução), André Cortez (cenografia e figurinos), Alessandra Domingues (iluminação), Morris Picciotto (trilha sonora), Anna Van Steen (caracterização) e Kênia Dias, esta última responsável pela notável preparação corporal das atrizes.

CONTRAÇÕES - Texto de Mike Bartlett. Direção de Grace Passô. Com Débora Falabella e Yara de Novaes. Teatro III do CCBB. Quarta a domingo, 19h30.









terça-feira, 13 de maio de 2014

GÊNIO E GÊNIOS – UM ESTUDO MAGISTRAL DE HAROLD BLOOM

O gênio Harold Bloom, professor universitário, teórico e crítico literário (New York, 1930.) 

I - A OBRA

Um livro decididamente de peso nos dois sentidos é Gênioos 100 autores mais criativos da História da Literatura, de Harold Bloom, publicado em 2002, pela Objetiva. Em mais de 800 páginas o autor enumera, segundo ele, os mais importantes escritores e poetas da Literatura Universal. Seria difícil tentar transcrever apenas alguns nomes, porque realmente todos são bem conhecidos e merecidamente famosos. A única solução é listá-los todos por blocos de Lustros, como fez o autor.
(Observação, aqui, como explica Bloom, Lustro não significa apenas espaço de cinco anos. Como na obra cada conjunto de dez se encontra regido por um sefirah, o Lustro, ou seja, a metade desse espaço, também está regido por esse mesmo sefirah). Portanto, são dez os sefirah, mas vinte os Lustros. Para cada dois Lustros de um mesmo conjunto de dez há um mesmo safirah.

Um sefirah faz parte do conjunto dos sefirot. Estes, por sua vez, segundo Bloom “constituem o centro da Cabala, pois pretendem representar a interioridade de Deus, os segredos do caráter e da personalidade divina. São atributos do gênio de Deus, em todos os sentidos em que o termo “gênio” é empregado neste livro”.

O livro é todo ele cabalístico. Assim, o próprio autor define Lustro, que na Cabala possui um sentido especial: “Lustros, nesse sentido, refere-se ao brilho decorrente da luz refletida, o lustre, o esplendor de um gênio refletido em outro... (p. 19).

Aqui seguem os 20 Lustros com seus correspondentes sefirah e os literatos neles incluídos (cinco por Lustro):

Lustro I: Keter - Shakespeare, Cervantes, Montaigne, Milton, Tolstói.
Lustro II: idem - Lucrécio, Virgílio, Santo Agostinho, Dante, Chaucer.
Lustro III: Hokmah - O Javista, Sócrates, Platão, São Paulo, Maomé.
Lustro IV: idem - Samuel Johnson, James Boswell, Goethe, Freud, Thomas Mann.
Lustro V: Binah -Nierzsche, Kierkegaard, Kafka, Proust, Samuel Beckett.
Lustro VI: idem - Molière, Ibsen, Tchekhov, Oscar Wilde, Pirandello.
Lustro VII: Hesed - John Donne, Pope, Jonathan Swift, Jane Austen, Lady Murasaki.
Lustro VIII: idem - Nathaniel Hawthorne, Melville, Charlotte Brame, Emily Jane Brame, Virginia Wolf.
Lustro IX: Din - Emerson, Emily Dickinson, Robert Frast, Wallace Stevens, T. S. Eliot.
Lustro X: idem - Wordsworth, Shelley, Keats, Leopardi, Tennyson.
Lustro XI: Tiferet - Swinburne, Gabriel Rossetti, Christina Rossetti, Walter Pater, Hofmannsthal.
Lustro XII: idem - Victor Hugo, Gérard de Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Paul Valéry.
Lustro XIII: Nezat - Homero, Camões, James Joyce, Carpentier, Octavio Paz.
Lustro XIV: idem - Stendhal, Mark Twain, Faulkner, Hemingway, Flannery O'Connor.
Lustro XV: Hod - Walt Whitman, Fernando Pessoa, Hart Crane, García Lorca, Luis Cernuda.
Lustro XVI: idem - Eliot, Willa Cather, Edith Wharton, F. Scott Fitzgerald, Iris Murdoch.
Lustro XVII: Yesod - Flaubert, Eça de Queirós, Machado de Assis, Borges, Italo Calvino.
Lustro XVIII: idem - William Blake, D. H. Lawrence, Tennessee Williams, Rilke, Eugenio Montale.
Lustro XIX: Malkhut - Balzac, Lewis Carroll, Henry James, Robert Browl, Yeats.
Lustro XX: idem - Dickens, Dostoievski, Isaac Babei, Paul Celan; Ellison.

II - COMENTÁRIOS:

1. Há listas e listas

Poder-se-ia perguntar por que esses e não outros os literatos listados? Porém, temos de reconhecer que nenhuma lista com o número que fosse de autores iria contentar a todos. Esta parece incluir uma boa e criteriosa seleção, própria do nome do livro e do próprio autor, que é também um gênio. Saudado pelos grandes periódicos, Harold Bloom é: “Um gigante entre os críticos... Seu entusiasmo pela literatura é contagiante” (New York Times Sunday Magazine); “Um mestre do entretenimento” (Newsweek); “Bloom é simplesmente um sacerdote da grandeza humana” (The Iris Time).

Felizmente, nesta seleção de autores, a Literatura Brasileira conta com um representante, e, merecidamente, ele é Machado de Assis. Não poderia aí estar também um poeta, como, por exemplo, Carlos Drummond de Andrade? A nossa coirmã Literatura Portuguesa foi um pouco mais bem aquinhoada (3 nomes): Camões, Fernando Pessoa, Eça de Queirós. E por onde andará Padre Vieira, que não aparece nem na Portuguesa, nem na Brasileira?

2. O grupo do nosso representante

Já que contamos com Machado de Assis incluído no Lustro XVII, regido pelo sefirah Yesod, vamos nos fixar neste grupo e especialmente no autor brasileiro. O nosso representante está ao lado do francês Flaubert, do português Eça de Queirós, do argentino descendente de portugueses e ingleses Borges, e do cubano-italiano Italo Calvino.

Os três primeiros são fundamentalmente romancistas e contistas; o quarto, é mais especificamente contista e filósofo; e o último, além de ficcionista, também é filósofo e crítico literário.

Por estilo de época, Flaubert foi o único verdadeiramente representante do Realismo. Eça de Queiros, embora também realista, é bastante influenciado inicialmente pelo Romantismo e depois pelo Impressionismo. Machado de Assis é um escritor que, embora classificado de realista, pouco tem desse movimento e está acima de qualquer classificação literária. Por isso, tem sido considerado um verdadeiro precursor de determinado tipo de Modernismo e mesmo de Pós-Modernismo, aqueles da introspecção, do psicologismo, do Existencialismo e, portanto, anunciador e muito próximo de autores muito recentes, como o português Virgílio Ferreira e a brasileira Clarice Lispector. Borges, por outro lado, pertence ao que se convencionou chamar de Realismo Mágico, Realismo Fantástico, ou, ainda, Realismo Maravilhoso, frequente em grande parte da literatura hispano-americana do séc. XX. Finalmente, temos Italo Calvino, fiel discípulo de Borges e de suas idéias, e também ele um seguidor do Realismo Fantástico e que segue rumo a uma literatura do absurdo.

3. O nosso representante Machado de Assis

Machado de Assis, como os outros do Lustro XVII, está sob o signo de Yesod, o safirah que, em tradução livre, segundo o autor, significa “fundação” e encerra dois significados afins: “o impulso sexual masculino e o mistério do equilíbrio entre o feminino e o masculino, nos processos naturais”. É também “a base da vida apaixonada”. 

De modo geral, neste Lustro XVII estão autores marcados pela ironia. Na outra metade, que corresponde ao Lustro XVIII, encontram-se autores que Bloom chama de visionários (William Blake, D. H. Lawrence, Tennessee Williams, Rilke e Eugenio Montale). Estes, porém, não serão tratados aqui.

Da obra de Machado de Assis, depois de transcrever textos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, disse Bloom: “O verdadeiro tema de Machado de Assis é a nossa mortalidade, o que não constitui assunto para descaso e gracejo; no caso de Memórias Póstumas de Brás Cubas, o tema enseja uma perspectiva, ao mesmo tempo, distanciada e hilária”.

Sobre o escritor Machado de Assis, assim se referiu o crítico Bloom: “O gênio da ironia propiciou-nos poucos exemplos à altura do escritor afro-brasileiro Machado de Assis, a meu ver o maior literato negro surgido até o presente”. E para concluir o seu parecer, brinca, como brincaria o próprio autor de Memórias Póstumas: “Machado de Assis teria desprezado a minha observação, como mais uma piada digna de Tristram Shandy”.
Tristram Shandy é a personagem principal da obra homônima, de autoria do irlandês Laurence Sterne (1713-1768). Uma das características da personagem Shandy e da própria obra é a transcrição de documentos. Com isso, busca que o seu texto se pareça mais verdadeiro do que ficcional. Essa técnica mais tarde foi bastante empregada na ficção. Esse forma de indicação de fontes às vezes é feita de modo sério e outras vezes como se fosse uma brincadeira.

Sterne, citado por Machado de Assis, emprega uma linguagem constantemente carregada de ironia. Influenciado pelo modo de narrar do escritor irlandês e de um outro, o autor sardo de Viagem à Roda do meu Quarto, Machado de Assis os cita no início de Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio”.
Paulo Sérgio Rouanet no estudo “Tempo e Espaço na Forma Shandiana: Sterne e Machado de Assis”, sobre “forma shandiana”, afirma: “Ela designa uma atitude entre libertina e sentimental, um sensualismo risonho, um humor afável e tolerante, capaz de perdoar transgressões próprias e alheias, mas também de zombar, sem excessiva malícia, dos grandes e pequenos ridículos do mundo”. Continua Rouanet: “É uma forma caracterizada 1. pela presença constante e caprichosa do narrador, ilustrada enfaticamente pelo pronome de primeira pessoa: "Eu, Brás Cubas ; 2. por uma técnica de composição difusa e livre, isto é, digressiva, fragmentária, não-discursiva; 3. pela interpenetração do riso e da melancolia; e 4. pela subjetivação radical do tempo (os paradoxos da cronologia) e do espaço (as viagens)”.

Foi assim que Machado de Assis no prólogo da 3.ª edição deMemórias Póstumas de Brás Cubas, acrescentou mais um “viajante”, o português Almeida Garrett, de Viagens na Minha Terra. Diz Machado que todos esses realizavam determinado tipo de viagem: “Xavier de Maistre à roda do quarto, Garrett na terra dele, Sterne na terra dos outros. De Brás Cubas se pode dizer que viajou à roda da vida”. 

No fragmento, percebe-se a profundeza do velho Machado: o que pode ser mais profundo, difícil e irônico do que “viajar ao redor da vida”. Parafraseando Drummond - Entanto, viajamos “mal rompe a manhã”.

4. Final

Assim são os gênios. Assim é o gênio Machado de Assis. Em todos eles está representada “a interioridade de Deus”, e, portanto, em todos eles se encontra “o espírito de Deus”. E, por fim, deve-se lembrar de que "a arte aproxima o homem do seu Criador” (frase atribuída a vários pensadores do Renascimento e retomada recentemente pelo papa João Paulo II, na Carta aos Artistas): “A música, como todas as linguagens artísticas, aproxima o homem de Deus”.

6 co

Aristóteles


A Vida e as Obras


Este grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu, em 384 a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na academia platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte do Mestre. Nesse período estudou também os filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção do seu grande sistema.
Em 343 foi convidado pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe Alexandre, então jovem de treze anos. Aí ficou três anos, até à famosa expedição asiática, conseguindo um êxito na sua missão educativo-política, que Platão não conseguiu, por certo, em Siracusa. De volta a Atenas, em 335, treze anos depois da morte de Platão, Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também chamada peripatética devido ao costume de dar lições, em amena palestra, passeando nos umbrosos caminhos do ginásio de Apolo. Esta escola seria a grande rival e a verdadeira herdeira da velha e gloriosa academia platônica.

Morto Alexandre em 323, desfez-se politicamente o seu grande império e despertaram-se em Atenas os desejos de independência, estourando uma reação nacional, chefiada por Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de ateísmo. Previu ele a condenação, retirando-se voluntariamente para Eubéia, onde faleceu, após enfermidade, no ano seguinte, no verão de 322. Tinha pouco mais de 60 anos de idade.

A respeito do caráter de Aristóteles, inteiramente recolhido na elaboração crítica do seu sistema filosófico, sem se deixar distrair por motivos práticos ou sentimentais, temos naturalmente muito menos a revelar do que em torno do caráter de Platão, em que, ao contrário, os motivos políticos, éticos, estéticos e místicos tiveram grande influência.

Do diferente caráter dos dois filósofos, dependem também as vicissitudes exteriores das duas vidas, mais uniforme e linear a de Aristóteles, variada e romanesca a de Platão. Aristóteles foi essencialmente um homem de cultura, de estudo, de pesquisas, de pensamento, que se foi isolando da vida prática, social e política, para se dedicar à investigação científica. A atividade literária de Aristóteles foi vasta e intensa, como a sua cultura e seu gênio universal.

"Assimilou Aristóteles", escreve magistralmente Leonel Franca, "todos os conhecimentos anteriores e acrescentou-lhes o trabalho próprio, fruto de muita observação e de profundas meditações. Escreveu sobre todas as ciências, constituindo algumas desde os primeiros fundamentos, organizando outras em corpo coerente de doutrinas e sobre todas espalhando as luzes de sua admirável inteligência. Não lhe faltou nenhum dos dotes e requisitos que constituem o verdadeiro filósofo: profundidade e firmeza de inteligência, agudeza de penetração, vigor de raciocínio, poder admirável de síntese, faculdade de criação e invenção aliados a uma vasta erudição histórica e universalidade de conhecimentos científicos. O grande estagirita explorou o mundo do pensamento em todas as suas direções. Pelo elenco dos principais escritos que dele ainda nos restam, poder-se-á avaliar a sua prodigiosa atividade literária".

A primeira edição completa das obras de Aristóteles é a de Andronico de Rodes pela metade do último século a.C. substancialmente autêntica, salvo uns apócrifos e umas interpolações. Aqui classificamos as obras doutrinais de Aristóteles do modo seguinte, tendo presente a edição de Andronico de Rodes.
I. Escritos lógicos: cujo conjunto foi denominado Órganon mais tarde, não por Aristóteles. O nome, entretanto, corresponde muito bem à intenção do autor, que considerava a lógica instrumento da ciência.
II. Escritos sobre a física: abrangendo a hodierna cosmologia e a antropologia, e pertencentes à filosofia teorética, juntamente com a metafísica.
III. Escritos metafísicos: a Metafísica famosa, em catorze livros. É uma compilação feita depois da morte de Aristóteles mediante seus apontamentos manuscritos, referentes à metafísica geral e à teologia. O nome de metafísica é devido ao lugar que ela ocupa na coleção de Andrônico, que a colocou depois da física.
IV. Escritos morais e políticos: a Ética a Nicômaco, em dez livros, provavelmente publicada por Nicômaco, seu filho, ao qual é dedicada; a Ética a Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles, devido a Eudemo; a Grande Ética, compêndio das duas precedentes, em especial da segunda; a Política, em oito livros, incompleta.
V. Escritos retóricos e poéticos: a Retórica, em três livros; a Poética, em dois livros, que, no seu estado atual, é apenas uma parte da obra de Aristóteles. As obras de Aristóteles, as doutrinas que nos restam, manifestam um grande rigor científico, sem enfeites míticos ou poéticos, exposição e expressão breve e aguda, clara e ordenada, perfeição maravilhosa da terminologia filosófica, de que foi ele o criador.


O Pensamento: A Gnosiologia


Segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmente teorética: deve decifrar o enigma do universo, em face do qual a atitude inicial do espírito é o assombro do mistério. O seu problema fundamental é o problema do ser, não o problema da vida. O objeto próprio da filosofia, em que está a solução do seu problema, são as essências imutáveis e a razão última das coisas, isto é, o universal e o necessário, as formas e suas relações.

Entretanto, as formas são imanentes na experiência, nos indivíduos, de que constituem a essência. A filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão mas parte da experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante o intelecto da experiência. A filosofia, pois, segundo Aristóteles, dividir-se-ia em teoréticaprática e poética, abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional.

A teorética, por sua vez, divide-se em físicamatemática e filosofia primeira (metafísica e teologia); a filosofia prática divide-se em ética política; a poética em estética e técnica. Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base socrático-platônica; é denominada por ele analítica e representa a metodologia científica.

Trata Aristóteles os problemas lógicos e gnosiológicos no conjunto daqueles escritos que tomaram mais tarde o nome de Órganon. Limitar-nos-emos mais especialmente aos problemas gerais da lógica de Aristóteles, porque aí está a sua gnosiologia.

Foi dito que, em geral, a ciência, a filosofia - conforme Aristóteles, bem como segundo Platão - tem como objeto o universal e o necessário; pois não pode haver ciência em torno do individual e do contingente, conhecidos sensivelmente. Sob o ponto de vista metafísico, o objeto da ciência aristotélica é a forma, como ideia era o objeto da ciência platônica. A ciência platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente dela.

No sentido estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo universal, explicação do condicionado mediante a condição, porquanto o primeiro elemento depende do segundo. Também aqui se segue a ordem da realidade, onde o fenômeno particular depende da lei universal e o efeito da causa. Objeto essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo de derivação ideal, que corresponde a uma derivação real. A lógica aristotélica, portanto, bem como a platônica, é essencialmente dedutiva, demonstrativa, apodíctica. O seu processo característico, clássico, é o silogismo.

Os elementos primeiros, os princípios supremos, as verdades evidentes, consoante Platão, são fruto de uma visão imediata, intuição intelectual, em relação com a sua doutrina do contato imediato da alma com as idéias - reminiscência. Segundo Aristóteles, entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de inatismo, também os elementos primeiros do conhecimento - conceito e juízos - devem ser, de um modo e de outro, tirados da experiência, da representação sensível, cuja verdade imediata ele defende, porquanto os sentidos por si nunca nos enganam.

O erro começa de uma falsa elaboração dos dados dos sentidos: a sensação, como o conceito, é sempre verdadeira. Por certo, metafisicamente, ontologicamente, o universal, o necessário, o inteligível, é anterior ao particular, ao contnigente, ao sensível: mas, gnosiologicamente, psicologicamente existe primeiro o particular, o contingente, o sensível, que constituem precisamente o objeto próprio do nosso conhecimento sensível, que é o nosso primeiro conhecimento.

Assim sendo, compreende-se que Aristóteles, ao lado e em conseqüência da doutrina de dedução, seja constrangido a elaborar, na lógica, uma doutrina da indução. Por certo, ela não está efetivamente acabada, mas pode-se integrar logicamente segundo o espírito profundo da sua filosofia. Quanto aos elementos primeiros do conhecimento racional, a saber, os conceitos, a coisa parece simples: a indução nada mais é que a abstração do conceito, do inteligível, da representação sensível, isto é, a "desindividualização" do universal do particular, em que o universal é imanente. A formação do conceito é, a posteriori, tirada da experiência.

Quanto ao juízo, entretanto, em que unicamente temos ou não temos a verdade, e que é o elemento constitutivo da ciência, a coisa parece mais complicada. Como é que se formam os princípios da demonstração, os juízos imediatamente evidentes, donde temos a ciência? Aristóteles reconhece que é impossível uma indução completa, isto é, uma resenha de todos os casos dos fenômenos particulares para poder tirar com certeza absoluta leis universais abrangendo todas as essências. Então só resta possível uma indução incompleta, mas certíssima, no sentido de que os elementos do juízo e os conceitos são tirados da experiência, a posteriori, seu nexo, porém, é a priori, analítico, colhido imediatamente pelo intelecto humano mediante a sua evidência, necessidade objetiva.


Filosofia de Aristóteles


Partindo como Platão do mesmo problema acerca do valor objetivo dos conceitos, mas abandonando a solução do mestre, Aristóteles constrói um sistema inteiramente original. Os caracteres desta grande síntese são:

1. Observação fiel da natureza - Platão, idealista, rejeitara a experiência como fonte de conhecimento certo. Aristóteles, mais positivo, toma sempre o fato como ponto de partida de suas teorias, buscando na realidade um apoio sólido às suas mais elevadas especulações metafísicas.

2. Rigor no método - Depois de estudar as leis do pensamento, o processo dedutivo e indutivo aplica-os, com rara habilidade, em todas as suas obras, substituindo a linguagem imaginosa e figurada de Platão, em estilo lapidar e conciso e criando uma terminologia filosófica de precisão admirável. Pode considerar-se como o autor da metodologia e tecnologia científicas. Geralmente, no estudo de uma questão, Aristóteles procede por partes: a) começa a definir-lhe o objeto; b) passa a enumerar-lhes as soluções históricasc) propõe depois as dúvidas; d) indica, em seguida, a própria solução;e) refuta, por último, as sentenças contrárias.

3. Unidade do conjunto - Sua vasta obra filosófica constitui um verdadeiro sistema, uma verdadeira síntese. Todas as partes se compõem, se correspondem, se confirmam.


A Teologia


Objeto próprio da teologia é o primeiro motor imóvel, ato puro, o pensamento do pensamento, isto é, Deus, a quem Aristóteles chega através de uma sólida demonstração, baseada sobre a imediata experiência, indiscutível, realidade do vir-a-ser, da passagem da potência ao ato. Este vir-a-ser, passagem da potência ao ato, requer finalmente um não-vir-a-ser, motor imóvel, um motor já em ato, um ato puro enfim, pois, de outra forma teria que ser movido por sua vez.

A necessidade deste primeiro motor imóvel não é absolutamente excluída pela eternidade do vir-a-ser, do movimento, do mundo. Com efeito, mesmo admitindo que o mundo seja eterno, isto é, que não tem princípio e fim no tempo, enquanto é vir-a-ser, passagem da potência ao ato, fica eternamente inexplicável, contraditório, sem um primeiro motor imóvel, origem extra-temporal, causa absoluta, razão metafísica de todo devir. Deus, o real puro, é aquilo que move sem ser movido; a matéria, o possível puro, é aquilo que é movido, sem se mover a si mesmo.

Da análise do conceito de Deus, concebido como primeiro motor imóvel, conquistado através do precedente raciocínio, Aristóteles pode deduzir logicamente a natureza essencial de Deus, concebido, antes de tudo, como ato puro, e, consequentemente, como pensamento de si mesmo. Deus é unicamente pensamento, atividade teorética, no dizer de Aristóteles, enquanto qualquer outra atividade teria fim extrínseco, incompatível com o ser perfeito, auto-suficiente. Se o agir, o querer têm objeto diverso do sujeito agente e "querente", Deus não pode agir e querer, mas unicamente conhecer e pensar, conhecer a si próprio e pensar em si mesmo. Deus é, portanto, pensamento de pensamento, pensamento de si, que é pensamento puro. E nesta autocontemplação imutável e ativa, está a beatitude divina.

Se Deus é mera atividade teorética, tendo como objeto unicamente a própria perfeição, não conhece o mundo imperfeito, e menos ainda opera sobre ele. Deus não atua sobre o mundo, voltando-se para ele, com o pensamento e a vontade; mas unicamente como o fim último, atraente, isto é, como causa final, e, por conseqüência, e só assim, como causa eficiente e formal (exemplar). De Deus depende a ordem, a vida, a racionalidade do mundo; ele, porém, não é criador, nem providência do mundo. Em Aristóteles o pensamento grego conquista logicamente a transcendência de Deus; mas, ao mesmo tempo, permanece o dualismo, que vem anular aquele mesmo Absoluto a que logicamente chegara, para dar uma explicação filosófica da relatividade do mundo pondo ao seu lado esta realidade independente dele.


A Moral


Aristóteles trata da moral em três Éticas, de que se falou quando das obras dele. Consoante sua doutrina metafísica fundamental, todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à atualização plena da sua forma: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e, por conseqüência, a sua lei. Visto ser a razão a essência característica do homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e senso disto consciente. E assim consegue ele a felicidade e a virtude, isto é, consegue a felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma atividade conforme à razão, isto é, uma atividade que pressupõe o conhecimento racional.

Logo, o fim do homem é a felicidade, a que é necessária à virtude, e a esta é necessária a razão. A característica fundamental da moral aristotélica é, portanto, o racionalismo, visto ser a virtude ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico, da natureza e do universo, natureza segundo a qual e na qual o homem deve operar.

As virtudes éticas, morais, não são mera atividade racional, como as virtudes intelectuais, teoréticas; mas implicam, por natureza, um elemento sentimental, afetivo, passional, que deve ser governado pela razão, e não pode, todavia, ser completamente resolvido na razão. A razão aristotélica governa, domina as paixões, não as aniquila e destrói, como queria o ascetismo platônico. A virtude ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão; não é unicamente ciência, mas uma ação com ciência.

Uma doutrina aristotélica a respeito da virtude, doutrina que teve muita doutrina prática, popular, embora se apresente especulativamente assaz discutível, é aquela pela qual a virtude é precisamente concebida como um justo meio entre dois extremos, isto é, entre duas paixões opostas: porquanto o sentido poderia esmagar a razão ou não lhe dar forças suficientes. Naturalmente, este justo meio, na ação de um homem, não é abstrato, igual para todos e sempre; mas concreto, relativo a cada qual, e variável conforme as circunstâncias, as diversas paixões predominantes dos vários indivíduos.

Pelo que diz respeito à virtude, tem, ao contrário, certamente, maior valor uma outra doutrina aristotélica: precisamente a da virtude concebida como hábito racional. Se a virtude é, fundamentalmente, uma atividade segundo a razão, mais precisamente é ela um hábito segundo a razão, um costume moral, uma disposição constante, reta, da vontade, isto é, a virtude não é inata, como não é inata a ciência; mas adquiri-se mediante a ação, a prática, o exercício e, uma vez adquirida, estabiliza-se, mecaniza-se; torna-se quase uma segunda natureza e, logo, torna-se de fácil execução - como o vício.

Como já foi mencionado, Aristóteles distingue duas categorias fundamentais de virtudes: as éticas, que constituem propriamente o objeto da moral, e as dianoéticas, que a transcendem. É uma distinção e uma hierarquia, que têm uma importância essencial em relação a toda a filosofia e especialmente à moral. As virtudes intelectuais, teoréticas, contemplativas, são superiores às virtudes éticas, práticas, ativas. Noutras palavras, Aristóteles sustenta o primado do conhecimento, do intelecto, da filosofia, sobre a ação, a vontade, a política.


A Política


política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do Estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso. O Estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles precisamente na Política, de que acima se falou.

O Estado, então, é superior ao indivíduo, porquanto a coletividade é superior ao indivíduo, o bem comum superior ao bem particular. Unicamente no Estado efetua-se a satisfação de todas as necessidades, pois o homem, sendo naturalmente animal social, político, não pode realizar a sua perfeição sem a sociedade do Estado.

Visto que o Estado se compõe de uma comunidade de famílias, assim como estas se compõem de muitos indivíduos, antes de tratar propriamente do Estado será mister falar da família, que precede cronologicamente o Estado, como as partes precedem o todo.

Segundo Aristóteles, a família compõe-se de quatro elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; além, naturalmente, do chefe a que pertence a direção da família. Deve ele guiar os filhos e as mulheres, em razão da imperfeição destes. Deve fazer frutificar seus bens, porquanto a família, além de um fim educativo, tem também um fim econômico. E, como ao Estado, é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm necessidades materiais. No entanto, para que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos inanimados e animados; estes últimos seriam os escravos.

Aristóteles não nega a natureza humana ao escravo; mas constata que na sociedade são necessários também os trabalhos materiais, que exigem indivíduos particulares, a que fica assim tirada fatalmente a possibilidade de providenciar a cultura da alma, visto ser necessário, para tanto, tempo e liberdade, bem como aptas qualidades espirituais, excluídas pelas próprias características qualidades materiais de tais indivíduos. Daí a escravidão.

Vejamos, agora, o Estado em particular. O Estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social, político. O Estado provê, inicialmente, a satisfação daquelas necessidades materiais, negativas e positivas, defesa e segurança, conservação e engrandecimento, de outro modo irrealizáveis. Mas o seu fim essencial é espiritual, isto é, deve promover a virtude e, conseqüentemente, a felicidade dos súditos mediante a ciência.

Compreende-se, então, como seja tarefa essencial do Estado a educação, que deve desenvolver harmônica e hierarquicamente todas as faculdades: antes de tudo as espirituais, intelectuais e, subordinadamente, as materiais, físicas. O fim da educação é formar homens mediante as artes liberais, importantíssimas a poesia e a música, e não máquinas, mediante um treinamento profissional. Eis porque Aristóteles, como Platão, condena o Estado que, ao invés de se preocupar com uma pacífica educação científica e moral, visa a conquista e a guerra. E critica, dessa forma, a educação militar de Esparta, que faz da guerra a tarefa precípua do Estado, e põe a conquista acima da virtude, enquanto a guerra, como o trabalho, são apenas meios para a paz e o lazer sapiente.

Não obstante a sua concepção ética do Estado, Aristóteles, diversamente de Platão, salva o direito privado, a propriedade particular e a família. O comunismo como resolução total dos indivíduos e dos valores no Estado é fantástico e irrealizável. O Estado não é uma unidade substancial, e sim uma síntese de indivíduos substancialmente distintos. Se se quiser a unidade absoluta, será mister reduzir o Estado à família e a família ao indivíduo; só este último possui aquela unidade substancial que falta aos dois precedentes. Reconhece Aristóteles a divisão platônica das castas, e, precisamente, duas classes reconhece: a dos homens livres, possuidores, isto é, a dos cidadãos e a dos escravos, dos trabalhadores, sem direitos políticos.

Quanto à forma exterior do Estado, Aristóteles distingue três principais: a monarquia, que é o governo de um só, cujo caráter e valor estão na unidade, e cuja degeneração é a tirania; a aristocracia, que é o governo de poucos, cujo caráter e valor estão na qualidade, e cuja degeneração é a oligarquia; a democracia, que é o governo de muitos, cujo caráter e valor estão na liberdade, e cuja degeneração é a demagogia.

As preferências de Aristóteles vão para uma forma de república democrático-intelectual, a forma de governo clássica da Grécia, particularmente de Atenas. No entanto, com o seu profundo realismo, reconhece Aristóteles que a melhor forma de governo não é abstrata, e sim concreta: deve ser relativa, acomodada às situações históricas, às circunstâncias de um determinado povo. De qualquer maneira a condição indispensável para uma boa constituição, é que o fim da atividade estatal deve ser o bem comum e não a vantagem de quem governa despoticamente.


A Religião


Com Aristóteles afirma-se o teísmo do ato puro. No entanto, este Deus, pelo seu efetivo isolamento do mundo, que ele não conhece, não cria, não governa, não está em condições de se tornar objeto de religião, mais do que as transcendentes idéias platônicas. E não fica nenhum outro objeto religioso. Também Aristóteles, como Platão, se exclui filosoficamente o antropomorfismo, não exclui uma espécie de politeísmo, e admite, ao lado do Ato Puro e a ele subordinado, os deuses astrais, isto é, admite que os corpos celestes são animados por espíritos racionais. Entretanto, esses seres divinos não parecem e não podem ter função religiosa e nem física.

Não obstante esta concepção filosófica da divindade, Aristóteles admite a religião positiva do povo, até sem correção alguma. Explica e justifica a religião positiva, tradicional, mítica, como obra política para moralizar o povo, e como fruto da tendência humana para as representações antropomórficas; e não diz que ela teria um fundamento racional na verdade filosófica da existência da divindade, a que o homem se teria facilmente elevado através do espetáculo da ordem celeste.

Aristóteles, como Platão, considera a arte como imitação, de conformidade com o fundamental realismo grego. Não, porém, imitação de uma imitação, como é o fenômeno, o sensível, platônicos; e sim imitação direta da própria ideia, do inteligível imanente no sensível, imitação da forma imanente na matéria. Na arte, esse inteligível, universal é encarnado, concretizado num sensível, num particular e, destarte, tornando intuitivo, graças ao artista.

Por isso, Aristóteles considera arte a poesia de Homero, que tem por conteúdo o universal, o imutável, ainda que encarnado fantasticamente num particular, como superior à história e mais filosófica do que a história de Heródoto que tem como objeto o particular, o mutável, seja embora real. O objeto da arte não é o que aconteceu uma vez como é o caso da história , mas o que por natureza deve, necessária e universalmente, acontecer. Deste seu conteúdo inteligível, universal, depende a eficácia espiritual pedagógica, purificadora da arte.

Se bem que a arte seja imitação da realidade no seu elemento essencial, a forma, o inteligível, este inteligível recebe como que uma nova vida através da fantasia criadora do artista, isto precisamente porque o inteligível, o universal, deve ser encarnado, concretizado pelo artista num sensível, num particular. As leis da obra de arte serão, portanto, além de imitação do universal verossimilhança e necessidade coerência interior dos elementos da representação artística, íntimo sentimento do conteúdo, evidência e vivacidade de expressão. A arte é, pois, produção mediante a imitação; e a diferença entre as várias artes é estabelecida com base no objeto ou no instrumento de tal imitação.


A Metafísica


metafísica aristotélica é "a ciência do ser como ser, ou dos princípios e das causas do ser e de seus atributos essenciais". Ela abrange ainda o ser imóvel e incorpóreo, princípio dos movimentos e das formas do mundo, bem como o mundo mutável e material, mas em seus aspectos universais e necessários. Exporemos portanto, antes de tudo, as questões gerais da metafísica, para depois chegarmos àquela que foi chamada, mais tarde, metafísica especial; tem esta como objeto o mundo que vem-a-ser - natureza e homem - e culmina no que não pode vir-a-ser, isto é, Deus. Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da metafísica aristotélica: potência e ato, matéria e forma, particular e universal, movido e motor. A primeira e a última abraçam todo o ser, a segunda e a terceira todo o ser em que está presente a matéria.

I. A doutrina da potência e do ato é fundamental na metafísica aristotélica: potência significa possibilidade, capacidade de ser, não-ser atual; e ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Todo ser, que não seja o Ser perfeitíssimo, é portanto uma síntese - um sínolo - de potência e de ato, em diversas proporções, conforme o grau de perfeição, de realidade dos vários seres. Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se, passando da potência ao ato; esta passagem da potência ao ato é atualização de uma possibilidade, de uma potencialidade anterior. Esta doutrina fundamental da potência e do ato é aplicada - e desenvolvida - por Aristóteles especialmente quando da doutrina da matéria e da forma, que representam a potência e o ato no mundo, na natureza em que vivemos. Desta doutrina da matéria e da forma, vamos logo falar.

II. Aristóteles não nega o vir-a-ser de Heráclito, nem o ser de Parmênides, mas une-os em uma síntese conclusiva, já iniciada pelos últimos pré-socráticos e grandemente aperfeiçoada por Demócrito e Platão. Segundo Aristóteles, a mudança, que é intuitiva, pressupõe uma realidade imutável, que é de duas espécies. Um substrato comum, elemento imutável da mudança, em que a mudança se realiza; e as determinações que se realizam neste substrato, a essência, a natureza que ele assume.

O primeiro elemento é chamado matéria (prima), o segundo forma (substancial). O primeiro é potência, possibilidade de assumir várias formas, imperfeição; o segundo é atualidade - realizadora, especificadora da matéria - , perfeição. A síntese - o sinolo - da matéria e da forma constitui a substância, e esta, por sua vez, é o substrato imutável, em que se sucedem os acidentes, as qualidades acidentais. A mudança, portanto, consiste na sucessão de várias formas na mesma essência, forma concretizada da matéria, que constitui precisamente a substância.

A matéria sem forma, a pura matéria, chamada matéria-prima, é um mero possível, não existe por si, é um absolutamente interminado, em que a forma introduz as determinações. A matéria aristotélica, porém, não é o puro não-ser de Platão, mero princípio de decadência, pois ela é também condição indispensável para concretizar a forma, ingrediente necessário para a existência da realidade material, causa concomitante de todos os seres reais.

Então não existe, propriamente, a forma sem a matéria, ainda que a forma seja princípio de atuação e determinação da própria matéria. Com respeito à matéria, a forma é, portanto, princípio de ordem e finalidade, racional, inteligível. Diversamente da ideia platônica, a forma aristotélica não é separada da matéria, e sim imanente e operante nela. Ao contrário, as formas aristotélicas são universais, imutáveis, eternas, como as idéias platônicas.

Os elementos constitutivos da realidade são, portanto, a forma e a matéria. A realidade, porém, é composta de indivíduos, substâncias, que são uma síntese - umsínolo - de matéria e forma. Por conseqüência, estes dois princípios não são suficientes para explicar o surgir dos indivíduos e das substâncias que não podem ser atuados - bem como a matéria não pode ser atuada - a não ser por um outro indivíduo, isto é, por uma substância em ato. Daí a necessidade de um terceiro princípio, a causa eficiente, para poder explicar a realidade efetiva das coisas.

A causa eficiente, por sua vez, deve operar para um fim, que é precisamente a síntese da forma e da matéria, produzindo esta síntese o indivíduo. Daí uma quarta causa, a causa final, que dirige a causa eficiente para a atualização da matéria mediante a forma.

III. Mediante a doutrina da matéria e da forma, Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única realidade efetiva no mundo, que é precisamente síntese - sínolo - de matéria e de forma. A essência - igual em todos os indivíduos de uma mesma espécie - deriva da forma; a individualidade, pela qual toda substância é original e se diferencia de todas as demais, depende da matéria. O indivíduo é, portanto, potência realizada, matéria enformada, universal particularizado. Mediante esta doutrina é explicado o problema do universal e do particular, que tanto atormenta Platão; Aristóteles faz o primeiro - a ideia - imanente no segundo - a matéria, depois de ter eficazmente criticado o dualismo platônico, que fazia os dois elementos transcendentes e exteriores um ao outro.

IV. Da relação entre a potência e o ato, entre a matéria e a forma, surge o movimento, a mudança, o vir-a-ser, a que é submetido tudo que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível. Esta realização do possível, porém, pode ser levada a efeito unicamente por um ser que já está em ato, que possui já o que a coisa movida deve vir-a-ser, visto ser impossível que o menos produza o mais, o imperfeito o perfeito, a potência o ato, mas vice-versa.

Mesmo que um ser se mova a si mesmo, aquilo que move deve ser diverso daquilo que é movido, deve ser composto de um motor e de uma coisa movida. Por exemplo, a alma é que move o corpo. O motor pode ser unicamente ato, forma; a coisa movida - enquanto tal - pode ser unicamente potência, matéria. Eis a grande doutrina aristotélica do motor e da coisa movida, doutrina que culmina no motor primeiro, absolutamente imóvel, ato puro, isto é, Deus.


A Psicologia


Objeto geral da psicologia aristotélica é o mundo animado, isto é, vivente, que tem por princípio a alma e se distingue essencialmente do mundo inorgânico, pois, o ser vivo diversamente do ser inorgânico possui internamente o princípio da sua atividade, que é precisamente a alma, forma do corpo. A característica essencial e diferencial da vida e da planta, que tem por princípio a alma vegetativa, é a nutrição e a reprodução. A característica da vida animal, que tem por princípio a alma sensitiva, é precisamente a sensibilidade e a locomoção. Enfim, a característica da vida do homem, que tem por princípio a alma racional, é o pensamento.

Todas estas três almas são objeto da psicologia aristotélica. Aqui nos limitamos à psicologia racional, que tem por objeto específico o homem, visto que a alma racional cumpre no homem também as funções da vida sensitiva e vegetativa; e, em geral, o princípio superior cumpre as funções do princípio inferior. De sorte que, segundo Aristóteles diversamente de Platão todo ser vivo tem uma só alma, ainda que haja nele funções diversas faculdades diversas porquanto se dão atos diversos. E assim, conforme Aristóteles, diversamente de Platão, o corpo humano não é obstáculo, mas instrumento da alma racional, que é a forma do corpo.

O homem é uma unidade substancial de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as funções de forma em relação à matéria, que é constituída pelo segundo. O que caracteriza a alma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo que ela é espírito. Mas a alma humana desempenha também as funções da alma sensitiva e vegetativa, sendo superior a estas. Assim, a alma humana, sendo embora uma e única, tem várias faculdades, funções, porquanto se manifesta efetivamente com atos diversos. As faculdades fundamentais do espírito humano são duas: teorética e prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa e ativa. Cada uma destas, pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo, se se tiver presente que o homem é um animal racional, quer dizer, não é um espírito puro, mas um espírito que anima um corpo animal.

O conhecimento sensível, a sensação, pressupões um fato físico, a saber, a ação do objeto sensível sobre o órgão que sente, imediata ou à distância, através do movimento de um meio. Mas o fato físico transforma-se num fato psíquico, isto é, na sensação propriamente dita, em virtude da específica faculdade e atividade sensitivas da alma. O sentido recebe as qualidades materiais sem a matéria delas, como a cera recebe a impressão do selo sem a sua matéria. A sensação embora limitada é objetiva, sempre verdadeira com respeito ao próprio objeto; a falsidade, ou a possibilidade da falsidade, começa com a síntese, com o juízo.

O sensível próprio é percebido por um só sentido, isto é, as sensações específicas são percebidas, respectivamente, pelos vários sentidos; o sensível comum, as qualidades gerais das coisas tamanho, figura, repouso, movimento, etc. são percebidas por mais sentidos. O senso comum é uma faculdade interna, tendo a função de coordenar, unificar as várias sensações isoladas, que a ele confluem, e se tornam, por isso, representações, percepções.
Acima do conhecimento sensível está o conhecimento inteligível, especificamente diverso do primeiro. Aristóteles aceita a essencial distinção platônica entre sensação e pensamento, ainda que rejeite o inatismo platônico, contrapondo-lhe a concepção do intelecto como tabula rasa, sem idéias inatas. Objeto do sentido é o particular, o contingente, o mutável, o material. Objeto do intelecto é o universal, o necessário, o imutável, o imaterial, as essências, as formas das coisas e os princípios primeiros do ser, o ser absoluto. Por conseqüência, a alma humana, conhecendo o imaterial, deve ser espiritual e, quanto a tal, deve ser imperecível.
Analogamente às atividades teoréticas, duas são as atividades práticas da alma: apetite e vontade. O apetite é a tendência guiada pelo conhecimento sensível, e é próprio da alma animal. Esse apetite é concebido precisamente como sendo um movimento finalista, dependente do sentimento, que, por sua vez depende do conhecimento sensível. A vontade é o impulso, o apetite guiado pela razão, e é própria da alma racional. Como se vê, segundo Aristóteles, a atividade fundamental da alma é teorética, cognoscitiva, e dessa depende a prática, ativa, no grau sensível bem como no grau inteligível.


A Cosmologia


Uma questão geral da física aristotélica, como filosofia da natureza, é a análise dos vários tipos de movimento, mudança, que já sabemos ser passagem da potência ao ato, realização de uma possibilidade. Aristóteles distingue quatro espécies de movimentos:

1. Movimento substancial - mudança de forma, nascimento e morte;
2. Movimento qualitativo - mudança de propriedade;
3. Movimento quantitativo - acrescimento e diminuição;
4. Movimento espacial - mudança de lugar, condicionando todas as demais espécies de mudança.

Outra especial e importantíssima questão da física aristotélica é a concernente ao espaço e ao tempo, em torno dos quais fez ele investigações profundas. O espaço é definido como sendo o limite do corpo, isto é, o limite imóvel do corpo "circundante" com respeito ao corpo circundado. O tempo é definido como sendo o número - isto é, a medida - do movimento segundo a razão, o aspecto, do "antes" e do "depois". Admitidas as precedentes concepções de espaço e de tempo - como sendo relações de substâncias, de fenômenos - é evidente que fora do mundo não há espaço nem tempo: espaço e tempo vazios são impensáveis.

Uma terceira questão fundamental da filosofia natural de Aristóteles é a concernente ao teleologismo - finalismo - por ele propugnado com base na finalidade, que ele descortina em a natureza.  "A natureza faz, enquanto possível, sempre o que é mais belo". Fim de todo devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a realização da forma na matéria.

Quanto às ciências químicas, físicas e especialmente astronômicas, as doutrinas aristotélicas têm apenas um valor histórico, e são logicamente separáveis da sua filosofia, que tem um valor teorético. Especialmente célebre é a sua doutrina astronômica geocêntrica, que prestará a estrutura física à Divina Comédia de Dante Alighieri.


Juízo sobre Aristóteles


É difícil aquilatar em sua justa medida o valor de Aristóteles. A influência intelectual por ele até hoje exercida sobre o pensamento humano e à qual se não pode comparar a de nenhum outro pensador dá-nos, porém, uma ideia da envergadura de seu gênio excepcional. Criador da lógica, autor do primeiro tratado de psicologia científica, primeiro escritor da história da filosofia, patriarca das ciências naturais, metafísico, moralista, político, ele é o verdadeiro fundador da ciência moderna e "ainda hoje está presente com sua linguagem científica não somente às nossas cogitações, senão também à expressão dos sentimentos e das idéias na vida comum e habitual".
Nem por isso podemos deixar de apontar as lacunas do seu sistema. Sua moral, sem obrigação nem sanção, é defeituosa e mais gravemente defeituosa ainda que a teodiceia, sobretudo na parte que trata das relações de Deus com o mundo. O dualismo primitivo e irredutível entre Deus, ato puro, e a matéria, princípio potencial, é, na própria teoria aristotélica, uma verdadeira contradição e deixa subsistir, como enigma insolúvel e inexplicável, a existência dos seres fora de Deus.


Vista Retrospectiva


Com Sócrates entre a filosofia em seu caminho definitivo. O problema do objeto e da possibilidade da ciência é posto em seus verdadeiros termos e resolvido, nas suas linhas gerais, pela doutrina do conceito.Platão dá um passo além, procurando determinar a relação entre o conceito e a realidade, mas encalha, dum lado, nas dificuldades insolúveis de um realismo exagerado; de outro, nas extravagâncias dum idealismo extremo. Aristóteles, com o seu espírito positivo e observador, retoma o mesmo problema no pé em que o pusera Platão e dá-lhe, pela teoria da abstração e da inteligência ativa, uma solução satisfatória e definitiva nos grandes lineamentos.

Em torno desta questão fundamental, que entende com a metafísica, a psicologia e a lógica, se vão desenvolvendo harmoniosamente as outras partes da filosofia até constituírem em Aristóteles esta grandiosa síntese do saber universal, o mais precioso legado da civilização grega que declinava à civilização ocidental que surgia.
__________________________
Extraído de www.mundodosfilosofos.com.br