domingo, 21 de julho de 2019

Teatro/CRÍTICA

"A Ponte"

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Lionel Fischer



"Três irmãs, separadas pela vida, são obrigadas a se reunir para enfrentar a morte iminente da mãe. Theresa, a mais velha, é uma freira que se isolou da família em um retiro religioso. Agnes, a irmã do meio, vive uma atriz falida, que foi tentar a sorte longe de sua cidade natal. Louise, a mais jovem, é obcecada por séries de TV e desinteressada pelo mundo além do virtual. Neste reencontro, ambientado na cozinha da casa onde foram criadas, as três revelam os seus valores, crenças e diferenças em busca da possível reconstrução de uma célula familiar há muito fragmentada".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "A Ponte", do dramaturgo canadense Daniel MacIvor. Em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil, a montagem leva a assinatura de Adriano Guimarães, estando o elenco formado por Bel Kowarick (Theresa), Debora Lamm (Agnes) e Maria Flor (Louise).

Autor de vários textos já encenados no Brasil - "In on It", "À primeira vista", "Aqui jaz Henry" e "Cine-Monstro" -, Daniel MacIvor possui, dentre seus muitos méritos, dois que me parecem essenciais: tem sempre o que dizer e dá enorme importância ao trabalho dos atores - esta última assertiva, na verdade uma suposição, me parece válida à medida que suas peças jamais podem ser plenamente usufruídas se em cena não estiverem excelentes intérpretes, como no presente caso, como se verá mais adiante.

A primeira curiosidade com relação à peça diz respeito à sua ambientação. Por razões óbvias, a ação não poderia se passar no quarto da mãe agonizante, a menos que a intenção fosse a de conferir um caráter mórbido à narrativa. Se esta acontecesse no quarto de uma das irmãs, isto poderia sinalizar algum tipo de ascendência, o que não é o caso. Então chegamos ao ambiente escolhido: a cozinha. Ainda que possa estar enganado, penso que o autor objetivou conferir ao espaço um caráter que transcende o prosaico, pois ali os alimentos consumidos não buscam saciar necessidades físicas, mas aquelas de há muito represadas no coração das três irmãs. 

Bem escrito, contendo personagens maravilhosamente estruturados e uma ação que prende por completo a atenção do espectador - isto se dá à medida que a trama foge por completo ao previsível, sendo literalmente impossível se prever o que virá em seguida -, creio que o maior mérito de "A ponte" tenha total relação com seu título. Vejamos: as três irmãs possuem histórias de vida e personalidades diametralmente opostas, o que em princípio inviabilizaria qualquer  possibilidade de entendimento. 

No entanto, as circunstâncias as levam a explicitar mágoas e carências jamais reveladas, e quando  renunciam a todas as defesas e decidem abrir seus corações sem reservas, o que antes se afigurava como um abismo aparentemente intransponível converte-se em uma ponte capaz de aproximá-las, o que me permite supor que o autor acredita na possibilidade de que possamos e devamos conviver com as diferenças - nos sombrios tempos que correm, tal crença é não apenas necessária, mas inadiável.

Com relação ao espetáculo, e ainda que este exiba marcas diversificadas e expressivas, torna-se evidente que o diretor Adriano Guimarães deu especial atenção ao elenco, encarregado de materializar personagens de altíssima complexidade. E o resultado não poderia ser melhor: Bel Kowarick, Debora Lamm e Maria Flor extraem o máximo de suas personagens, cabendo ressaltar a coletiva capacidade de entrega, a ótima contracena e a inegável inteligência cênica das intérpretes, que nos brindam com atuações inesquecíveis. Sem sombra de dúvida, um raro presente para aqueles que, como eu, acreditam que o teatro pertence essencialmente aos que estão em cena. 

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as belíssimas contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Emanuel Aragão (dramaturgia), Adriano Guimarães e Ismael Monticelli (cenografia), Bárbara Duvivier (tradução), Ticiana Passos (figurino), Wagner Pinto (iluminação) e Denise Stutz (direção de movimento).

A PONTE - Texto original de Daniel MacIvor. Dramaturgia de Emanuel Aragão. Direção de Adriano Guimarães. Com Bel Kowarick, Debora Lamm e Maria Flor. Teatro II do CCBB. Quinta a segunda, 19h30.    






  








sexta-feira, 19 de julho de 2019

Teatro/CRÍTICA

"Estado de Sítio"

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Obra-prima em versão deslumbrante



Lionel Fischer




"Após os maus presságios pela passagem de um cometa, os habitantes de Cádiz, na Espanha, passam a ser governados pela Peste, que depõe um governo reacionário e institui um poder arbitrário por meio da ameaça de morte. Ela instaura o Estado de Sítio e cria um regime burocrático, esvaziado de sentido e dominado pelo medo. Uma cidade sitiada e uma população dividida. A vida dos cidadãos é submetida ao império da Peste e de sua Secretária, a Morte, de modo que o sofrimento e o desespero se tornam banais. No meio desse cenário desolador e aterrador haveria espaço para uma revolta estimulada pelo amor aos seres humanos e pela liberdade? Para se libertar da Peste será preciso resistir ao medo que se tem dela acreditando que, assim como a aparição do cometa, a situação instaurada é uma força histórica e passageira, e que o povo sempre detém o poder eterno".

O trecho acima, extraído do ótimo release que me foi enviado, contextualiza o essencial de "Estado de Sítio", de Albert Camus. Após cumprir ótima temporada em São Paulo, a montagem está em cartaz no Teatro Sesc Ginástico. Gabriel Villela responde pela direção do espetáculo, estando o elenco formado por Elias Andreato (Peste), Claudio Fontana ( Morte), Chico Carvalho 
( Nada), Rosana Stavis (Mulher do Juiz e Benzedeira), Nábia Vilela (Vitória), Leonardo Ventura (Juiz, Alcaide e Pescador), Pedro Inoue (Diego), Arthur Faustino (Governador e Velha), André Hendges (Padre), Rogério Romera (Homem do Povo e Cérbero), Jonatan Harold (Músico), Nathan MilléoGualda (Astrólogo, Cometa e Cérbero) e Zé Gui Bueno (Alcaide e Cérbero).

Não foram poucos os escritores, filósofos e críticos, infinitamente mais capazes do que eu, que se debruçaram sobre esta obra-prima.  Portanto, não tenho a pretensão de acrescentar algo de significativo ao que já foi dito. Ainda assim, gostaria de salientar algo que julgo procedente: ao contrário do que muitos supõem, Albert Camus não objetivou investir apenas contra a barbárie dos regimes totalitários de direita, mas também contra os de esquerda. Ou seja: para o genial escritor e dramaturgo franco-argelino, a ideologia importa pouco se o que predomina é a opressão. Neste sentido, a cidade espanhola de Cádiz (assolada pelo franquismo) poderia perfeitamente ter sido substituída por qualquer cidade da União Soviética vilipendiada por Josef Stalin. 

Isto posto, gostaria de frisar o que me parece mais essencial neste texto belíssimo e de surpreendente atualidade: a convicção do autor de que, por mais opressivo que seja um regime, por mais dolorosas que sejam as condições impostas, basta que um homem, um único homem diga Não e tudo pode mudar. Se o medo é contagioso, a Revolta também pode ser. E, no presente caso, é a partir da revolta que a Peste e a Morte começam a se tornar menos ameaçadoras e terminam por abandonar a cidade. Há também que se ressaltar a importância vital do Amor, não apenas no que concerne a relações pessoais, mas o amor que todos os seres humanos devem e podem partilhar, premissa essencial para a conquista da tão almejada Liberdade.   

Com relação ao espetáculo, mais uma vez Gabriel Villela nos brinda com uma encenação deslumbrante, plena de imagens poderosas e impregnada de refinada poesia. Desde que assisti (e escrevi sobre) "A rua da amargura", não tive a menor dúvida de que estava diante de um artista, na acepção máxima do termo. Assim, só me resta agradecer o privilégio de poder entrar em contato, mais uma vez, com uma montagem capitaneada por este que é, sem sombra de dúvida, um dos maiores encenadores da história do teatro brasileiro.

Quanto ao elenco, este atende a todas as solicitações da direção, seja nas passagens cantadas quanto naquelas em que o texto predomina, cabendo também destacar a notável expressividade corporal do conjunto. E embora todos os que estão em cena mereçam os mais entusiásticos aplausos, em função da dramaturgia não há como não conferir um destaque especial às magníficas performances de Elias Andreato (Peste), Claudio Fontana (Morte) e Chico Carvalho (Nada).

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis e inesquecíveis as colaborações de Gabriel Villela (figurinos), J.C. Serroni (cenografia), Domingos Quintiliano (iluminação), Babaya Morais e Marco França (direção musical), Babaya Morais (preparação vocal), Marco França (arranjos),  Claudinei Hidalgo (maquiagem) e Alcione Araújo e Pedro Hussak (tradução).

ESTADO DE SÍTIO - Texto de Albert Camus. Direção de Gabriel Villela. Com Elias Andreato, Claudio Fontana, Chico Carvalho e grande elenco. Teatro Sesc Ginástico. Quinta a sábado, 19h. Domingo, 18h.








quinta-feira, 18 de julho de 2019

Teatro/CRÍTICA

"Meninas e Meninos"


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Bela e dolorosa jornada




Lionel Fischer



"A protagonista do texto é uma mulher de idade não especificada, que conta ao público a história de sua vida. Abordando corajosamente (e com muito humor) questões delicadas como sexo, maternidade e machismo, a personagem vai desenhando um novo perfil feminino que, ao longo de séculos, tem lutado para se libertar das amarras patriarcais e experimentar um jeito completamente original de tornar-se mulher no mundo atual".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Meninas e Meninos", do dramaturgo inglês Dennis Kelly, em cartaz no Teatro Poeirinha. Kiko Mascarenhas e Daniel Chagas assinam a direção do espetáculo, que tem como única intérprete Maria Eduarda de Carvalho.

Como já disse algumas vezes, para mim um espetáculo começa quando entro no teatro e existe alguém em cena, mesmo que esteja imóvel ou não fazendo nada de especial, ainda que as luzes sejam as da plateia - tal postura, que considero essencial, contraria a de 99% dos espectadores, que em geral conversam ou permanecem grudados aos seus celulares até que seja dado o terceiro sinal.

No presente caso, quando os espectadores entram no espaço de representação do Poeirinha, Maria Eduarda de Carvalho já está em cena, totalmente visível, e sua personagem parece indecisa quanto à localização de vários caixotes e brinquedos infantis. Ela ignora a plateia enquanto organiza e reorganiza os objetos. Finalmente, começa a contar sua história, estabelecendo uma relação direta com os espectadores.

O enredo aborda, de forma não linear, a relação da personagem com seus filhos pequenos, a tentativa de obter um emprego, suas muitas e diversificadas experiências sexuais, seu envolvimento com o pai das crianças e sua ascensão profissional, afora outros momentos, cabendo destacar a hilária passagem da fila de embarque em um aeroporto. 

Mas ao mesmo tempo em que conta sua história, a personagem quase sempre se relaciona com outros, como se estes estivessem em cena, e só raramente interrompe sua relação com os objetos, como no início do espetáculo, só que a partir de um certo ponto os brinquedos vão sendo colocados nos caixotes e estes depositados em um canto do espaço, que no final se mostra inteiramente desocupado daquilo que antes o preenchia. Ou seja: estamos diante de uma belíssima metáfora, pois o que a personagem faz é progressiva e dolorosamente livrar-se do seu passado e assim criar a possibilidade de um novo presente. 

Com relação ao texto, este alterna momentos de grande humor com outros essencialmente trágicos, que opto por não explicitar pois isto privaria o espectador de usufruir impactantes e imprevistas revelações. Seja como for, há que se destacar a maestria do autor em sua abordagem de vários temas, em especial o do machismo, que nem sempre, como no presente caso, fica restrito ao predomínio da vontade masculina. 

Novamente sem entrar em maiores detalhes, aqui a inveja é a mola propulsora da tragédia que se materializa. Mas como detectá-la se a outra pessoa consegue camuflar este sentimento? E mais: como imaginar que este sentimento possa crescer a ponto de transformar alguém em sua própria antítese?    

Com relação ao espetáculo, cuja mais brilhante solução já mencionei, cabe destacar a expressiva, pulsante e diversificada dinâmica cênica, afora a contribuição de Kiko Mascarenhas e Daniel Chagas para que Maria Eduarda de Carvalho exiba uma das performances mais marcantes da presente temporada. 

Atriz de vastos recursos técnicos, grande carisma, fortíssima presença e inegável inteligência cênica, Maria Eduarda de Carvalho também nos brinda com comovente capacidade de entrega, o que lhe permite viver com total intensidade os múltiplos conflitos emocionais em jogo.  

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as preciosas colaborações de Vilmar Olos (iluminação/ambientação), Marcelo H (trilha sonora), Luciene Nicolino (direção de arte), Mauro Vicente Ferreira (cenografia) e Tereza Nabuco (figurino).

MENINAS E MENINOS - Texto de Dennis Kelly. Direção de Kiko Mascarenhas e Daniel Chagas. Com Maria Eduarda de Carvalho. Teatro Poeirinha.  Terças, quartas e quintas às 21h.




















quinta-feira, 4 de julho de 2019

Prêmio Cesgranrio de Teatro 2019
Indicados do 1º semestre

FIGURINO

Marcelo Marques - "Cole Porter, ele nunca disse que me amava"
João Pimenta - "Merlin e Artur - Um sonho de liberdade"
Tiago Ribeiro - "Interior"

CENOGRAFIA

Bia Junqueira - "Eu, Mobi Dick"
Rodrigo Portella e Julia Decache - "As crianças"
Ana Teixeira e Stephane Brodt - "Jogo de damas"

ILUMINAÇÃO

Paulo Cesar Medeiros - "As crianças"
Renato Machado - "Jogo de damas" e "Eu, Mobi Dick"

ATOR

Mario Borges - "As crianças"
Kiko Mascarenhas - "Todas as coisas maravilhosas"
Caio Scot - "Como se um trem passasse"

ATOR EM TEATRO MUSICAL

Patrick Amstalden - "Merlin e Artur"
Saulo Segreto - "Merlin e Artur"

ESPECIAL

Diego Teza - traduções de "As crianças", "Todas as coisas maravilhosas" e "Meninas e meninos"

Ana Turra, Camila Schimidt e Rogério Velloso - set designs, vídeo designs, cenografia e iluminação de "Merlin e Artur"

Celina Sodré - 10 anos de atividades do Instituto do Ator

ATRIZ

Jessica Menkel - "Cálculo ilógico"
Analu Prestes - "As crianças"
Claudia Ventura - "A verdade"

ATRIZ EM MUSICAL

Evelyn Castro - "Quebrando regras"
Kacau Gomes - "Merlin e Artur"
Bel Lima - "Cole Porter"

DIREÇÃO

Rodrigo Portella - "As crianças"
Felipe Hirsh - "Antes que a definitiva noite se espalhe por lationoamerica"
Daniel Herz - "Cálculo ilógico"

DIREÇÃO MUSICAL

Fabio Cardia e Jules Vandistadt - "Merlin e Artur"
Claudio Botelho - "Cole Porter"
Tony Lucchesi - "Quebrando regras"

TEXTO NACIONAL INÉDITO

Jessica Menkel - "Cálculo ilógico"
Luciana Pessanha - "Os desajustados"
Marcia Zanelatto - "Merlin e Artur"

ESPETÁCULO

"As crianças"
"Cálculo ilógico"
"Todas as coisas maravilhosas"

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