quinta-feira, 27 de junho de 2013

Happening


           O termo happening é criado no fim dos anos 1950 pelo americano Allan Kaprow para designar uma forma de arte que combina artes visuais e um teatro sui generis, sem texto nem representação. Nos espetáculos, distintos materiais e elementos são orquestrados de forma a aproximar o espectador, fazendo-o participar da cena proposta pelo artista (nesse sentido, o happening se distingue da performance, na qual não há participação do público).

          Os eventos apresentam estrutura flexível, sem começo, meio e fim. As improvisações conduzem a cena - ritmada pelas ideias de acaso e espontaneidade - em contextos variados como ruas, antigos lofts, lojas vazias e outros. O happening ocorre em tempo real, como o teatro e a ópera, mas recusa as convenções artísticas. Não há enredo, apenas palavras sem sentido literal, assim como não há separação entre o público e o espetáculo. Do mesmo modo, os "atores" não são profissionais, mas pessoas comuns.

O happening é gerado na ação e, como tal, não pode ser reproduzido. Seu modelo primeiro são as rotinas e, com isso, ele borra deliberadamente as fronteiras entre arte e vida. Nos termos de Kaprow: "Temas, materiais, ações, e associações que eles evocam devem ser retirados de qualquer lugar menos das artes, seus derivados e meios". Uma "nova arte concreta", propõe o artista, no lugar da antiga arte concreta abstrata, enraizada na experiência, na prática e na vida ordinária, matérias-primas do fazer artístico.

           De acordo com Kaprow, os happenings são um desdobramento das assemblages e da arte ambiental, mas ultrapassa-as pela introdução do movimento e por seu caráter de síntese, espécie de arte total em que se encontram reunidas diferentes modalidades artísticas - pintura, dança, teatro, música. A filosofia de John Dewey, sobretudo suas reflexões sobre arte e experiência, o zen-budismo, o trabalho experimental do músico John Cage, assim como a action painting do pintor americano Jackson Pollock são matrizes fundamentais para a concepção de happening.

           Cage é o responsável pelo Theater Piece # 1, ou simplesmente "o evento", realizado no Black Mountain College, na Carolina do Norte, Estados Unidos, em 1952, considerado o primeiro happening da história da arte.

           No espetáculo, M. C. Richards e o poeta Charles Olson lêem poemas nas escadas enquanto David Tudor improvisa ao piano e Merce Cunningham dança em meio à audiência. Pendurada, uma white painting de Robert Rauschenberg, uma velha vitrola toca discos de Edith Piaf. Café é servido por quatro rapazes de branco. Cage, sentado, lê um texto que relaciona música e zen-budismo, algumas vezes em voz alta, outras, em silêncio. O espetáculo apela simultaneamente aos sentidos da visão, audição, olfato, paladar e tato, e, além disso, envolve os artistas mencionados e outros participantes, que interferem, aleatoriamente, na cena. Kaprow inspira-se no evento de Cage na concepção de seu primeiro espetáculo, 18 Happenings in 6 Parts, em 1958. O músico é um de seus mestres, sobretudo suas ideias de acaso e indeterminação na arte.

          Se o nome de Kaprow associa-se diretamente ao happening, tendo realizado uma infinidade deles - Garage Environment, 1960, An Apple Shrine, 1960, Chicken, 1962, entre outros -, é preciso lembrar que, nos Estados Unidos, artistas como Jim Dine, Claes Oldenburg, Rauschenberg e Roy Lichtenstein também realizaram diversos happenings. À lista deve ser acrescentado ainda o nome do artista lituano Georges Maciunas, radicado nos Estados Unidos, e o movimento Fluxus, por ele concebido e batizado por ocasião do Festival Internacional de Música Nova, em Wiesbaden, Alemanha, em 1962. O termo - do latim, fluxu "movimento" -, originalmente criado para dar título a uma publicação de arte de vanguarda, passa a caracterizar uma série de performances organizadas por Maciunas na Europa, entre 1961 e 1963.

          Aderem às propostas do Fluxus, entre outros, o músico e artista multimídia Naum June Paik, e o alemão Joseph Beuys. As performances concebidas por Beuys - que ele prefere chamar de ações, evitando os nomes happening ou performance - na Alemanha se particularizam pelas conexões que estabelecem com um universo mitológico, mágico e espiritual. Nelas chamam atenção o uso frequente de animais - por exemplo, as lebres em The Chief - Fluxus Chant, Copenhagen, 1963 -, a ênfase nas ações que conferem sentidos aos objetos e o uso de sons e ruídos de todos os tipos, num apelo às experiências anteriores à linguagem articulada e ao reino dos instintos, que os animais representam.

          Ainda em solo europeu, é possível lembrar performances realizadas nos anos 1960, por Yves Klein, na França, e, na trilha da arte povera italiana, os nomes de Jannis Kounellis e Vettor Pisani. No Japão, os happenings adquirem soluções novas com o Grupo Gutai de Osaka, que entre 1954 a 1972 reúne Jiro Yoshihara e mais quinze artistas.

          No Brasil, Flávio de Carvalho é um pioneiro da performance, realiza várias a partir de meados dos anos 1950 - por exemplo, a relatada no livro Experiência nº 2. O Grupo Rex, criado em São Paulo por Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Carlos Fajardo, José Resende, Frederico Nasser, entre outros, também realiza uma série de happenings, como o concebido por Wesley Duke Lee, em 1963, no João Sebastião Bar. O Grande Espetáculo das Artes, como é chamado o evento, tem origem na irritação do artista por não conseguir expor a série Ligas, considerada excessivamente erótica.

          O happening tem como eixo uma atitude de rechaço à crítica e às galerias de arte. O chamado neo-realismo carioca - Antonio Dias, Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Pedro Escosteguy e Roberto Magalhães - envolve-se com o espetáculo e exposição coletiva PARE, em 1966. O evento, comandado pelo crítico Mário Pedrosa e inspirado nos programas de auditório do Chacrinha, é considerado por certos comentaristas como o primeiro happening no Brasil. Da década de 1980, devem ser mencionadas as Eletro-performances, espetáculos multimídia concebidos por Guto Lacaz. (Atualizado em 14/08/2009)
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Extraído de Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais 



Gerhart Hauptmann


BIOGRAFIA

          Escritor, dramaturgo e poeta alemão (1862-1946), nascido Johann Robert Gerhart Hauptmann, na cidade de Bad Salzbrunn, na Silésia. Estuda escultura em Breslau entre 1880 e 1882, depois ciências e filosofia na Universidade de Jena (1882-1883).

          Trabalha como escultor em Roma (1883-1884). Por volta de 1885 muda-se para Erkner, perto de Berlim, onde se dedica à literatura, mesmo ano em que se casa com Marie Thienemann. Nesse período faz parte de grupos de cientistas, filósofos e escritores de vanguarda interessados no Naturalismo e em ideias socialistas.

          Sua primeira peça, Antes da Aurora (1889), é um drama naturalista sobre as condições de vida numa aldeia silesiana em plena era da industrialização. A obra causa escândalo pelo conteúdo realista. Em 1891 escreve Homens Solitários e, no ano seguinte, Os Tecelões, considerada sua obra-prima, na qual narra uma revolta frustrada de tecelões.

          Em 1900 abandona o estilo naturalista, muda-se para Agnetendorf e começa a produzir peças poético-simbólicas. Divorcia-se em 1904 e, no mesmo ano, casa-se com a atriz e violinista Margarete Marschalk. Desse período destaca-se Emanuel Quint, o Louco em Cristo (1910). Recebe o Prêmio Nobel de Literatura em 1912. Escreve ainda O Herege de Soana (1918), Dorothea Angermann (1926) e Die Atriden-Tetralogie (1941-1948), obra na qual expressa, por meio de trágicos mitos gregos, os horrores de seu tempo e a desilusão com o mundo do pós-guerra.

          Autor também de Kollege Crampton (1892), A Ascensão de Hanele (1893), Florian Geyer (1895), Os Sinos Submersos (1896), O Pobre Heinrich (1902), A Pipa Dança (1906), Ratos (1911). Morre em Agnentendorf.
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Extraído de www.algosobre.com.br




INFORMAÇÕES SOBRE JON KORKES 2013



          O CURSO SERÁ REALIZADO DE 15/08 A 09/09, NA ESPAÇO MOVE, COM VAGAS LIMITADAS!

          O CURSO TERÁ 24 HORAS DE CARGA HORÁRIA, E SERÁ REALIZADO DUAS VEZES POR SEMANA. AS TURMAS SERÃO DIVIDIDAS EM:

• SEGUNDAS E QUINTAS DAS 10H ÀS 13H

OU

• SEGUNDAS E QUINTAS DAS 20:30 ÀS 23:30

          O número máximo de alunos por turma é de 14 pessoas.

          Todas as turmas terão um tradutor simultâneo, onde cada aluno escolhe a língua que deseja trabalhar – Português ou Inglês;

          Todos os interessados deverão enviar um vídeo para a pré – seleção, esse material é obrigatório, pois é a partir dele que JON KORKES seleciona as cenas para o trabalho em sala de aula;

          Até o dia 10 de julho a ESPAÇO MOVE estará disponibilizando pacotes e descontos para os pagamentos do workshop, ligue e confira!

ESPAÇO MOVE

          Av. Armando Lombardi, 949/ loja C/ Jardim Oceânico /Barra – Rio de Janeiro

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          www.espacomove.com.br









Teatro/CRÍTICA


" O patrão cordial"


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Entre a cordialidade e a tirania



Lionel Fischer



"A peça é uma comédia sobre a cordialidade brasileira, nos moldes da tradição clássica do patrão e do empregado. Inspirada em O senhor Puntila  e seu criado Matti (peça de Beltolt Brecht) e Raízes do Brasil (estudo teórico de Sérgio Buarque de Holanda), o texto mostra as oscilações de comportamento de um fazendeiro do Vale do Paraíba, no trato com seu motorista, sua filha e outras personagens do mundo do trabalho. Cordial e fraterno quando bêbado, o protagonista Cornélio é impiedoso e distante quando sóbrio".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "O patrão cordial", que acaba de entrar em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil. Espetáculo do grupo paulista Cia. do Latão, a montagem tem encenação e dramaturgia assinadas por Sérgio de Carvalho. No elenco, Adriana Mendonça, Carlos Escher, Helena Albergaria, Ney Piacentini, Renan Rovida, Ricardo Monastero, Rogério Bandeira e Rony Koren, que dividem a cena com os músicos Alessandro Ferreira e Martin Eikmeier.

Como se sabe, os detentores do poder agem sempre de acordo com suas conveniências e normalmente não cabe aos demais outra opção a não ser a de acatar as ordens que recebem, sejam elas justas ou não - mas toda regra tem exceção, e a maior prova disto é o que está acontecendo no momento no país.

Mas no texto em questão, e ainda que existam passagens em que os personagens questionem as atitudes do patrão, a vontade dele acaba sempre prevalecendo. O aspecto curioso, como já mencionado, é que Cornélio torna-se cordial e fraterno quando bêbado. Sendo a bebida um elemento liberador daquilo que em geral se procura ocultar, é possível que o texto tente nos mostrar que existe no protagonista um resquício de humanidade. No entanto, é sua sobriedade que impera, para desgraça dos que dele dependem.

Contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e passagens que alternam humor e dramaticidade, "O patrão cordial" recebeu segura direção de Sérgio de Carvalho. Optando por uma dinâmica cênica despojada, mas nem por isso isenta de expressividade, o diretor exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações de todo o elenco, que valoriza com vigor e criatividade os muitos papéis que representam.

Na equipe técnica, são de excelente nível a direção musical e composições de Martin Eikmeier (executadas com total competência por Meier e Alessandro Ferreira, e muito bem cantadas pelo elenco), a cenografia e figurinos de Cassio Brasil e a iluminação de Melissa Guimarães.

O PATRÃO CORDIAL - Encenação e dramaturgia de Sérgio de Carvalho. Com a Cia. do Latão. Teatro III do CCBB. Quarta a domingo, 19h.

terça-feira, 25 de junho de 2013

No palco elisabetano


LUIZ SUGIMOTO

          No século XVI, quando a Londres oficial – com seu conselho administrativo, centros comerciais e financeiros, escolas, igrejas e residências – ainda estava organizada dentro das antigas muralhas erigidas pelo Império Romano, os dramaturgos e atores do teatro elisabetano (período renascentista inglês) se estabeleceram entre os paupérrimos e outros renegados em áreas marginais chamadas de Liberties. Nelas ficavam sanatórios, leprosários, prisões e prostíbulos.

           “Das margens de Londres, o teatro elisabetano foi contaminando a sociedade e acabou por se transformar em uma das vozes de maior expressão da cultura no século XVI. Seu apogeu, que se deu com Shakespeare, Marlowe e outros dramaturgos, nunca foi reeditado em épocas posteriores”, conta Flávia Domitila Costa Morais, que apresentou tese de doutorado sobre o tema no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, orientada pelo professor João Francisco Duarte Júnior.

          Em seu estudo, a autora avalia a participação do teatro renascentista inglês e seus dramaturgos na transição de uma visão de mundo marcada pela episteme medieval para uma cosmovisão renascentista. “Eu apresento este teatro como uma forma de ativismo cultural que visava superar o clima estritamente pietista e sacralizado da Idade Média, contribuindo para a emersão do homem moderno”.

Flávia Morais é formada em Língua e Literatura de Língua Inglesa e seu mestrado, na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, resultou no livro Literatura vitoriana e educação moralizante (Editora Alínea). Agora, em seu estudo de doutorado, a fim de situar o teatro elisabetano no contexto histórico, a pesquisadora teve antes que abordar a essencialidade do teatro, voltando-se para os modelos greco-romanos na sociedade da oralidade, e repassar aspectos importantes do teatro medieval inglês.

           “Para falar do Renascimento, geralmente nos reportamos à Antiguidade Clássica, pois houve realmente um empréstimo dos modelos greco-romanos. Na Inglaterra, porém, o Renascimento adquiriu certas peculiaridades, fazendo com que o teatro elisabetano devesse mais ao teatro medieval inglês do que propriamente a uma imitação do modelo teatral greco-romano. Contudo, é preciso lembrar que tanto o teatro grego como o medieval têm origem no culto religioso”, justifica a autora.

          Flávia Morais lembra que, no teatro grego, o herói era sempre conduzido pela vontade dos deuses, podendo-se supor a plateia como mera espectadora. No teatro medieval, as personagens eram figuras bíblicas e, embora a comunidade participasse ativamente da montagem dos espetáculos, prevalecia certo distanciamento com relação à vida cotidiana. “É no teatro secularizado moderno que encontraremos personagens que vivem situações em que se refletem as virtudes e fraquezas do ser humano”.


Mistérios e milagres

          No capítulo O mito da idade média e o teatro, a autora recorre a estudiosos medievalistas para desmistificar o senso comum de que aquela foi a “idade das trevas”, apenas de doenças e fome, sob o feudalismo como o pior dos regimes. “Na verdade, o teatro medieval era uma explosão de vida e alegria. Descrevo os três tipos básicos de suas peças na Inglaterra: os ciclos dos mistérios e milagres (que duravam semanas como no ciclo de Corpus Christi), as peças de moralidade e os interlúdios”.

          A pesquisadora explica que, na Inglaterra ainda católica, as missas eram rezadas em latim e os fiéis que, em sua maioria, nada entendiam, compareciam somente por devoção. “Não se sabe quem teve a ideia de dramatizar alguns trechos da Bíblia no meio da liturgia. Como as igrejas começaram a ficar lotadas, essas pequenas encenações passaram a ser feitas do lado de fora, em praças e feiras. Surgiram assim os ciclos dos mistérios e milagres”.

           Segundo Flávia Morais, o fato de padres representarem figuras como as de Cristo, de Deus e mesmo do diabo era considerado blasfematório pela Igreja. Isto fez com que as peças passassem a ser produzidas por guildas – corporações de artesãos ou ofícios. “Cada episódio ficava ao encargo de uma guilda, como no caso da guilda dos Water-Leaders and Drawers in Dee, formada por trabalhadores responsáveis por retirar e drenar as águas do rio Dee, e que preparava o episódio do Dilúvio”.

          A autora acrescenta que os ciclos eram apresentados em carroças alegóricas, que passavam em procissão durante dias ou semanas, representando desde a Criação até o Juízo Final, diante do público. Já em algumas cidades, a apresentação se dava em vários palcos fixos e o público é que se deslocava para assistir a todo o ciclo. “De uma forma ou de outra, tratava-se da genuína expressão do teatro de rua, com participação de toda a comunidade na atuação ou na organização destes eventos”.

          Aos ciclos dos mistérios e milagres sucederam-se as peças de moralidades, conforme observa Flávia Morais. “Os dramaturgos deixaram de se inspirar na vida de santos ou em trechos das Escrituras para, no palco, apresentarem personagens que personificavam os vícios e virtudes em uma contenda para ver quem influenciaria mais as escolhas do protagonista, geralmente chamado de Everyman ou Mankind, que representava a humanidade”.

          Os interlúdios, explica a pesquisadora, apareceram já durante a reforma protestante, tendo Henrique VIII como um dos apreciadores destas pequenas peças encenadas na corte e também por artistas itinerantes. “O interlúdio apresentava ensinamentos morais, mas a temática incluía a luxúria e uma linguagem mais obscena. Creio que foi a ponte que ligou o teatro medieval ao elisabetano, pois possuía características de ambos, embora já com sua atenção mais voltada para o homem e suas escolhas”.

Mundo moderno

          Flávia Morais afirma que o teatro elisabetano, portanto, herdou atributos de uma expressão teatral fortemente vinculada ao sagrado e de modalidades já secularizadas, o que veio a gerar grande embate com a igreja reformada. Ao mesmo tempo, abriu as portas para o mundo moderno. “Este teatro nasceu à margem da sociedade, no espaço de maior liberdade de expressão que eram as Liberties, e foi se desenvolvendo paralelamente a acontecimentos históricos cruciais – e prováveis causas do próprio Renascimento – como as descobertas marítimas e a invenção da prensa de Gutenberg que democratizaria a cultura literária”.

          Entretanto, ainda era um teatro para ver e ouvir, e não para ler, como atenta a autora da tese. “A peça escrita não era considerada literatura e os próprios dramaturgos não viam sentido em publicá-la. Ainda assim, os espetáculos atraíam quem tinha contato maior com as letras e a arte, além da população em geral. A visualização dos acontecimentos por meio da encenação dos atores proporcionava forte identificação do público com este teatro”.

          De acordo com a pesquisadora, o público interagia com os atores de forma bastante livre, levado por forças conscientes e inconscientes, o que dava maior significado ao que estava assistindo. “O filme Shakespeare apaixonado, apesar de ser uma ficção, retrata bem o ambiente do teatro elisabetano. Quando Julieta pergunta ‘onde está Romeu?’, alguém da plateia responde: ‘Está aí, morto ao seu lado’. Era muito interessante; uma verdadeira entrega”.

          Igualmente interessante, na opinião de Flávia Morais, foi o hábito de ir ao teatro que se criou na sociedade, apesar dos esforços dos puritanos – bem mais radicais do que os anglicanos quanto às reformas na igreja – para desestimular o gosto por este entretenimento. Com maioria no Parlamento, os puritanos proibiam a publicação de propagandas dos espetáculos. “Para convocar a população, as companhias tocavam uma trombeta e hasteavam uma bandeira no alto das casas teatrais: era branca para comédia, preta para tragédia e vermelha para peça histórica. As casas estavam sempre cheias”.

Poder de Shakespeare

          Shakespeare parece ser o único nome a vir à mente quando se menciona o teatro elisabetano, mas a autora destaca na pesquisa outros três importantes dramaturgos do período: Christopher Marlowe, que poderia ter alcançado o mesmo status de Shakespeare, não fosse sua morte prematura; Ben Jonson, cuja obra é bastante extensa; e Thomas Kyd, também falecido precocemente. “A tese tem 330 páginas e, no capítulo mais longo, abordo dramaturgos, companhias e atores deste período. Analiso como ganhavam a vida e como começaram a se organizar profissionalmente, além da sua relação com a realeza e a nobreza.”

          Obviamente, Flávia Morais dá destaque especial ao paradigma shakespeariano, mostrando como ele foi construído e quais os temas e imagens recorrentes na obra do bardo de Stratford. “Em sua genialidade, Shakespeare usou de uma força inovadora excepcional no momento em que a língua inglesa moderna estava em processo de formação; usou uma linguagem que, em larga medida, foi responsável pela enorme identidade do público com o teatro da época”.

          A pesquisadora observa que mesmo nas tragédias como Hamlet e Otelo, Shakespeare sempre proporcionava um momento de alívio para a plateia, incluindo uma situação cômica. “Shakespeare fazia uso de verso e prosa, agradando tanto aos letrados, que iam ouvir mostras da maestria dos autores, como ao povo, que conseguia compreender e participar do espetáculo”.

          Citando Harold Bloom, que escreveu Shakespeare – A invenção do humano, a autora endossa a afirmação de que o dramaturgo inglês, em amplo sentido, foi grande responsável pela formação do homem moderno, lançando, no seu teatro, as bases para a compreensão das potencialidades humanas. “É quando vemos a emergência do sujeito autônomo a fazer suas escolhas, consciente ou em processo de conscientização da sua força. O Renascimento é o período da recolocação do homem no centro de significado da história”.

          Flávia Morais recorda outro escritor, o polonês Jan Kott, autor de Shakespeare, nosso contemporâneo, para sustentar que sempre é possível fazer uma releitura da obra shakespeariana, adaptando-a à contemporaneidade. “É um teatro que se mostrou capaz de se adequar a diversos tempos. Acredito, comungando com a convicção de inúmeros estudiosos, que Shakespeare nunca será silenciado”.
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MAURO RASI
(1949 - 2003)




Biografia

          Mauro Perroca Rasi (Bauru SP 1949 - Rio de Janeiro RJ 2003). Autor e diretor. Dramaturgo de peças baseadas em sua vida familiar, como Pérola e A Estrela do Lar, Mauro Rasi passa do besteirol da década de 80 ao sucesso que, na década de 90, o eleva à categoria de um dos mais bem-sucedidos comediógrafos do país.

          Seu primeiro texto a ser encenado é A Massagem, com direção de Emílio Di Biasi, em 1971. Seguem-se Ladies na Madrugada, por Amir Haddad, 1974, Se Minha Empregada Falasse, por Nelson Xavier, 1978, e duas parcerias com Vicente Pereira em À Direita do Presidente e As Mil e Uma Encarnações de Pompeu Loredo, ambas encenadas em 1980.

          Na década de 80, torna-se um dos principais autores da comédia apelidada de besteirol, entre elas, A Mente Capta, 1982, A Família Titanic - A Família que Afunda Rindo, 1984. É um dos autores de Doce Deleite, interpretado por Marília Pêra e Marco Nanini, e de Pedra, a Tragédia, 1985.

          No final da década, inicia um ciclo de peças memoriais em que, tendo como ambiente dramático sua própria família, reveste de comicidade os conflitos psicológicos. O primeiro texto dessa série é Cerimônia do Adeus, encenado no Rio de Janeiro, sob a direção de Paulo Mamede, em 1987, e, em São Paulo, sob a direção de Ulysses Cruz, em 1988. A montagem carioca lhe vale os prêmios Shell, Molière e Mambembe.
          Na peça, o jovem Juliano, alter ego do autor, identificado com a mãe oprimida e limitada pela existência doméstica e vida interiorana, encontra nos livros a possibilidade de romper com seus limites, materializando o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir dentro de seu quarto. Para o crítico Macksen Luiz, o humor é o elemento que norteia o texto: "Apesar do indisfarçável tom confessional, a peça é uma construção dramatúrgica milimetricamente elaborada para que se atinjam efeitos precisos".1

          A crítica Tania Brandão considera que, comparativamente aos textos anteriores, o autor obtém grandes avanços técnicos: "As marcas pessoais e de estilo estão presentes, mas há um acabamento muito melhor da ação, da trama e dos personagens. Ao lado do humor corrosivo, do mergulho consciente no absurdo e no insólito, das auto-referências complacentes, do apelo ao patético, há mais objetividade na ação, menos dispersão nos diálogos, personagens menos 'chapados'." 2

          A partir do segundo texto, Mauro Rasi passa a dirigir os espetáculos de sua autoria. A Estrela do Lar, protagonizado por Marieta Severo, recebe o Prêmio Molière de melhor autor. Em 1991, O Baile de Máscaras, lhe vale o Prêmio Shell. Encena em seguida Viagem a Forli, 1993, no Teatro dos Quatro. A montagem de Pérola, protagonizada por Vera Holtz, lhe vale todos os prêmios do ano de 1995, e o espetáculo permanece cinco anos em cartaz. Seguem-se A Dama do Cerrado e As Tias, ambos em 1996, O Crime do Dr. Alvarenga, 1999, e Alta Sociedade, com Fernanda Montenegro, em 2001.

              Citando o espetáculo Pérola como um dos destaques do teatro carioca nos anos 90, Macksen Luiz analisa a trajetória do autor: "Pérola, um dos maiores sucessos de público do teatro brasileiro desta década, desde sua estréia no Rio em 1995, essa peça de Mauro Rasi, concluiu o ciclo de textos desse autor nascido no interior de São Paulo, mas com a sua carreira desenvolvida dentro da geografia carioca. Oriunda do besteirol, gênero de comédia surgido no Rio de Janeiro e que usa o humor pelo humor numa aposta no descompromisso e na crítica banal de costumes, Mauro Rasi renegou o estilo desde que iniciou a sua dramaturgia biográfica com Cerimônia do Adeus. Em peças que recriam suas experiências familiares e suas angústias pós-adolescentes, Mauro Rasi empresta a seus textos - como Estrela do Lar e Viagem a Forli, além de Pérola - uma atmosfera algo absurda, algumas vezes até fantástica, para tratar de um universo pequeno burguês, provinciano. (...) Mauro Rasil definiu um estilo autoral em que esse pequeno cotidiano ganha a dimensão de um épico doméstico, no qual as personagens exaltam a imaginação delirante para conviver com a banalidade".3

Notas

1. LUIZ, Macksen. Rito de passagem. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 01 out. 1987.

2. BRANDÃO, Tânia. Besteirol de luxo. O Globo, Rio de Janeiro, 02 out. 1987.

3. LUIZ, Macksen. O teatro carioca nos anos 90. Sete Palcos. Coimbra, Portugal, n. 3, p. 27, set. 1998_____________________
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural Teatro

O COLETIVO PAM (PRIMUS ARTE E MOVIMENTO) ASSUME OCUPAÇÃO ARTÍSTICA DO TEATRO GLAUCE ROCHA ATÉ O FINAL DE 2013




          O Coletivo: Primus Cia de Atores, Fluxos Produções Artísticas, Carla Chueke, Studio Oficina, Roberto Padula e Robson Agra, assumem a direção artística do teatro Glauce Rocha no Centro do Rio.

          Além de espetáculos teatrais adultos e infantis, a ocupação coloca em cena dança, palestras, oficinas e workshops com profissionais nacionais e internacionais. As artes plásticas também fazem parte da programação. Pela primeira vez o Glauce Rocha, após passar por reformas, abre a Sala Aloísio Magalhães, espaço exclusivo para exposições e instalações.

          “Criamos 4 eixos de trabalho: Studio Primus, que tem o formato de talk show com entrevistas feitas pelo diretor Amir Haddad; Fluxos de Cena onde grupos de teatro levam cenas de espetáculos em montagem para discussão; Fluxorama com varias atividades como leituras dramatizadas, debates e shows de música que funciona como um caldeirão criativo e Oficinas gratuitas de interpretação que pretendem capacitar atores”, explica o diretor artístico da ocupação, Alexandre Pontara.

          Ao longo de 8 meses mais de 50 produções fazem parte do cardápio da ocupação: 15 espetáculos adultos, 8 infantis, agenda de exposições e programação especial. Entre os espetáculos adultos estão “Dzi Croquettes em Bandália” com texto e direção de Ciro Barcelos; “Calango Deu” com texto e atuação de Suzana Nascimento e direção do Isaac Bernart; “A Serpente”, de Nelson Rodrigues e direção de Ivan Sugahara; “O Não-Lugar Ágada Tchainik”, monólogo do Lume Teatro interpretado por Naomi Silman e dirigido pela canadense Sue Morrison; Trilogia da Condição Humana, formada pelos espetáculos ‘Blake’, ‘O Mastim’ e ‘Fausto Zero’ da Cia residente da ocupação Primus Cia de Atores.

          Na programação infantil estão na agenda as peças “Sherazade, a Rainha do Saara” de Suzana Abranches e direção de Isaac Bernart; Uma Peça como eu Gosto de Marcelo Morato dirigida pelo Lucio Mauro Filho; Humanimal de Anne Westphal, Juliana Coutinho e Paula Preiss; O Pássaro Azul com texto de Maurice Maeterlinck e direção de Ricardo Galvão da Primus Cia de Atores.

           “Nossa proposta, durante os oito meses de ocupação, é tornar o Glauce Rocha uma referencia cultural na cidade”, conclui o diretor.

O Coletivo

          O projeto Primus Arte Movimento reúne um time de jovens produtores, atores e diretores que investem na formação de plateia, troca de experiências entre o alternativo e o consagrado, e no contato mais íntimo entre público e artistas. Idealizada pela Primus Cia de atores e pela Fluxos Produções Artísticas, a ocupação é uma grande parceria com o Studio Oficina, Carla Chueke, Roberto Padula e Robson Agra.

Sobre os 4 eixos de trabalho:

Studio Primus – Por Dentro da Cena

          Um dos carros-chefes da ocupação, o projeto se inspira no célebre talk show norte-americano Actors Studio. Todo mês, sempre às quartas-feiras, atores, diretores, produtores e dramaturgos são entrevistados pelo diretor Amir Haddad.

Fluxos de Cena - Série de encontros entre artistas, publico e profissionais com o objetivo de discutir e refletir a linguagem do teatro, dança e performance que estão sendo desenvolvidos. Uma vez por mês, grupos cariocas apresentam cenas de espetáculos que estão em fase de montagem e abrem para discussão.

Fluxorama – Grande caldeirão criativo, que concentra atividades como debates, palestras, saraus, shows, leituras dramatizadas entre outros.

Oficinas gratuitas de interpretação - Com o intuito de capacitar atores que possam se inserir em produções cinematográficas internacionais em eventos esportivos internacionais como a Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016, a ocupação realiza oficinas de interpretação em português e ingles. Entre os professores estão: o coach e diretor americano Robert Milazzo da Modern School of Film, o diretor grego Sotiris Karamesinis, os integrantes da Primus Cia de Atores - Ricardo Galvão e Alexandre Pontara.

www.pampampampam.com.br

Informações para a imprensa:

LEAD Comunicação

(21) 2222-9450 / 9348-9189

leadcom@terra.com.br













segunda-feira, 24 de junho de 2013

PLANCHON, UMA VIDA QUE SE CONFUNDE COM O MELHOR TEATRO


Deolinda Vilhena

           Com as mortes de Jean Vilar, em 1971, e de Jean-Louis Barrault, em 1994, Roger Planchon (1931-2009) tornou-se o último dos moicanos ou a última testemunha viva do teatro francês do pós-guerra e do Teatro Nacional Popular dos anos de ouro (1950-1960). Ele foi durante mais de meio século uma personalidade emblemática do teatro francês. O mestre de toda uma geração. A referência. Com sua morte, uma das mais importantes etapas da história do teatro contemporâneo chega ao fim.

          E pensar que, ainda outro dia, o “encenador-cowboy”, como ele se apresentava lembrando suas origens rurais – da região de Ardêche, estava em cena. Na verdade entre 4 de março e 19 de abril ele esteve no palco do teatro Silvia-Monfort em Paris, com a peça “Amédée ou comment s’en débarrasser”, ao lado da mulher, a atriz Colette Dompietrini, festejando a sua maneira os 100 anos de nascimento de Ionesco, que ele bem conhecera no começo de sua aventura na Lyon dos anos 50. Encenador, diretor de teatro, ator, autor e cineasta, Planchon morreu em casa, “trabalhando” como disse seu filho Stéphane aos jornais, pois que estava lendo uma peça de teatro, quando se sentindo cansado, deitou-se e o coração o traiu.

           Planchon antes mesmo de completar 20 anos de idade construiu em uma cave de 90 lugares o seu primeiro teatro, em Lyon, onde ao lado de Jean Bouise, Isabelle Sadoyan e Jacques Rosner, montou Ionesco, Brecht, Vitrac, Adamov e Michel Vinaver. Três anos mais tarde queria mais e troca Lyon por Villeurbanne, onde o prefeito Etienne Gagnaire, coloca à sua disposição o Teatro da Cidade Operária de Villeurbanne, mais tarde simplesmente Teatro da Cidade, que, em 1972, passar a ser o Teatro Nacional Popular. O TNP, sigla prestigiosa que pertencia a Jean Vilar e que o Ministério da Cultura transferiu a Roger Planchon por considerá-lo o único digno de receber esta herança.

          Dono de um senso político sem igual foi de forma bem natural que o “patrão” do TNP transformou-se num dos líderes do movimento de Maio de 1968. Não por acaso a Declaração que discute o futuro dos profissionais de teatro na França é assinada em Villeurbanne.

          Em 1971, ele inova mais uma vez trazendo Patrice Chéreau para co-dirigir o teatro de Villeurbanne em sua companhia. Uma parceria que durou dez anos e que Planchon renovaria entre 1986 e 1996, dessa vez ao lado de Georges Lavaudant. Filhos que ele escolheu e hoje, choram sua morte.

          Chéreau no Le Monde datado de 13 de maio diz assim: “um dia, este senhor decidiu – algo que foi copiado mais tarde – que íamos dirigir um teatro juntos, ele e eu, o seu teatro. Que num teatro, havia a necessidade de anexar ao diretor uma criança insuportável que tornaria sua vida difícil. Foi a grande aventura do TNP em Villeurbanne, com Robert Gilbert. Dirigir um teatro, em igualdade de condições, eu que começava e trabalhava então na Itália, e ele, instalado nesta cidade há quase vinte anos. Ele me deu as chaves de sua casa para compartilhá-la e sacudi-la. Foi o que eu fiz. Pensávamos que ele era incansável, nos enganamos. Obrigado a você, Roger, que sempre acreditou nos poderes maravilhosos do teatro e nos fez compartilhá-los”.

           O TNP foi a sua vida. Ele o deixou recentemente, prestando muita atenção a sua sucessão. Como Jean Vilar, Roger Planchon defendia um teatro “serviço público”, um teatro de alta exigência literária, poética e tinha o mais profundo respeito para com o público.

           Fez do teatro de Villeurbanne, dos primórdios até hoje, com Christian Schiaretti como seu sucessor e com o edifício em obras, um dos locais mais importantes da criação teatral na Europa. Lá Planchon encenou e acolheu os maiores dos maiores: Pina Bausch, Bob Wilson, Kantor, Matthias Langhoff. O renome internacional do TNP fez com que os grandes encenadores o incluíssem como parada obrigatória em suas turnês.

          Entenderam o porquê da minha paixão por Planchon? Pois é, mas ela vai, além disso. Tem a ver com minha paixão pela França, pelos seus ideais revolucionários, pela divisa de Liberdade, Igualdade, Fraternidade; pelo temperamento brigão do francês médio que, o sempre cordeiro, povo brasileiro confunde com mau humor, e que me fazia rir nas filas do supermercado vendo o bate boca porque o caixa do supermercado não tinha um centavo de euro para dar de troco ao cliente, que se sentia lesado e não podia admitir isso, coisa que aqui acontece diversas vezes ao dia, e quando penso nas nossas diferenças penso sempre numa frase, infelizmente desconheço o autor, que diz assim: “um povo que não luta pelos seus direitos verdadeiramente não merece tê-los”. Na França eles não vacilaram e cortaram a cabeça do Rei; quando cortaremos ao menos a cabeça dos nossos vereadores, deputados estaduais e federais, senadores???

          Talvez, isso explique porque o Brasil chega ao século XXI sem ter sido capaz de fazer a sua revolução. A não ser que levem a sério a piada que chama o Golpe Militar de 64 de Revolução. E eu, ingênua, ainda sonho em ver em prática uma verdadeira política cultural que livre nosso teatro desses ares de eterno e moribundo mendigo… tolinha que sou!
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Deolinda Vilhena é jornalista, produtora, Doutora em Estudos teatrais pela Sorbonne, pós-doutoranda em Teatro na ECA/USP com bolsa da FAPESP. Artigo postado no blog PATCHWORK CULTURAL em 15/05/2009



O "Círculo Max Weber de Heidelberg"...(3)

Parte III: O "Círculo" e o Expressionismo alemão.
Max Weber


           Também na Alemanha, o fascismo (ou a reação) não é necessariamente o desaguadouro do anticapitalismo romântico dos intelectuais, escritores e universitários. Se tomarmos como ponto de referência o círculo de Max Weber de Heidelberg, que foi um dos principais focos de irradiação desta corrente, encontramos uma “ala esquerda”, que se tornará marxista, revolucionária, e bolchevique no pós-guerra. Esta “esquerda de Heidelberg” dará ao movimento comunista um grande filósofo marxista, utópico-messiânico – Ernst Bloch – um poeta, dramaturgo e comandante do Exército Vermelho da República dos Conselhos da Baviera (1919) – Ernst Toller – e, finalmente, o maior filósofo marxista do século XX e comissário do povo na República húngara dos Conselhos (1919) – Gyorgy Lukacs.

           Toller representa o desenvolvimento expressionista revolucionário do romantismo anticapitalista. Sua primeira educação política tem lugar em 1916-1917, junto a Max Weber em Heidelberg, mestre do qual ele presta homenagem em seu romance autobiográfico, Uma Juventude na Alemanha (1933):

          “A juventude une-se a Max Weber; sua personalidade, sua probidade intelectual atraem-na para ele...Nas conversas noturnas revela-se a natureza combativa deste erudito. Com palavras, que colocam em perigo sua liberdade, sua própria vida até, ele revela as misérias do Reich. Ele vê no Imperador o mal principal...”.

          Em seguida, sofre a influência utópica do grande pensador anarco-sindicalista Gustav Landauer (descrito por seu amigo Martin Buber como “conservador revolucionário”) que queria substituir a cidade capitalista por uma Gemeinschaft rural, uma aldeia socialista simultaneamente agrícola e industrial, da qual o ponto de partida deveriam ser as tradições camponesas comunitárias conservadas, renovadas e desenvolvidas. Em 1917, Toller corresponde-se com Landauer, cujo Apelo ao Socialismo (1915) “tocou-o e determinou-o de forma decisiva”. De início simplesmente pacifista, enojado com a guerra (que viveu pessoalmente como convocado) o jovem poeta vai evoluir rapidamente para uma posição anticapitalista:

          “Os politiqueiros enganam-se a si mesmos e enganam os cidadãos, chamam de ‘ideais' a seus interesses e, por estes ‘ideais’, pelo ouro, pela terra, pelas minas, pelo petróleo, por todas estas coisas mortas, os homens estão famintos, desesperados e são mortos por toda a parte. A questão de saber de quem é a culpa da guerra empalidece ao lado da culpa do capitalismo.”

          Vai então se revoltar, em nome de seu pacifismo ardente, contra a economia e o estado capitalistas, esses Golems, esses falsos ídolos que reclamam sacrifícios ilimitados da vidas humana.

           Preso durante uma manifestação operária contra a Guerra, em Munique, Toller escreve da prisão, em 1917-1918, um drama romântico-expressionista que o tornará célebre, A Mutação (Die Wandlung), no qual se encontram grandiosas visões idealistas e messiânicas:

“Agora abrem-se saídas do seio do universo
As altas portas arqueadas da catedral da humanidade
A juventude ardente de todos os povos se lança
À caixa luminosa de cristal, que percebe na noite.”

          Tendo aderido ao USPD – Partido Social Democrata Independente – cisão de esquerda da SPD em 1917 e estabelecido ligações da amizade com seu dirigente Kurt Eisner (socialista neo-kantiano e presidente do Governo de esquerda da Baviera), Toller tornar-se-á – após o assassinato de Eisner por um aristocrata reacionário – um dos chefes da efêmera República dos Conselhos da Baviera.

          As participações de Toller, do poeta expressionista Erich Müsahm e de Gustav Landauer na Comuna de Munique de abril de 1919, mostram bem quanto, malgrado sua confusão e limitação ideológicas, essas correntes expressionistas e neo-românticas podem ganhar uma dimensão revolucionária autêntica.

          Lukács, em seu célebre ensaio sobre A Grandeza e a Decadência do Expressionismo (1934), sublinha o parentesco dessa corrente artística com o anticapitalismo romântico, e particularmente com a crítica cultural do capitalismo, tal como ela se encontra, por exemplo, em A Filosofia do Dinheiro de Simmel. Além disso, Lukács tende a destacar as ligações entre expressionismo e a ideologia do USPD, citando como exemplo típico de sua unidade precisamente o caso de Toller em Munique.

          Entretanto, de maneira estranha e unilateral, não vê nesses dois movimentos (político e artístico) senão “a hesitação da pequena burguesia em face da revolução proletária eminente...o medo em face do “caos” da revolução”. E conclui com esta observação feroz, na qual se sente um ranço do sectarismo do “Terceiro Período”do Komitern: “As duras lutas dos primeiros anos da revolução e seus primeiros fracassos na Alemanha destroem de maneira cada vez mais clara as pseudo diferenças entre a retórica revolucionária e os gemidos dos que capitularam. E acontece então o fim – simultaneamente à dissolução do USPD numa coincidência temporal que não é devida ao acaso – do expressionismo como corrente literária na Alemanha.”

          Ora, Lukacs silencia sobre o fato de que o desaparecimento do USPD teve lugar no Congresso de Halle, quando a maioria dos delegados decide a fusão com o PC alemão, partido ao qual adere também (como muitos escritores expressionistas) Ernst Toller, após haver passado muitos anos na prisão por suas funções como cabeça da República dos Conselhos e do Exército Vermelho da Baviera.

          O esquematismo de Lukacs torna-se ainda mais surpreendente quando ele pretende que “o expressionismo é, sem dúvida, uma das múltiplas correntes ideológicas burguesas que desemboca mais tarde no fascismo; seu papel ideológico de preparação não é maior – nem menor – que o de diversas outras correntes contemporâneas.”

          Três anos depois da publicação do ensaio de Lukács, os nazistas organizaram a tristemente célebre exposição Art Degenere (Arte Degenerada), na qual figuravam praticamente todos os pintores expressionistas conhecidos. Em uma nota acrescentada a seu artigo em 1953, Lukacs proclama imperturbavelmente: “O fato dos nacional-socialistas terem rejeitado mais tarde o expressionismo como ‘arte degenerada’ não muda em nada a exatidão histórica da análise naqui exposta”. O mínimo que se pode dizer (sem querer negar a ambigüidade ideológica da corrente) é que uma análise histórica que ignora a dimensão revolucionária do expressionismo e o reduz a um precurso da ideologia nazista está muito longe de ser “exata”...
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Extraído de: Michael Löwy, "Para Uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários", Ed.LECH - 1979 - pags. 42-46.




MIGUEL DE UNAMUNO
(1864 -1936)


          Filólogo, poeta, romancista e filósofo espanhol, Miguel de Unamuno desafiou os franquistas dizendo: "Vencereis, mas não convencereis". Pensador apaixonado pelos problemas de seu tempo, Unamuno é considerado um dos expoentes da chamada "geração de 98" da inteligência espanhola e precursor do existencialismo em seu país.

           Mais do que não apresentar um caráter sistemático, sua filosofia primou por negar a possibilidade de qualquer sistema. Sua obra literária caracterizou-se pela ruptura com os gêneros convencionais.

          Unamuno passou a infância em sua cidade natal, onde fez os primeiros estudos. Em 1880, transferiu-se para a capital espanhola. Na Universidade de Madri, cursou filosofia e letras, doutorando-se quatro anos mais tarde, com uma tese sobre a língua basca.

           Regressou, então, a Bilbao, onde permaneceu até 1891. Nesse ano, obteve a cátedra de grego na Universidade de Salamanca, cidade em que se radicou. Também em 91, casou-se com Concha Lizárraga, de quem havia se apaixonado ainda menino.

          Em 1894, Unamuno abandonou as idéias positivistas que cultivara e aderiu ao socialismo. Três anos mais tarde, abandonou o Partido Socialista e viveu um momento de crise pessoal e depressão.

          Nomeado reitor da Universidade de Salamanca, em 1901, Unamuno exerceu o cargo até 1914, quando foi destituído por suas posições políticas. Viria a reassumi-lo e ser afastado novamente outras vezes, sempre em função das circunstâncias políticas espanholas e da posição que tomava em relação a elas.

          Defensor de idéias republicanas, Unamuno escreveu um artigo considerado injurioso ao rei Afonso 13 e foi deportado para a ilha de Fuerteventura, no arquipélago das Canárias, em 1924. Apesar de anistiado, o pensador se exilou na França, onde permaneceu até 1930.

          Em 1931, com a proclamação da República, Unamuno assumiu novamente o cargo de reitor em Salamanca. O desencanto com o governo republicano e seu entusiasmo pelos militares rebeldes, comandados pelo general Francisco Franco, provocaram uma nova destituição em 1936 - início da guerra civil espanhola.

          No mesmo ano, contudo, foi reconduzido ao cargo pelos franquistas que dominaram a cidade. Pouco depois, por criticá-los, perdeu-o mais uma vez. Tratou-se de um episódio célebre em que discursou, afirmando diante de autoridades militares: "Vencereis, mas não convencereis".

          Foi contestado pelo general Millán-Astray que pronunciou a frase que se tornaria uma expressão da brutalidade do fascismo espanhol: "Abaixo a inteligência e viva a morte!". Unamuno respondeu simplesmente com um "Viva a vida!" e deixou o auditório sob escolta.

          Passou seus últimos dia de vida em prisão domiciliar. De sua obra, podem-se destacar as narrativas "Paz na Guerra" (1895) e "Névoa" (1914); os poemas de "Poesias" (1907) e "Andanças e Visões Espanholas" (1922); e os ensaios filosóficos "Vida de Dom Quixote e Sancho" (1905) e "A Agonia do Cristianismo" (1925).
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Fonte: Enciclopedia Gran Espasa Universal, Madri (2007)



sábado, 22 de junho de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Garras curvas e um canto sedutor"


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Instigante empreitada teatral



Lionel Fischer



Numa cartinha entregue a cada espectador, a autora Daniele Avila Small confessa, de forma sincera, divertida e amorosa, que se apossou do conto "Cathedral", de Raymond Carver, para criar o presente texto - e a carta é endereçada ao autor, o que lhe confere ainda maior singularidade. E durante o espetáculo é lido "O corvo", um dos mais conhecidos e complexos poemas de Edgar Allan Poe (1809-1949).

Como não li o conto, não tenho como avaliá-lo e muito menos o tipo de apropriação de que se valeu Daniele Avila. Mas sobre "O corvo" já me debrucei várias vezes, assim como li dezenas de interpretações sobre o mesmo, em geral discordantes. Essencialmente, o poema nos mostra um homem atormentado pela morte da amada Lenora, tendo o narrador que enfrentar seus fantasmas e confrontar-se com seu lado obscuro, materializado ne enigmática figura de um corvo. 

Em cartaz na Sala Rogério Cardoso da Casa de Cultura Laura Alvim, "As garras curvas e um canto sedutor" nos mostra um casal que recebe uma visita em sua casa. A ação se passa à noite. Robert - que é cego e veste-se de negro - é amigo de Marina e os dois se correspondem há anos por fitas. O marido de Marina (João) encara com desconfiança e um certo ciúme a presença deste homem que até então não conhecia.

Num dado momento, como já dito, Marina lê "O corvo". Tal leitura, ao que me parece, deve ter alguma relação com a presença de Robert. Mas, ao contrário do que acontece no poema, em que o narrador vai progressivamente sendo tomado pelo terror - todas as estrofes terminam com a mesma fala do corvo: "Nunca mais!" -, aqui o desfecho é otimista, graças à forma como Robert estimula o marido de Marina a encarar a vida de outra forma - obviamente que não revelarei como isto se dá, pois isso privaria o espectador de uma impactante surpresa.

Seja como for, e ainda que não tenha chegado a uma conclusão definitiva sobre a possível analogia entre a ave do poema e o visitante noturno, o que importa ressaltar é que Daniele Avila Small escreveu um texto enxuto, contendo bons personagens e que prende a atenção do espectador.

Dirigido com sobriedade por Felipe Vidal e interpretado com segurança por Ângela Câmara (Marina), Leandro Daniel Colombo (João) e Rafael Sieg (Robert), o presente texto faculta ao público múltiplas interpretações, sendo a minha a de que sempre será possível transcender nossas dificuldades, desde que estejamos abertos a experimentar novas e impensadas possibilidades.

Na equipe técnica, são corretas as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta breve e instigante empreitada teatral - Aurora dos Campos (cenografia), Tomás Ribas (iluminação), Flávio Souza (figurinos), Felipe Vidal (dureção musical) e Felipe Khoury (preparação corporal).

GARRAS CURVAS E UM CANTO SEDUTOR - Texto de Daniele Avila Small. Direção de Felipe Vidal. Com Ângela Câmara, Leandro Daniel Colombo e Rafael Sieg. Porão da Laura Alvim. Quartas e quintas, 21h.






sexta-feira, 21 de junho de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Os sapos"

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Elas escutam, mas não coaxam



Lionel Fischer



Sempre fui fascinado por títulos. E antes de começar a escrever o que se segue, coloquei-me a seguinte questão: por que a autora Renata Mizrahi resolveu batizar de "Os sapos" seu último texto, que estreou ontem no Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim? Poderia tentar encontrar uma resposta satisfatória baseando-me apenas no texto e no espetáculo, mas resolvi fazer uma breve pesquisa.

Todos sabemos o que é um sapo, que praticamente em tudo se assemelha a uma rã. Mas não sabia que existem cerca de 4.800 espécies de sapos e dentre elas dez que são consideradas "as mais esquisitas". Uma delas, a rã-golias - um dos maiores anfíbios da terra - foi a que me mais me intessou, pois escuta mas não coaxa. Ou seja: ouve mas não responde. Por que será que se mantém em silêncio? Por que será que não reage aos estímulos sonoros que recebe? 

É muito provável que Renata Mizrahi jamais tenha ouvido falar da rã-golias. No entanto, e curiosamente, seu texto se presta a uma singular analogia com este anfíbio, ao menos em termos metafóricos, pois o texto, embora aborde vários temas, tem como central a incapacidade dos personagens de reagirem ao que escutam, e assim  modificar uma realidade completamente insatisfatória. 

Com direção assinada pela autora em parceria com Priscila Vidca, "Os sapos" tem elenco formado por Gisela de Castro (Luciana), Paula Sandroni (Fabiana), Peter Boos (Claudio), Ricardo Gonçalves (Marcelo) e Verônica Reis (Paula).

O enredo é simples. Luciana e Marcelo possuem uma casa de campo (Luciana é quem paga o aluguel) e mantém uma relação de oito anos, que mais adiante constatamos ser bastante insatisfatória. Claudio (músico provavelmente medíocre) e Fabiana (escritora de um só livro, que provavelmente jamais será publicado) também possuem uma casa nas imediações e uma relação em que Fabiana se submete a todas as vontades do marido. No entanto, as aparências sugerem que tudo transcorre no melhor dos mundos, como diria mestre Pangloss (personagem de "Candido ou o Otimismo", de Voltaire).

Um dia, porém, surge Paula, amiga de infância/adolescência de Marcelo, por ele convidada a passar uns dias na casa, justamente com outros amigos de 20 anos atrás. Mas logo fica claro - ao menos para mim - que Paula foi a única convidada, o que desperta compreensível inquietação em Luciana. E pouco a pouco, e ainda que involuntariamente, Paula (que terminou uma relação amorosa há uma semana) contribui para o aflorar de múltiplas e graves contradições em um universo que parecia perfeitamente ordenado.

De início, pequenas desavenças. Mais adiante, estas se tornam mais acirradas. E finalmente a violência explode, levando a plateia a crer que nada mais poderá seguir como antes. No entanto, ocorre exatamente o oposto. Fabiana, que ameaçara deixar o marido, volta com ele para casa, o mesmo ocorrendo com Luciana, que também diz que vai embora mas permanece com Marcelo, apesar de ter plena consciência do fracasso da relação de ambos. Os estímulos foram suficientes, mas as reações são nulas. Teriam ambas algum tipo de parentesco com as rãs-golias?

Bem escrito, contendo ótimos personagens e diálogos cuja fluência e profundidade (afora momentos de muito humor) mantém o espectador atento e interessado durante toda a apresentação, "Os sapos" recebeu ótima versão cênica de Priscila Vidca e Renata Mizrahi, que impõem à cena uma dinâmica criativa e diversificada, capaz de valorizar todos os conteúdos.

E ambas exibem o mérito suplementar de haver extraído irrepreensíveis atuações de todo o elenco, com todos os intérpretes extraindo o máximo dos ótimos personagens criados pela autora. E a esta parabenizo com grande entusiasmo por ter produzido o espetáculo com seus próprios recursos, recusando-se a permanecer refém de patrocínios só muito raramente obtidos.

Na equipe técnica, Lorena Lima e Nello Marrese assinam uma cenografia simples e despojada, perfeitamente adequada ao contexto em que se dá a ação. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Bruno Perlatto, na iluminação de Renato Machado e na direção musical e sonoplastia de Marcelo Alonso Neves.

OS SAPOS - Texto de Renata Mizrahi. Direção de Renata e Priscila Vidca. Com Gisela de Castro, Paula Sandroni, Peter Boos, Ricardo Gonçalves e Verônica Reis. Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h30



    

terça-feira, 18 de junho de 2013

O gesto teatral de Roland Barthes


Artigo extraído da revista CULT.

A idéia de teatralidade transborda a noção habitual. Barthes vê teatro em toda parte.

           A teatralidade acompanha cada momento do trabalho de Roland Barthes. É uma obsessão determinante e produtiva: produz os efeitos maiores de um pensamento tanto mais coerente quanto mais descontraído e divagante. Barthes não se interessou primeiro pela questão da teatralidade. Também não se tornou propriamente um teórico desta. Mas levou a reflexão para além das categorias, dos campos e dos objetos esperados.

          Barthes interessou-se inicialmente pelo teatro. Nos anos de 1930, estudante na Sorbonne, foi um dos fundadores do Grupo de Teatro Antigo; representou assim, com algum receio, o papel de Dario nos Persas de Ésquilo. Nos anos de 1950, com Bernard Dort, foi um dos pilares da revista Théâtre Populaire, fundada na esteira do Théatre National Populaire de Jean Vilar, e abrigada cada vez mais radicalmente sob o signo do teatro materialista de Bertold Brecht. Não é sabido e nunca é demais dizê-lo: Roland Barthes escreveu então dezenas de artigos sobre teatro1, e eles estão na origem de sua notoriedade, tanto quando a publicação de O grau zero da escrita ou as crônicas das Mitologias, estampadas durante vários anos na revista de Maurice Nadeau Les Lettres nouvelles.

          Acontece, porém, que o teatro transborda o teatro propriamente dito. Barthes vê o teatro em toda parte. Releiamos a abertura de O grau zero (1953): o que lhe interessa não é tanto a literatura, nem mesmo a escrita, mas “o teatro dos signos” exibido em cada novo livro, cada novo estilo, cada nova estética, para existir e ser reconhecido. E o volume inteiro das Mitologias (1957) explica e denuncia como a produção arranjada dos signos glorifica os produtos do consumo de massa, um novo carro, um novo esporte ou uma nova revista.

          Poderíamos então acreditar que, ao passar a um estruturalismo arrazoado (nos anos de 1960), e depois a um textualismo desenfreado (nos anos de 1970), Barthes abandona a questão da teatralidade. Não é tão simples, primeiramente, porque tal periodização de seu trabalho é grosseira e enganadora, e também porque é justamente o contrário que acontece: a teatralidade permanece ligada a todos os conceitos maiores de Barthes, como a estrutura, o prazer ou o neutro.

          É que a teatralidade não é o teatro: ela seria mais a suspensão, ou a divisão, ou a contradição. Barthes se opõe ao que ele gosta de chamar de “histeria” do teatro ocidental, do classicismo ao naturalismo. É também essa rejeição da histeria que justificará, por muito tempo, sua resistência a Antonin Artaud (1896-1948). Barthes busca, pelo contrário, impor o modelo do distanciamento brechtiano. O “teatro múltiplo” de Brecht é aquele que mostra, que cita e repete, é o teatro que recorta os gestos, compõe as figuras, interrompe as narrativas, é o teatro que não visa a exprimir o sentido, mas a transformar o real. É o teatro do gestus.
           Barthes gosta dessa noção de Brecht e a define como “o esquema histórico que está no fundo de cada espetáculo”2. Ele colhe aí sua célebre definição da teatralidade, curiosamente aparecida num artigo sobre o teatro de Baudelaire: “A teatralidade é o teatro menos o texto, uma espessura de signos e de sensações que se edifica no palco a partir do argumento escrito, é aquela espécie de percepção ecumênica dos artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes, que submerge o texto sob a plenitude de sua linguagem exterior” (OC, II, 304).

           Em suma, a teatralidade consiste, ao mesmo tempo, em produzir um signo e denunciá-lo: o que contribui para desalienar a representação. É exatamente o que Barthes não cessará de repetir acerca da teatralidade dos signos literários, de O grau zero da escrita a Fragmentos de um discurso amoroso, é “o gesto fatal pelo qual o escritor aponta, com o dedo, a máscara que usa” (OC, I, 195). Daí as análises sempre materialistas de Barthes, que inscreve cada escrita num conceito historicamente determinado do modo de representação que ela dá a si mesma.

          A tarefa do mitólogo, a tarefa do crítico literário? Uma tarefa teatral, realizar um gestus. Como no teatro brechtiano: tomar um objeto, expô-lo, explicá-lo, distanciá-lo. E é essa desalienação que o oferece ao leitor, ao espectador. Eis porque o teatro de Barthes poderá ser ao mesmo tempo sinalético e existencial, enfático e empático. Desde o artigo de 1954 sobre Baudelaire, Barthes redobra sua definição da teatralidade: ele a vê também no “sentimento, no próprio tormento, por assim dizer, da corporeidade perturbadora do ator” (OC, II, 206). É essa perturbação corporal que produzirá os textos dos dez últimos anos.
          O livro no qual Barthes realiza e, ao mesmo tempo, transborda a análise estrutural da narrativa, S/Z (1970), trata de uma novela de Balzac que encena um jogo erótico e fúnebre de máscaras em torno de um castrado. Em Sade, Fourier, Loyola (1971), que parecia anunciar a volta do autor em carne e osso, que se acreditava desaparecido para sempre da análise textual, a leitura do anonimato das figuras sadianas toma corpo “assistindo a um espetáculo de travestis num cabaré parisiense” (OC, III, 813). Lê-se também, no prefácio, que “teatralizar é ilimitar a linguagem”. As categorias que se colocam, o jogo dessas oposições que transbordam todo paradigma, o romanesco oposto ao romance, a estruturação oposta à estrutura, a produtividade oposta ao produto, definem a teatralidade do texto, pois, a cada vez, o primeiro termo distancia o segundo, diz Barthes, como um “gesto anafórico sem conteúdo significativo” (OC, III, 501).

          É também depois de suas viagens ao Japão, no fim dos anos de 1960, que outro modelo teatral apareceu. Barthes se apoiará, aliás, na fascinação de Brecht pelo teatro oriental, para reforçar a coerência de seu propósito. O que o assombra, nas formas do kabuki, do bunraku ou do nô, é uma relação com a morte que não passa por uma crença histérica, mas que se expõe, “sem significação, mas fazendo apelo à profundidade de todo signo possível”, para retomar uma fórmula de Maurice Blanchot (1907-2003) citada em A câmara clara (OC, V, 973). Nessa força misteriosa do teatro japonês, Barthes vê um prolongamento dos efeitos da máscara antiga e, de maneira mais moderna, vê aí uma variação sobre os efeitos daquilo que ele chamou, desde O grau zero até seus últimos cursos no Collège de France, O neutro.

          A proeza, a coerência de Barthes é já ter falado do neutro a respeito de Brecht. Não há distanciamento, diz ele, sem um jogo dialético entre a forma neutra do fundo cênico e a forma significante do objeto teatral. Aliás, é sempre assim que Barthes lerá a imagem: toda imagem, segundo ele, condensa um uso dialético do signo como sinal, e um uso neutro do silêncio imposto pela morte. Sucessão de imagens vivas, o teatro permanecerá, para Barthes, até o fim, mesmo quando ele deixará de freqüentá-lo, mesmo que a título de lembrança ou de eco, aquela força maciça de uma manifestação suspensiva e redobrada de um estar-ali (trágico, político, erótico…), irreconhecível, mas pedindo para ser reconhecido, com um reconhecimento que não se exerce mais sobre uma intriga fictícia, mas sobre interesses reais.

          É por isso que os textos mais interessantes de Barthes sobre a teatralidade não tratam necessariamente do teatro, pelo menos no sentido habitual. Penso nos textos dos anos de 1950 sobre a luta livre, o cabaré, o music-hall, ou naquele texto de 1978, sobre o “Palace”, vasta discoteca instalada num antigo teatro parisiense. No “Palace”, aquele “teatro salvo”, Barthes fica num belvedere para observar “o imenso espetáculo da dança e dos corpos” – “corpos jovens”, diz ele. No balcão do “Palace”, como no galinheiro do “Chaillot”, aos 62 anos como aos 38, é “a exterioridade admirável das situações, dos objetos e dos corpos” (OC, V, 456-458). Assim, “a função erótica do teatro não é acessória, porque somente ele, de todas as artes figurativas (cinema, pintura), dá os corpos, e não sua representação (OC, IV, 660).

          O pensamento de Barthes sobre o teatro, sobre a teatralidade do teatro e de qualquer outra forma além do teatro, termina, pois, na “intersecção problemática” do afeto com o signo3. Ele aí termina porque o acaso de um acidente pôs um ponto final. Não há dúvida de que Barthes teria continuado a falar de teatro e a falar de tudo com o teatro. E é bom, também, que esse fim seja uma encruzilhada. Uma encruzilhada que deveria permitir-nos questionar o teatro a que assistimos hoje.

(Tradução de Leyla Perrone-Moisés)

NOTAS

1 A Editora Martins Fontes publicará, em breve, os Escritos sobre teatro (N. da T.).

2 Œuvres complètes, Paris, Seuil, 2002, vol. II, p. 316. Esta edição será doravante designada pela sigla OC.

3 La préparation du roman, Paris, Seuil, 2003.

Christophe Bident é professor da Universidade de Paris 7, autor de Maurice Blanchot, partenaire invisible (Editions Champ Vallon, 1998) e diretor da companhia teatral Le Théâtre de l’Aube.



CORPO E VOZ, UMA PREPARAÇÃO INTEGRADA


Maria Enamar Ramos Neherer Bento ((UNIRIO)

Marly Santoro de Brito ((UNIRIO)


Resumo

           Este trabalho se baseia na trilogia dos aspectos essenciais ao ator – interpretação, corpo e voz – todos voltados para uma atuação mais verdadeira, procurando através dos sentidos, um conhecimento maior do funcionamento do ator como um todo. Partiu-se do princípio que, se podemos improvisar com corpo, podemos mais facilmente improvisar com palavras, com a voz. Neste trabalho foram selecionados exercícios de aquecimento de corpo e de voz, realizados simultaneamente, visando a preparação do ator para as encenações.

          Neste trabalho foram selecionados exercícios de aquecimento de corpo e de voz, realizados simultaneamente, visando a preparação do ator para as encenações.

          Muitos atores separam os exercícios de corpo dos de voz, esquecendo-se que corpo e voz trabalham indissoluvelmente ligados. O corpo funciona como uma caixa de ressonância amplificadora do som fundamental produzido na laringe pelas pregas vocais, resultando na sonoridade a que chamamos VOZ. Segundo Glorinha Beuttenmüller, o “corpo é o controle remoto da voz” (1995).

          Esse comportamento é repetido nas montagens teatrais pelo trabalho, em separado, dos preparadores corporal e vocal que, ao encerrarem suas funções nos ensaios, orientam os atores quanto ao seu próprio aquecimento durante a temporada da peça.

          Este repertório de exercícios de aquecimento corporal e vocal cumpre, como observa Angel Vianna, “a missão de auxiliar os atores nas possibilidades interpretativas da voz, este termômetro infalível das emoções” (1999).

          Um ator pode e deve tornar-se um “expert” em corporalidade, através da tomada de consciência das sensações físicas dos seus próprios movimentos, analisando os efeitos em sua própria movimentação.

           Os alunos das escolas de teatro apresentam ao ingressarem nos cursos de Bacharelado, segundo a professora e fonoaudióloga Marly Santoro de Brito (2000), alterações vocais significativas numa proporção de 10% nas universidades privadas e 15% nas públicas. Essas alterações vocais ou disfonias, expressadas por rouquidões, são ocasionadas por nódulos ou calos nas cordas vocais, pólipos, fendas glóticas e espessamentos. Decorrem geralmente do abuso, do mau uso vocal e do desconhecimento dos fatores que desencadeiam os problemas vocais, como tensão excessiva na laringe e incoordenação fono-respiratória. É necessário instrumentalizar os alunos através de um trabalho de conscientização da importância do apoio no diafragma para o uso da voz com grande intensidade ou durante o esforço corporal. Durante movimentos que exigem força nos braços aliados à emissão vocal como numa luta, por exemplo, o ator precisa ter consciência da técnica vocal a ser empregada de modo a não prejudicar a sua saúde vocal.

           Quando se fala em “desconhecimento dos fatores desencadeantes dos problemas vocais”, englobamos aqui as posturas prejudiciais à emissão vocal, como elevação do queixo ou seu abaixamento, cabeça tombada, ombros tensos e deslocamentos corporais inadequados durante a vocalização. Após a instrumentalização desses alunos-atores, através de treinamento corporal vocal, há um decréscimo das alterações vocais.

           No que se refere ao corpo abordamos basicamente quatro aspectos principais: respiração, coluna (flexibilidade, fortalecimento e postura), articulações (soltura de todas as articulações do corpo), eixo corporal / equilíbrio tomando como referências os trabalhos de Angel Vianna, Moshe Feldenkrais, Rudlof Laban e James Penrod. Na parte referente à voz foi usado o Método Espaço Direcional Beuttemmüller. Acrescentamos alguns exercícios do Método Pilates 1 (só exercícios de solo) visando enriquecer o trabalho de postura e flexibilidade.

           Durante o aquecimento corporal/vocal, os atores devem ser levados a perceber os movimentos que dificultam a vocalização, bem como em que momento da movimentação podem emitir sons sem prejuízo para a sua voz, sem danos ao seu aparelho fonador.

           Ao elaborarmos uma seqüência de exercícios de corpo e voz, procuramos aliar o movimento corporal adequado ao uso concomitante da voz, levando-os a perceberem que o movimento corporal aliado à tônica das palavras, por exemplo, favorece a ampliação e o ritmo desse movimento, dando um equilíbrio vocal/corporal. Os atores têm que perceber que a inflexão da voz se modifica na dependência do corpo inteiro. Quanto maior a consciência do funcionamento do corpo e da respiração, melhor o resultado vocal.

          Citando Glorinha Beuttenmüller “a sonoridade é a resposta ao impulso de deslocamento do corpo através do espaço”. E mais “o ator tem que saber dar a intensidade (que é o volume da voz) e a altura (mais aguda ou mais grave) adequadas do som como resposta à atitude corporal”.

Objetivo

          Temos como objetivo a conscientização corporal por parte do ator através da percepção do movimento executado, visando dar condições para a voz se lançar na direção desejada, com a intensidade adequada ao tamanho do espaço sem prejuízo da sua movimentação. Adequar respiração com movimento corporal, postura e flexibilidade é a meta a ser alcançada.

           Procuramos dirigir o trabalho para um olhar do movimento priorizando a percepção total.

1 – olhar o movimento não só com os olhos, mas com a percepção total;

2 – descobrir as fontes físicas do movimento em si mesmo e nos outros;

3 – ter controle intelectual e físico sobre seus movimentos;

4 – aplicar essas habilidades para o desenvolvimento do papel.

          Sabemos que professores e diretores podem guiar o aluno/ator através de técnicas especializadas relacionadas a uma forma de arte, tais como exercícios de voz ou dança. Podem ser capazes de dar assistência no desenvolvimento da expressividade, na prática da intuição. Entretanto, a grande responsabilidade sobre o desempenho artístico reside no próprio ator, no individual. Ele é a única pessoa que pode, através de trabalho duro, do estudo, da observação, inteligência e talento, desenvolver sua técnica. E é também a única pessoa que pode, transcendendo a técnica, expressar seus próprios sentimentos e uma visão da condição humana.

A- Inicia-se trabalhando a respiração na posição deitada:

1- Com uma das mãos no diafragma e outra no peito respirar naturalmente, sentindo o levantar e abaixar do seu diafragma. Sentir o ar entrando nos pulmões, percebendo o movimento dos mesmos. O exercício deve ser repetido várias vezes para que cada um descubra o tipo de esforço e tensão necessários para inspirar e segurar a respiração durante a pausa, bem como a sensação de alívio e o relaxamento na expiração. Após a percepção do mecanismo da respiração, acrescenta-se à expiração o som de ssssssiii ... direcionado para o espaço.

2- Deitado de costas com os olhos fechados imaginar o espaço dentro de cada um como sendo um enorme buraco; concentrar-se na relação entre a forma do corpo e o espaço em volta; fazer um inventário mental da relação das partes do corpo e o lugar que elas ocupam. Devem perceber as sensações das várias partes do corpo em contato com o chão ou o espaço que o circunda, e logo após, suspender conscientemente o controle sobre o seu corpo e “escutar” o que o corpo quer fazer.

          As descobertas sobre a respiração devem ser usadas nos exercícios novos.

B- Fazer esse reconhecimento em posição sentada, realizando o mesmo inventário sobre as tensões.

1- Deixar que o peso da cabeça leve o tronco para frente até o chão, soltando o ar e alongando os músculos das costas. Nessa descida, durante a expiração, fazer a vibração dos lábios, conseguida através dos sons de prprprpr..., como se fosse um motor.

2- Ainda sentados, olhos fechados, palmas das mãos bem próximas, mas sem se tocarem, sentir o calor gerado entre as mãos. Mover as palmas das mãos lentamente passando uma pela outra várias vezes em direções opostas: mover para os lados, para frente, para trás e em círculo, juntar as palmas das mãos e separá-las, percebendo a sensação do movimento na ponta dos dedos, nas mãos e nos antebraços.

3- Juntar as pontas dos dedos das duas mãos com um toque bem suave, e em seguida, dar batidas leves várias vezes. Juntar as palmas das mãos e começar a esfregá-las lentamente. Progressivamente, ir aumentando a intensidade e a energia da esfregação, até separar as mãos. Levar o tempo necessário para cada ação de forma que a sensação do movimento possa ser sentida. Conscientizar-se de qualquer sensação que ocorra em outro lugar do corpo, especialmente na área da coluna. Ao sentir a energia que flui entre as mãos próximas emitir a ressonância com a percepção desse espaço entre elas, primeiramente com o zumbido hummm hummm e depois com o som mmommm mmoommm mmoommm.

C- Trabalhar isoladamente partes do corpo, na posição de pé:

1- De pé com as pernas separadas, olhos fechados e braços caídos, mover os braços em círculo:

1º círculo: pressionar a palma da mão contra a parte anterior da coxa contando até 6, levantar lentamente o braço para a frente até chegar acima da cabeça e concluir o círculo movendo o braço para trás até a posição inicial. Inspirar enquanto levanta o braço e emitir a vogal áfona [ a ] ao descê-lo.

2º círculo: inverter a direção e emitir a vogal áfona [ o ] ao descer o braço.

3º círculo: pressionar a palma da mão no lado da coxa, levantar lentamente o braço até chegar acima da cabeça e concluir o círculo cruzando o braço a frente até voltar à posição inicial. Inspirar na subida e emitir a vogal áfona [ e ] ao cruzar o braço à frente.

4º círculo: inverter o movimento e emitir a vogal áfona [ u ] ao cruzar o braço à frente.

          Fazer os movimentos lentamente, mantendo a consciência da sensação do movimento, e particularmente da ação da gravidade no braço quando ele é levantado e o relaxamento dessa ação quando ele é abaixado.

Variantes do exercício:

– fazer com o mínimo de esforço

– repetir com os dedos expandidos amplamente separados e o braço esticado o mais longe possível do corpo

– repetir uma terceira vez com rápidas paradas e recomeços.

          Enquanto estiver movendo, estar certo da energia requerida para fazer o movimento empurrado / puxado, da qualidade do movimento resultante e do sentimento no corpo todo durante essa movimentação.

2- Repetir esse exercício com a sonorização das vogais.

3- De pé, soltar um dos braços da articulação, deixando-o frouxo, pendurado do ombro. Movimento: começar pela rotação da mão para trás e para frente pelo punho e então ir lentamente envolvendo o braço todo. Trabalhar bem relaxado e suavemente. O braço deve mover-se pela força da gravidade, sem esforço. Acompanhar o movimento com a emissão da ressonância e adequar a sua projeção ao tamanho do segmento do membro que está sendo movimentado. Pode ser feito com hummmhummm ou com mini... mini... mini... mini...

4- Individual: Em pé, focalizar um ponto qualquer e manter o olhar fixo nele, emitindo a ressonância ou outros sons variados. Levantar uma das pernas levando o pé até o joelho da perna de sustentação; perceber ações e sensações no corpo quando tentar permanecer em pé. Relaxar e repetir o movimento emitindo ressonância ou sons direcionados para o espaço global, sentindo a diferença entre a emissão de sons com o olhar fixo e com olhar global, percebendo como a voz fica mais projetada com a percepção do espaço à sua volta.

5- Posição em pé: Sentir-se o centro de um cubo com linhas radiais saindo do seu corpo em todas as direções; imaginar as diferentes partes do corpo colocadas na mesma linha espacial; colocar um braço alinhado com esses vários raios; deixar o corpo torcer ou dobrar, se for necessário, para obter o braço em todas as direções possíveis. Tentar o exercício com a perna, ombros, quadris e tronco. Explorar a sua knesfera individual (espaço ocupado pelo corpo) nas posições: deitado no chão, ajoelhado, em pé, ao mover-se pela sala. A cada movimento, sentir que é circundado pela knesfera. Aliar aos movimentos a emissão das sílabas trtrammm trtremmm trtrimm trtrommm trtrrummm durante a maior expansão dos braços ou das pernas.

6- Em dupla: Empurrar o companheiro em várias partes do seu corpo usando também as diferentes partes do seu corpo: mão, ombro, cabeça, etc. Aquele que está parado faz a contra-força na mesma intensidade para que permaneça parado. Deve ter a consciência e o cuidado de não tensionar o pescoço ao fazer força com os braços para evitar problemas vocais. Emitir palavras ou textos ao executar o movimento, mantendo a voz firme e clara.

           Exercícios que demandam uma contração excessiva da musculatura do pescoço, por exemplo, devem ser evitados, mesmo que trabalhem bem a coluna e o abdômen.

D- Para a flexibilidade da coluna:

1- Sentado com as pernas esticadas à frente e braços em direção ao teto. Alongar o braço direito para cima iniciando o movimento da cintura; depois o braço esquerdo para cima e os dois para cima; dobrar o corpo para frente, relaxando, dobrando a articulação coxo-femoral e esticando os músculos da parte inferior das costas e posterior das pernas. Voltar à posição inicial lentamente, trabalhando cada elo da coluna. Repetir o exercício com controle do diafragma para direcionar a pressão aérea, pressionando-o, e aliando as sílabas sssi-fffu-xxxii-pppa a cada movimento (Método Espaço Direcional).

2- Quatro apoios – Contrair e alongar a coluna indo até ao chão como se fosse um gato manhoso se espreguiçando; contrair e alongar até fazer a curva ao contrário com a coluna; quando alongar ir até quase sentar nos calcanhares. Durante o movimento, emitir ressonância com nhiau, nhiau, nhiau, nhiau, modulando-a de acordo com a maior ou menor expansão dos movimentos.

E- Para buscar o eixo:

1- Em pé, de costas para uma parede reta, tocar a parede com os calcanhares, o sacro, as costas, ombros e cabeça; sentir as várias partes do corpo onde os músculos estão ativamente trabalhando para manter o corpo ereto. Emitir a ressonância sentindo a vibração do som na coluna.

2- Na mesma posição, imaginar uma linha passando verticalmente pelo seu corpo. Sem forçar a ação, imagine que o corpo está sendo esticado para cima ao longo dessa linha imaginária; o corpo deve ter a sensação de leveza e flutuação. Perceber como cada parte do corpo, da cabeça até a pélvis e pernas, está mantendo o alinhamento básico. Imaginar seus ombros sendo dirigidos para os lados; sentir o contato do seu pé no chão, com o peso distribuído em três pontos – o dedão, o dedinho e o meio do calcanhar. A maioria dos grandes músculos estão envolvidos para manter a postura ereta. Sentir a inter-relação dos músculos que tornam isso possível. Inspirar e expirar alargando as costelas na inspiração: respiração costal-diafragmática.

3- Em decúbito dorsal, pernas dobradas, sola dos pés no chão, braços ao longo do corpo. Esticar a perna direita para baixo, umbigo em direção ao chão, sentindo o eixo, sem deixar o tronco mexer durante o movimento. Repetir com a outra perna, e depois com as duas. Repetir usando o braço. Associar a inspiração ao alongamento e a vibração trtrtrtrtrtr... à troca de posições.

F- Para soltura das articulações:

Exercícios de rotação de pernas, ou de basculação. Durante esses exercícios, fazer vibrações com brbrbrbrbr...

G- Para trabalhar o andar:

Mover a perna de trás para frente e vice-versa. A perna vai dobrada, e objetiva trabalhar a soltura da articulação coxo-femural e o equilíbrio. Associar a esse exercício as sílabas pa-ca-tá, pa-cá-ta e pá-ca-ta ... marcando com a extensão da perna a tônica escolhida. Deve-se repetir este exercício variando as vogais: pequeté, piquití, pocotó, pucutú, observando a variação das tônicas como relatado acima.

H- Para a coluna: trabalhar dividindo os 3 terços:

1- Deitado de costas, levantar a região do sacro até a cintura e voltar; depois a coluna até a altura da omoplata e finalmente até a cervical. O movimento deve ser lento e consciente fazendo com que cada pedacinho da coluna trabalhe na ida e na volta. É um elevar na ida e um “carimbar” com cada vértebra na volta.

Associar os movimentos aos sons ssii-ffu-xxi-ppaa (Método Espaço Direcional).

I- Para a torção do tronco:

Deitado de costas com as pernas flexionadas, pés juntos, deixar cair os dois joelhos para o lado direito, fazendo com que as pernas formem um ângulo reto com o tronco; alongar o braço esquerdo ao lado e vir descendo passando pelos quadris, pela frente do corpo e continuar o movimento passando acima da cabeça e voltando para a posição de origem. Associar ao relaxamento de laringe: bocejar sem recuar a língua na cavidade bucal.

          A voz, levada pelo corpo do ator, flui arredondada ou direta, na dependência do movimento executado. Ao lado desse trabalho podemos fazer um trabalho de improvisação, geralmente partindo de algum movimento mais trabalhado no aquecimento. Num aquecimento coletivo escolher um par e se relacionar com ele através do movimento. No momento em que o entrosamento do par é conseguido, pode ser assumido um sentimento/emoção visando uma troca entre os personagens. Os diálogos que surgirem desse relacionamento ajudam ao ator a ir formando o corpo do personagem.


          Partimos do princípio que, se podemos improvisar com corpo, podemos mais facilmente improvisar com palavras. A quebra das amarras que impedem a imaginação de agir era o objetivo dessa fase do trabalho. Algumas vezes trabalhamos em cima de um roteiro mínimo de acontecimentos para direcionar a improvisação. Foram elaboradas 15 seqüências básicas de exercícios de aquecimento de corpo e voz visando uma progressão crescente do trabalho e tomando por ponto de partida problemas apontados pelos atores. Essas seqüências foram trabalhadas por todos. Na fase final, cada ator, examinando sua situação corporal, montava sua própria seqüência de aquecimento.

          Ao realizarmos esse trabalho, formamos a trilogia dos aspectos essenciais ao ator – interpretação, corpo e voz – todos voltados para uma atuação mais verdadeira, procurando através dos sentidos, um conhecimento maior do funcionamento do ator como um todo.

Referências

BEUTTENMULLER, Glória e LAPORT, Nelly. Expressão Vocal e Expressão Corporal. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1974.

___Maria da Gloria. Dicção-Método Espaço-Direcional. FEFIERJ, Escola de Teatro da Federação das Escolas Isoladas da Guanabara, RJ, 1971.

___ Gloria. O Despertar da Comunicação Vocal. Rio de Janeiro: Enelivros, 1995.

BRITO, Marly Santoro. Abordagem Fonoaudiológica nas Escolas de Teatro Públicas e Privadas. Revista Científica Fonoaudiologia Brasil (ISSN 1616-8131) Brasília, n.3, ano 3, abril. 2000.

FELDENKRAIS, Moshe. Consciência pelo movimento. São Paulo: Summus, 1977.

___ Vida e movimento. São Paulo: Summus, 1988. LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.

KUSNET, Eugênio. O Ator e o Método. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro – MEC, 1975.

LITVINOFF, Valentina. The use of Stanislsvsky wthin Modern Dance. New York, American Dance Guild, 1972.

PENROD, James. Movement for the performing artist. California: Mayfield Publishing Company, 1974.

STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do Ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.

___ A construção do Personagem. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970.

___ A Criação do Papel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

TEIXEIRA, Letícia. Conscientização do movimento. S.Paulo, Caioá Editora, 1998.

VIDEO Working out the Pilates way. Institute for the Pilates Method.


Notas

1 Pilates: sistema de exercícios não aeróbicos, usados para bailarinos,atores e performers; é um método de condicionamento físico que melhora a postura e a resistência física diminuindo os riscos de acidentes.

MARLY SANTORO DE BRITO é fonoaudióloga Especialista em Voz, Professora de Técnica Vocal da Escola de Teatro da UNIRIO, Co-autora do livro VOZ EM CENA. Preparadora vocal de atores de teatro, cinema e TV.

MARIA ENAMAR RAMOS é pedagoga e Orientadora Educacional, Mestre em Educação Doutora em Teatro Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Execução da Dança, atuando principalmente nos seguintes temas: movimento e voz, dança, pedagogia do corpo, Angel Vianna. Coordena e ministra aulas no Curso de Pós Graduação Lato Sensu Especialização em Teatro Musicado da Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
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