segunda-feira, 27 de março de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Redemunho"

.................................................................................
Fatalidade impregnada de trágico lirismo

Lionel Fischer


"Em um tempo arcaico quase mitológico, quatro histórias se tocam no centro de um redemoinho de fatalidades. As histórias desenham destinos que não podem ser evitados, colocando suas personagens centrais no momento inexorável de sua caminhada em direção ao trágico". 

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o que há de mais essencial nos quatro contos do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, que integram o volume "Faca" (composto de onze narrativas), e cuja teatralização pode ser conferida na Casa de Cultura Laura Alvim (Espaço Rogério Cardoso). Anderson Aragon responde pela direção do espetáculo, que tem elenco formado por Alexandre Dantas, Ana Carbatti e Claudia Ventura.

Em um primeiro momento, pensei em resumir os enredos de "Redemunho", "Cícera Candóia", "Mentira de amor" e "A escolha". Mas acabei optando por não fazê-lo, e não por preguiça - que fique bem claro -, mas por julgar que todas as histórias, ambientadas no sertão, possuem estreita relação com as tragédias gregas, ou seja, ninguém consegue escapar ao próprio destino e a fatalidade, quase sempre, tem sua origem no núcleo familiar.

Isto posto, cumpre ressaltar a beleza da escrita de Ronaldo Correia de Brito - impregnada de trágico lirismo -, a potência de seus personagens e a pertinência das questões abordadas, que abarcam paixões, perdas, sentimentos de vingança, impotência e revolta, dentre muitas outras. Tais virtudes são valorizadas de forma extremamente sensível por Anderson Aragon, que impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material que lhe deu origem.

Ainda assim, acredito que a opção do encenador de, na primeira parte da montagem, expor longos segmentos das quatro narrativas para, mais adiante, retomá-las de forma fragmentada, pode gerar uma certa dificuldade de apreensão por parte do espectador, que se vê obrigado a um permanente exercício de memória para se reconectar com as histórias várias vezes interrompidas e retomadas.

Com relação ao elenco, os três intérpretes exibem ótimas atuações, tanto no que diz respeito aos personagens que interpretam quanto nas passagens narradas, ao que parece mantidas praticamente na íntegra. A mesma eficiência se faz presente no irrepreensível trabalho de toda a equipe técnica - Alfredo Del-Penho (direção musical), Sueli Guerra (direção de movimento), Doris Rollemberg (cenografia), Flávio Souza (figurinos) e Anderson Ratto (iluminação).

REDEMUNHO - Texto de Ronaldo Correia de Brito. Direção de Anderson Aragon. Com Alexandre Dantas, Ana Carbatti e Claudia Ventura. Casa de Cultura Laura Alvim (Espaço Rogerio Cardoso). Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h.




domingo, 26 de março de 2017

Caríssimos,

Com o ano praticamente se iniciando para nós, temos o prazer de apresentar no FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA, em 31 de março, às 18h, na Sala Vera Janacópulos da UNIRIO, um filme sensívelO TREM NOTURNO PARA LISBOA, uma coprodução alemã, americana, suíça e portuguesa, baseado na obra homônima de Pascal Mercier, cujo nome verdadeiro é Peter Bieri, nascido em Berna, na Suíça, em 1944, escritor e filósofo, mais conhecido pelo seu pseudônimo.
A obra que originou o filme, escrita em 2004, tornou-se um fenômeno de vendagem com repercussão mundial, e colecionou elogios da crítica e tradução em inúmeras línguas. A autora chilena Isabel Allende, por exemplo, o classificou como "um deleite para a alma, um dos melhores livros que li nos últimos tempos". A disputa para a conversão do romance para o cinema foi vencida pelo do premiado cineasta, roteirista e diretor de televisão, o dinamarquês Bille August, nascido em 1948.

Um dos oito diretores a ganhar duas vezes a Palma de Ouro, em Cannes: com ‘Pelle, o Conquistador’ (1987) obteve, também, o Oscar e o Globo de Ouro. Em 1991, foi novamente premiado em Cannes, por ‘Melhores intenções’, baseado no roteiro autobiográfico de Ingmar Bergman. Com um elenco de peso encabeçado pelo inglês Jeremy Irons,  é um filme que emociona com sutileza, sem ser dramático, acompanhando a jornada do professor Raimund Gregorius pelas vielas de Lisboa em busca do personagem do livro e de si mesmo.
Enfim, uma oportunidade imperdível de se assistir e de comentar um trabalho inquietante.

Contando, como sempre, com a divulgação aos amigos e aos interessados no viés cultural e psicanalítico, aguardamos todos vocês para mais um debate instigador.
Um abraço de Ana Lúcia de Castro e Neilton Silva.

SERVIÇO:
DATA: 31 DE MARÇO DE 2017.
HORÁRIO: FILME: 18h; ANÁLISE E DEBATE: 20 h às 22 h.
LOCAL: SALA VERA JANACÓPULOS – UNIRIO
ENDEREÇO: AV. PASTEUR, 296.
ANÁLISE CULTURAL: PROF. DRA. ANA LÚCIA DE CASTRO
ANÁLISE PSICANALÍTICA: DR. NEILTON SILVA
ENTRADA FRANCA - INFORMAÇÕES: forumpsicinema@gmail.com

NOTA: Quem se interessar em adquirir o livro: Fórum de Psicanálise e Cinema: 20 filmes analisados, de autoria de Ana Lúcia de Castro e Neilton Silva, ele se encontra à venda nos dias do FÓRUM. 

HISTÓRICO: O FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA FOI CRIADO EM 1997, COMO UM PROJETO CIENTÍFICO DA ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA RIO 3, PELO ENTÃO PRESIDENTE, DR. WALDEMAR ZUSMAN, E PELO DIRETOR DO INSTITUTO, DR. NEILTON DIAS DA SILVA. DESDE 2004 PASSOU A CONTAR COM A PARTICIPAÇÃO DA MUSEÓLOGA E PROFESSORA DA UNIRIO, DRA ANA LÚCIA DE CASTRO, RESPONSÁVEL PELAS ANÁLISES CULTURAIS DOS FILMES. EM 2006, A APRIO 3, ATUAL SPRJ, CELEBROU OS 10 ANOS DO FÓRUM E A PARCERIA COM A UNIRIO PARA SEDIAR O PROJETO MENSALMENTE, SEMPRE MUITO CONCORRIDO.



sexta-feira, 24 de março de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Nada"

............................................................
Belíssimo e original espetáculo

Lionel Fischer



"Algo que acontece no fim de um espetáculo, inverte a situação e faz o público enxergar um teatro vazio, fechado e sem gente. O teatro é uma casa que vive de movimento. O foco da peça desloca-se da situação cômica de alguém que dá uma conferência sobre um tema que não entende nada, para se centrar na tragicomédia da existência de um homem".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima explicita o contexto em que se dá "Nada", que tem por base dois textos de Anton Tchevov (1860-1904): "O canto do cisne" e "Malefícios do tabaco". Mas além destes, são também apresentados fragmentos de "O jardim das cerejeiras", "As três irmãs", "Tio Vânia" e "A gaivota", afora um breve momento do "Rei Lear", de Shakespeare, e outro de "A dama da bergamota", de Tennessee Williams (1911-1983). Em cartaz no Teatro Poeira, "Nada" tem dramaturgia e encenação assinadas por Gilberto Gawronski, estando o elenco formado por Analu Prestes, Clarice Derzié Luz e Renato Krueger.

Quando se inicia o espetáculo, um ator interpreta o monólogo "Malefícios do tabaco", tendo a auxiliá-lo um outro, o Ponto. Em seguida, quando os espectadores já se retiraram, o mesmo ator que protagonizou "Malefícios" incorpora o principal intérprete de "O canto do cisne", um ator de 78 anos que dedicou 55 anos de sua vida ao teatro - ele recorda sua vasta carreira com um misto de euforia e desencanto, também abordando temas como a velhice e a passagem do tempo. E aqui já temos algo de muito curioso no encadeamento dramatúrgico feito por Gawronski.

Em "Malefícios do tabaco", o personagem Ponto não existe. Mas ao colocá-lo em cena, Gawronski não apenas reforça a patética comicidade do texto, mas também o utiliza como um elemento de ligação com o texto seguinte, "O canto do cisne", quando aí sim o Ponto desempenha importante função, que consiste basicamente em valorizar os feitos do grande ator e assim impedi-lo de mergulhar em um estado depressivo. A partir daí, o espectador tem o privilégio de assistir a fragmentos dos quatro textos mais importantes de Tchecov, sempre encadeados de forma extremamente habilidosa. E tudo poderia se encerrar aqui. No entanto, mais surpresas estão reservadas.

Em dado momento, as atrizes, que até então interpretaram personagens masculinos e femininos, tornam-se elas mesmas. E sugerem não saber como continuar o espetáculo. O diretor, sentado próximo ao espaço da encenação, é convocado para encontrar uma solução para o impasse. Mas como não o faz e se retira, o operador de som ou de luz (um ator, naturalmente) entra em cena e, valendo-se de um texto de Tennesse Williams, "A dama da bergamota", em que ele fala sobre Tchecov, assume o papel deste e profere belíssimas e pertinentes palavras sobre o fazer teatral. E ainda somos brindados com uma extraordinária fala do "Rei Lear", de Shakespeare.

Diante do exposto, algum espectador poderia indagar: "Mas afinal, estamos assistindo a uma peça, no sentido convencional do termo? E sendo isto verdade, não seria suficiente a exibição, ainda que fragmentada, de trechos de peças consideradas obras-primas?". Caso essa questão fosse formulada por alguém, e com todo o respeito que merece qualquer pessoa que expresse suas dúvidas com sinceridade, me permitiria dizer o que se segue.

Sim, bastaria a exibição dos mencionados fragmentos, no caso de ser apenas esta a proposta dramatúrgica. Ocorre, no entanto, que Gawronski objetivou algo além: mesclar personagens, pessoas e o próprio Teatro, que, em minha opinião, em última instância é o grande protagonista desta imperdível empreitada teatral. E se alguém, insatisfeito com esta sumária explicação, me exigisse outra mais abrangente ou mais profunda, haveria de sugerir que observasse com atenção sua própria vida: nela também não coabitam realidade e fantasia, e não raro de tal forma que não podem ser dissociadas? - caso a resposta deste interlocutor imaginário fosse negativa, só me restaria pedir a Deus que o protegesse de sua lamentável percepção da própria existência... 

Com relação ao espetáculo, Gilberto Gawronski impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcas imprevistas e criativas, e exibindo notável domínio dos tempos rítmicos, o encenador exibe o mérito suplementar de haver extraído maravilhosas atuações de Analu Prestes e Clarice Derzié Luz. Possuidoras de vasta experiência, tecnicamente irrepreensíveis e dotadas de grande inteligência cênica, as atrizes estabelecem fortíssima contracena, só passível de acontecer quando intérpretes se respeitam e confiam inteiramente no projeto em que estão inseridos. Cabe também destacar a segura e apaixonada participação de Renato Krueger.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo a colaboração de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral, com especial destaque para os figurinos, que pertenceram à inesquecível Marília Pêra e foram doados a Gawronski com a seguinte recomendação: "Queria que isso não virasse museu, que servisse para vestir outros personagens". Igualmente irretocáveis as projeções de Renato Krueger, também responsável pelo mais belo, poético e original projeto gráfico que me chegou às mãos em 28 anos de crítica teatral.

NADA - Dramaturgia e encenação de Gilberto Gawronski. Com Analu Prestes, Clarice Derzié Luz e Renato Krueger. Teatro Poeira. Terças e quarta, 21h.






quinta-feira, 23 de março de 2017

Queridos parceiros, 

gostaria de divulgar um trabalho que já faço a algum tempo: preparação de atores. Por ter feito este trabalho com algumas pessoas de tv e cinema, preparando os atores de um determinado filme ou TV, este trabalho se desenvolveu para uma estrutura mais permanente. Muitos destes atores quiseram continuar a fazer encontros ou mesmo que eu os preparasse para algum teste.

Assim surgiu esta aula de teatro individual ou em dupla, na minha sala de trabalho.

Como isso funciona?

Assim:

O aluno pode usufruir de um período de 1h20/aula, quantas aulas por semana ele quiser, para desenvolver um trabalho personalizado de  leituras de textos, construção de dramaturgia, improvisação e também para preparação de testes que venham a ocorrer. 

O que diferencia isso de uma aula de teatro convencional?
Este trabalho está totalmente focado naquele ator, que por sua vez tem mais oportunidade de se desenvolver por estar permanentemente em exercício.

Interessados, entrem em contato por : anakutner@gmail.com ou (21) 998274356

Local: Humaitá

Se puderem indicar para seus amigos, parentes e afins agradeço!

Beijos,
Ana Kutner

quarta-feira, 22 de março de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Mulheres de Buço" (peça-show)

.................................................................................
Delicioso e imperdível encontro no Tablado

Lionel Fischer


Formado em 2014, o coletivo Mulheres de Buço propõe, através de experiências cênicas, questionar a conjuntura atual da nossa sociedade (em múltiplos de seus aspectos), sempre através da ótica feminina. O primeiro trabalho do grupo foi o esquete "Ordem e Progresso", baseado no conto "O Homem da Cabeça de Papelão", de João do Rio, apresentado no Festival de Teatro Universitário (FESTU). No ano seguinte, e então com esquetes autorais, exibiram no mesmo festival "Amora" e "Carmem". No final de 2015, o grupo começou a desenvolver um projeto musical -
Funk-Punk-Rock - com o objetivo de articular o teatro e a música, e desde então realizou um total de 27 shows performáticos. Agora, no entanto, a palavra ganha um espaço maior no trabalho do grupo, sem que isso implique na renúncia de suas premissas essenciais.

Eis, em resumo, um breve histórico do jovem coletivo, que está em cartaz no Teatro O Tablado com "Mulheres de Buço" (peça-show). Com dramaturgia assinada pelo coletivo (com a colaboração das diretoras) e direção a cargo de Julia Stockler e Laura Araujo, a peça traz no elenco Beatriz Morgana, Carolina Repetto, Clarice Sauma, Joana Castro, Lilia Wodraschka, Lucia Barros e Manuela Llerena, que dividem o palco com Emília B. Rodrigues (bateria), Fernanda Pozzobon (baixo e guitarra) e Silvia Autuori (baixo e violino).

"A peça se passa em um camarim, momentos antes de começar o show. Nesse espaço íntimo, Beatriz, Lucia, Clarice, Manuela, Carolina, Lilia e Joana se deparam com dúvidas, medos, euforias, memórias, inquietações e expectativas, tanto no que diz respeito ao significado de trabalhar em companhia como no que concerne a questões femininas que transbordam esse espaço". 

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima deixa claro a inexistência de personagens, no sentido óbvio do termo, já que as atrizes materializam a si mesmas e os conflitos que se estabelecem nascem de eventuais divergências entre elas. Mas é claro que tais conflitos só poderiam se tornar significativos à medida que transcendessem o particular, ou seja, que encontrassem eco em todas as mulheres (de todas as idades) dispostas a se tornarem protagonistas de suas vidas, assim renunciando ao papel de meras coadjuvantes da vontade masculina. E este objetivo, em minha opinião, é plenamente atingido.

No início, a ótima dramaturgia tem como foco a validade de se fazer um show como aquele, que deve acontecer dentro de uma hora. Após uma ameaça de ruptura, as atrizes parecem ter chegado a um acordo e começam a passar as músicas e as coreografias. Mas logo afloram imprevistas questões, o que permite às atrizes explicitar o que mais as angustia ou reivindicar um espaço na sociedade que lhes é negado. E isto se dá não apenas internamente, mas também envolve a plateia, estimulada (sem nenhuma agressividade) a se posicionar com relação aos temas abordados. E pela reação que testemunhei na noite de estreia, não hesito em afirmar que o público carioca terá um belo e significativo encontro com essas Mulheres de Buço.     

Com relação à montagem, Julia Stockler e Laura Araujo impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcas imprevistas e criativas, valorizando ao máximo tanto as passagens mais tensas (com especial destaque para aquelas em que o silêncio praticamente se converte em personagem) quanto aquelas em que o o humor predomina, as encenadoras exibem o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do elenco. 

Evidenciando notável capacidade de entrega, forte carisma e visceral coragem de exibir tanto sua fragilidade como sua fortaleza, as jovens atrizes também dançam muito bem e cantam com a mesma eficiência as ótimas músicas que criaram. Assim, só me resta desejar que os sempre caprichosos Deuses do Teatro abençoem esta oportuna empreitada teatral e permitam que a mesma fique em cartaz por muito tempo.

Com relação à equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Lully Villar (cenografia), Marianna Pastori (figurino), Pedro Mib (direção musical), Gabriel Prieto (iluminação), Eduarda Freire (arte gráfica), Lourenço Parente (projeções) e Antonio Autuori (preparação vocal). E cabe também destacar a ótima participação da jovem e encantadora banda.

MULHERES DE BUÇO (peça-show) - Dramaturgia do coletivo Mulheres de Buço. Direção de Julia Stockler e Laura Araujo. Com o coletivo Mulheres de Buço. Teatro O TabladoSábado e domingo às 21h.



quarta-feira, 15 de março de 2017

Vencedores do 29º Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro:
Autor: Grace Passô por “Vaga carne”
Direção: Duda Maia por “Auê”
Ator: Marcos Caruso por “O escândalo Philippe Dussaert”
Atriz: Vilma Melo por “Chica da Silva, o musical”
Cenário: André Curti e Artur Luanda Ribeiro por “Gritos”
Figurino: Luiza Fardin por “Se eu fosse Iracema”
Iluminação: Renato Machado por “Uma praça entre dois prédios, próximo de um chaveiro, grafites na parede e uma árvore”
Música: Luciano Moreira e Felipe Vidal por “Cabeça (um documentário cênico)”
Inovação: Rede Baixada em Cena, pelo movimento de discutir a criação estética e o poder de mobilização de 18 coletivos de 13 cidades da Baixada Fluminense.

terça-feira, 14 de março de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Ubu Rei"

................................................................................................
Montagem imperdível comemora duplo aniversário 


Lionel Fischer


Poeta, novelista e dramaturgo francês, Alfred Jarry (1873-1907) foi muito influenciado pelo simbolismo de Mallarmé, Verlaine e Rimbaud. Seu espírito lúdico, humor negro e gosto por extravagâncias idiomáticas o converteram em precursor dos surrealistas. O maior êxito de Jarry foi Ubu Rei, caricatura cruel e grotesca do burguês, encenada pela primeira vez por Lugné-Poe no Théâtre de L'Ouvre. A crítica da sociedade burguesa, a liberdade rabelesiana da linguagem e o caráter inusitado da obra, concebida inicialmente para marionetes, gerou um escândalo tão grande que o espetáculo foi retirado de cartaz no segundo dia. Ainda assim, o texto influenciou profundamente todo o movimento teatral posterior.

Protagonizada por um anti-herói completamente destituído de caráter e ferozmente interessado em obter cada vez mais poder, a peça - cujo enredo me abstenho de detalhar, tantas e tão pitorescas são as situações que exibe - está em cartaz no Teatro Oi Casa Grande. E não se trata apenas de mais um evento teatral, já que comemora os 50 anos de carreira de Marco Nanini e os 25 anos de existência da Cia. Atores de Laura. Com adaptação de Leandro Soares e direção de Daniel Herz, a montagem tem elenco formado por Marco Nanini, Rosi Campos (atriz convidada), Ana Paula Secco, Leandro Castilho, Marcio Fonseca, Paulo Hamilton e Verônica Reis (integrantes da Cia.) e mais Cadu Libonati, João Telles, Tiago Herz e Renato Krueger. 

Exibindo questões que em tudo se assemelham às do Brasil atual - só restaria definir quem seria nosso maior Ubu -, a peça recebeu excelente versão de Daniel Herz. Impondo à cena uma dinâmica cuja inventiva valoriza ao máximo os conteúdos propostos pelo autor, dentre eles o deboche relativo às instituições burguesas e o grotesco inerente àqueles que de ética talvez só conheçam sua grafia, Herz exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações de todo o elenco - e aqui me refiro a todo o elenco mesmo, totalmente integrado às propostas da direção e evidenciando aquele tipo de alegria que um intérprete só sente quando consciente de que não está conspurcando o palco com uma desprezível bobagem. 

Ainda assim, não tenho como não me deter nas performances de Rosi Campos (Mãe Ubu) e Marco Nanini (Pai Ubu). Atriz de vasta e irrepreensível carreira, possuidora de forte presença cênica e de notáveis predicados técnicos, Rosi Campos exibe desempenho notável, sem dúvida um dos melhores da atual temporada.

Quanto a Marco Nanini, já não sei mais o que dizer a seu respeito, tantas foram as vezes em que me deslumbrei com suas performances. Se fosse em busca de adjetivos, certamente enfadaria o leitor com uma lista praticamente interminável. Se optasse por detalhar sua trajetória artística, incontáveis linhas seriam necessárias, pois teria que mencionar não apenas seus êxitos no teatro, no cinema e na televisão, mas também sua atuação como empreendedor cultural e sua admirável e raríssima disposição no sentido de correr riscos, ao invés de se converter em uma espécie de parasita de suas próprias conquistas. Enfim...em função do que acabo de dizer, opto por aquilo que me vem do coração, que é meu mais profundo agradecimento pelo privilégio de, mais uma vez, ter um memorável encontro com este que é, sem a menor dúvida, um homem de teatro na acepção mais plena do termo e um dos maiores atores do mundo.

Na equipe técnica, parabenizo com o mesmo e incontido entusiasmo as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna e imperdível empreitada teatral - Leandro Soares (adaptação), Bia Junqueira (cenografia), Antônio Guedes (figurinos), Aurélio de Simoni (iluminação),Leandro Castilho (direção musical), Marcia Rubin (direção de movimento), Grinco Cardia (design gráfico) e Fernando Libonati, responsável pela impecável produção.

UBU REI - Texto de Alfred Jarry. Direção de Daniel Herz. Com Marco Nanini, Rosi Campos e a Cia. Atores de Laura. Teatro Oi Casa Grande. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.