quarta-feira, 22 de março de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Mulheres de Buço" (peça-show)

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Delicioso e imperdível encontro no Tablado

Lionel Fischer


Formado em 2014, o coletivo Mulheres de Buço propõe, através de experiências cênicas, questionar a conjuntura atual da nossa sociedade (em múltiplos de seus aspectos), sempre através da ótica feminina. O primeiro trabalho do grupo foi o esquete "Ordem e Progresso", baseado no conto "O Homem da Cabeça de Papelão", de João do Rio, apresentado no Festival de Teatro Universitário (FESTU). No ano seguinte, e então com esquetes autorais, exibiram no mesmo festival "Amora" e "Carmem". No final de 2015, o grupo começou a desenvolver um projeto musical -
Funk-Punk-Rock - com o objetivo de articular o teatro e a música, e desde então realizou um total de 27 shows performáticos. Agora, no entanto, a palavra ganha um espaço maior no trabalho do grupo, sem que isso implique na renúncia de suas premissas essenciais.

Eis, em resumo, um breve histórico do jovem coletivo, que está em cartaz no Teatro O Tablado com "Mulheres de Buço" (peça-show). Com dramaturgia assinada pelo coletivo (com a colaboração das diretoras) e direção a cargo de Julia Stockler e Laura Araujo, a peça traz no elenco Beatriz Morgana, Carolina Repetto, Clarice Sauma, Joana Castro, Lilia Wodraschka, Lucia Barros e Manuela Llerena, que dividem o palco com Emília B. Rodrigues (bateria), Fernanda Pozzobon (baixo e guitarra) e Silvia Autuori (baixo e violino).

"A peça se passa em um camarim, momentos antes de começar o show. Nesse espaço íntimo, Beatriz, Lucia, Clarice, Manuela, Carolina, Lilia e Joana se deparam com dúvidas, medos, euforias, memórias, inquietações e expectativas, tanto no que diz respeito ao significado de trabalhar em companhia como no que concerne a questões femininas que transbordam esse espaço". 

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima deixa claro a inexistência de personagens, no sentido óbvio do termo, já que as atrizes materializam a si mesmas e os conflitos que se estabelecem nascem de eventuais divergências entre elas. Mas é claro que tais conflitos só poderiam se tornar significativos à medida que transcendessem o particular, ou seja, que encontrassem eco em todas as mulheres (de todas as idades) dispostas a se tornarem protagonistas de suas vidas, assim renunciando ao papel de meras coadjuvantes da vontade masculina. E este objetivo, em minha opinião, é plenamente atingido.

No início, a ótima dramaturgia tem como foco a validade de se fazer um show como aquele, que deve acontecer dentro de uma hora. Após uma ameaça de ruptura, as atrizes parecem ter chegado a um acordo e começam a passar as músicas e as coreografias. Mas logo afloram imprevistas questões, o que permite às atrizes explicitar o que mais as angustia ou reivindicar um espaço na sociedade que lhes é negado. E isto se dá não apenas internamente, mas também envolve a plateia, estimulada (sem nenhuma agressividade) a se posicionar com relação aos temas abordados. E pela reação que testemunhei na noite de estreia, não hesito em afirmar que o público carioca terá um belo e significativo encontro com essas Mulheres de Buço.     

Com relação à montagem, Julia Stockler e Laura Araujo impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcas imprevistas e criativas, valorizando ao máximo tanto as passagens mais tensas (com especial destaque para aquelas em que o silêncio praticamente se converte em personagem) quanto aquelas em que o o humor predomina, as encenadoras exibem o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do elenco. 

Evidenciando notável capacidade de entrega, forte carisma e visceral coragem de exibir tanto sua fragilidade como sua fortaleza, as jovens atrizes também dançam muito bem e cantam com a mesma eficiência as ótimas músicas que criaram. Assim, só me resta desejar que os sempre caprichosos Deuses do Teatro abençoem esta oportuna empreitada teatral e permitam que a mesma fique em cartaz por muito tempo.

Com relação à equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Lully Villar (cenografia), Marianna Pastori (figurino), Pedro Mib (direção musical), Gabriel Prieto (iluminação), Eduarda Freire (arte gráfica), Lourenço Parente (projeções) e Antonio Autuori (preparação vocal). E cabe também destacar a ótima participação da jovem e encantadora banda.

MULHERES DE BUÇO (peça-show) - Dramaturgia do coletivo Mulheres de Buço. Direção de Julia Stockler e Laura Araujo. Com o coletivo Mulheres de Buço. Teatro O TabladoSábado e domingo às 21h.



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