segunda-feira, 29 de junho de 2009

Teatro dirigido à criança

Claude-Pierre Chavanon


A percepção da criança é imediata, fragmentária e pessoal; sua atenção está inteiramente voltada para o mundo exterior, para a ação, de modo algum para o seu pensamento, como meio interposto entre o mundo e ela. Assim, a criança não toma distância, adere totalmente ao espetáculo com tudo que abarca de positivo para uma participação ativa do espectador, e de mais discutível para os problemas de identificação com os personagens e de credulidade na "magia teatral".

Projeção

A criança projeta nas coisas todo seu pensamento verbal; ela não analisa o conteúdo de suas percepções, mas o carrega de aquisições mal digeridas. Nossa percepção é constantemente corrigida por nossa compreensão, isto é, pelo uso dos quadros lógicos, sociais ou provindos de nossa experiência. Para a criança, essa correção é ínfima, porque sua percepção é tributária da afetividade e do comportamento motor.

"A imagem é ao mesmo tempo uma forma, uma existência, um comportamento motor correspondente a um certo sentimento". (1)

Pormenores

A criança vê muitas coisas, mais do que nós vemos. Ela observa uma quantidade de pormenores, que passam despercebidos para nossos olhos, mas ela não reorganiza essa pecepção, vê apenas uma coisa de cada vez e, assim, atomiza, ao justapor. Confunde, igualmente, muitas vezes, o usual e o real nos detalhes que ele contém.

A criança justapõe porque não sabe generalizar, achar a reciprocidade das relações à descoberta de uma lei geral, estando ligada à possibilidade de manejar as relações em todos os sentidos. É o fenômeno da tradução, passagem do singular ao singular, diferentemente da indução, que passa do singular ao geral e da dedução do geral ao singular. Essa definição da transdução dada pelo psicólogo Stein foi completada por Piaget, que vê nesse esquema de raciocínio "uma experiência mental primitiva, isto é, uma simples imaginação ou imitação da realidade tal como é percebida, isto é, irreversível". (2)

A + B = C, mas as relações são de tal modo fluidas que C= A + B.

Impossibilidade

Essa irreversibilidade do pensamento explica a impossibilidade que a criança tem de encontrar uma "lei". Não se compeenderia, sem isso, porque a criança não sabe generalizar, quando todos os seus hábitos de sincretismo a levam a assimilar tudo a tudo.

Podemos definir esse sincretismo como a tendência espontânea que as crianças têm de perceber por visões globais, de encontrar analogias imediatamente, sem análise entre objetos ou palavras, estranhas umas às outras, a ligar entre si fenômenos naturalmente heterogêneos, para encontrar uma razão para qualquer acontecimento, mesmo fortuito.

Riqueza

De um lado, não avaliamos bastante a riqueza dessas ligações, porque justamente esse sincretismo não conhece verdadeiro meio de expressões, que o fizesse comunicável. Pensamos, entretanto, que esse meio de expressão está próximo do jogo e, portanto, como mostraremos, também do teatro. Por outro lado, notamos também que essa faculdade de ligar tudo por analogia perturba a percepção por aproximações provenientes de erros, e favorece a credulidade infantil. Compreendemos que o teatro pode explorar essa credulidade.

Hábito

Esse hábito de ligar tudo, de tudo justificar, dá o que se chama fenômeno de pré-causalidade. Como mostram os estudos de Piaget, a criança só vê o que ela sabe, e percebe o mundo exterior como se ele tivesse sido construído antes por sua inteligência. Desde então, a percepção infantil não é visual, não se interessa pelos contatos especiais, nem pela causalidade mecânica. Ela é intelectual, isto é, penetrada de considerações estranhas à observação pura, donde a confusão da causalidade física e da motivação psicológica e afetiva. Assim, as consequências da pré-causalidade são o animismo e o artificialismo. A criança prolonga a realidade sensível de sua observação por uma realidade verbal e imaginada que ela coloca no mesmo plano. Ela nunca viu homem construir montanhas, mas prolonga o que viu no pedreiro, no marceneiro e na televisão.

Plasticidade

O real é plástico ao infinito para a criança, visto que ignora a realidade comum a todos, suscetível de destruir a ilusão e constrangê-la à verificação. Mas a discussão é um tipo de relação falseada, pelo menos para os mais jovens: eles têm durante muito tempo o sentimento de serem inteiramente compreendidos pelo adulto, não tentando daí precisar seu pensamento e, inversamente, retêm o que lhes agrada dos propósitos adultos, pela impossibilidade de penetrar totalmente no mundo adulto.

Realismo

O realismo da criança é intelectual. É a representação do mundo a mais natural para o pensamento egocêntrico. Mostra uma incapacidade para a observação objetiva. É, entretanto, porque a criança não é nem um "intelectualista" nem um místico. Compreendemos que a imaginação, pensamento representativo ou abstrato, influencia, corrige ou suplanta a percepção, pensamento concreto. E como seria de outro modo, uma vez que o real corresponde a um comportamento constrangido, tomado em uma situação, num conjunto, e que a imaginação é fonte de liberdade e de fantasia? Imaginar é usar de representações, de símbolos, é decompor e recompor, transpor, combinar, em uma palavra, é "brincar" para a criança. O processo espontâneo do pensamento é o jogo. É preciso não exagerar, como se faz ainda largamente, o caráter notável da imaginação infantil.

"A pretendida imaginação das crianças é apenas uma mistura confusa das sensações e das imagens e a impossibilidade de ver exatamente o real". (3)

Comparação

Jean Château, citando esta frase de M. Cousssinet, estabelece por seu lado uma comparação com a imaginação do adulto:

"Se há uma imaginação da criança, não é absolutamente que a criança tenha mais imaginação que o adulto, como se pretende; vimos, ao contrário, que sua imaginação é menos precisa, menos rica. Se ela perde em consequência esse maravilhoso poder de evocação, é que ela não pode mais fazer corresponder a um tão grande número de objetos-estruturas tornadas mais complexas; sua imaginação perde em extensão o que ganha em profundidade. Se ele vê menos seres fictícios, é que os vê melhor; é pela mesma razão que as palavras, cujo sentido é tão extenso na origem, se especializam cada vez mais. A imaginação, como a linguagem, perde em extensão o que ganha em compreensão".

Imperfeições

Convém desmistificar a criança, mas não vamos longe em demasia, porque a criança tem consciência de suas imperfeições. É por isso que, ao crescer, ela abandona os jogos de ficção, de simulacro, de símbolos (os nomes variam com os psicólogos), por jogos de regras, mais convencionais. Notemos que o jogo dramático adquire seu lugar e importância, permitindo à criança continuar a desenvolver a faculdade que tinha, de ser rejeitada pela sua incompetência. As crianças têm um senso agudo do símbolo e das convenções.

"A criança se contenta com analogias muito superficiais, muito reduzidas e, daí, relativamente arbitrárias. Não há grande semelhança entre uma haste de couve ou um termômetro, e uma criança sabe que não basta fazer "Hou!" para representar um lobo, nem correr atrás dos colegas para figurar um gavião. Em todos esses casos ela se contenta em estabelecer uma convenção. E chegamos ao caráter ilusório: é uma estrutura convencional". (J. Château, op. cit)

Contudo, essas noções não devem ser levadas ao absoluto e fixadas para toda a infância. Jean Château explica essa progressão da percepção e da imaginação infantil:

"A mentalidade visionária da criança pequena pode favorecer a faculdade ilusória, mas não pode criá-la, porque ela é percepção, enquanto que a ilusão consiste em uma representação, uma reconstituição; esta reconstituição não pertence mais ao domínio das formas percebidas. Mais do que isto, é a própria mentalidade visonária, a faculdade de perceber comparações, que permite à criança libertar-se mais facilmente da percepção presente encontrando nela uma sugestão do ausente, e que ajuda a ruína do seu poder. À medida que desaparece essa mentalidade, a criança é mais exigente em suas imitações; mas, em troca, pela ilusão de que, sem criá-la, essa mentalidade terá facilitado o nascimento, ela terá aprendido o valor do fazer de conta e seu poder evocador e criador. Terá passado sobre o plano dos símbolos, de onde se passa rapidamente ao plano dos sinais. Terá, por assim dizer, abandonado a imagem pela imaginação. Sem nascer diretamente do pensamento concreto, a estrututura ilusória faz como uma transição entre esse pensamento concreto, imaginado e afetivo, e o pensamento abstrato, conceitual e racional do adulto.

1) Jean Château - Le réel et l'imaginaire dans le jeu de l'enfant.

2) Piaget, La représentation du monde chez l'enfant.

3) Coussinet - Rev. Philosophique, 1970 - Le rôle de l'analogie das les représentations du monde exterieur chez les enfants.
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Artigo extraído (e aqui um pouco reduzido) do livro Le Théâtre pous Enfants, que consta da revista Cadernos de Teatro nº 65/1975, edição já esgotada.




























sábado, 27 de junho de 2009

Bernard Shaw:
breves reflexões e piadas de um gênio

Quem estuda teatro - por curiosidade ou interesse aprofissional -sabe pefeitamente quem foi e o que escreveu Bernard Shaw(1856-1950). Portanto, não nos dedicaremos aqui a falar de sua produção teatral, mas exibir um pouco a curiosa, sarcástica e polêmica personalidade do autor irlandês, que desde os 20 anos passou a morar em Londres.

* * *

REFLEXÕES


Amizade - Trata o teu amigo como se um dia ele pudesse tornar-se teu inimigo, e teu inimigo como se pudesse um dia ser teu amigo.

Amor - Ao querermos ler sobre atos praticados por amor, aonde nos viramos? À seção dos assassínios. E lembremos o seguinte: não há amor mais sincero que o da comida.

Artistas - O verdadeiro artista prefere deixar a mulher morrer de forme, os filhos andarem descalços, a mãe septuagenária trabalhar para sustentá-lo, a trabalhar em qualquer coisa que não seja a sua arte.

Boa sociedade - Em nossos dias, homem de boa sociedade é quem tem bastante dinheiro para fazer o que fariam todos os tolos se pudessem, quer dizer, consumir sem produzir.

Burguesia - Um homem moderadamente honesto com uma esposa moderadamente fiel, sendo ambos bebedores moderados numa casa moderadamente saudável, eis o verdadeiro tipo da classe burguesa.

Casamento - O casamento é popular por combinar o máximo de tentações com o máximo de oportunidades. Cabe à mulher casar-se o mais cedo possível e ao homem ficar solteiro o mais tempo que pode.

Civizilação - A civilização é uma doença devida à prática de construir sociedades com materiais podres.

Confidências -
A minha maneira de brincar consiste em dizer a verdade. É a brincadeira mais divertida do mundo.
A minha especialidade é ter razão quando outros não a tem.
Não deveis supor, só por ser eu um homem de letras, que nunca tentei ganhar a vida honestamente.
Nunca fui um bom filho, ou um bom irmão ou um bom patriota, no sentido de pensar que minha mãe, minha irmã e minha terra natal eram melhores do que as outras pessoas só pelo fato de eu lhes pertencer.

Corte - A corte é a copa dos criados do soberano.

Crime - O crime é o varejo do atacadista que chamamos de lei penal.

Democracia - A nomeação de uma pequena minoria corrompida é substituída, na democracia, pela eleição por uma multidão incompetente.

Dever - Quando um tolo pratica um ato de que se envergonha, declara sempre que fez o seu dever.

Educação - Quando um homem ensina alguma coisa a outro que não tem aptidão para ela, e lhe dá um certificado de proficiência, este outro completou sua educação de gentleman.

Eficiência - Na verdade, só há duas qualidades no mundo: eficiência e ineficiência, e só duas espécies de gente: os eficientes e os ineficientes.

Egoísmo - Se quiseres ver como as pessoas são egoístas e como a cortesia usual é epidérmica, fazei uma viagem...Um transatlântico é quase tão terrível como o Palácio da Verdade.

Esperança - Quem nunca esperou não pode desesperar nunca.

Felicidade - Uma vida inteira de felicidade? Ninguém a aguentaria: seria o inferno na Terra. Não temos mais direito de consumir felicidade sem tê-la produzido do que consumir riquezas sem tê-las produzido.

Escravidão - A escravidão atingiu o seu ponto culminante em nossa época sob forma de trabalho assalariado.

Gentleman - Não é um homem, pelo menos não um homem comum - pois o homem comum não passa de um escravo que alimenta e veste o gentleman melhor que os demais.

Governo - Somos governados por uma administração pública que possui poder tão enorme a ponto de seus regulamentos tomarem o lugar das leis, embora muitos deles sejam feitos apenas no interesse dos funcionários sem a menor consideração pelos interesses até pelos direitos do público.

Humanidade - Nas artes da vida o homem nada inventa; nas da morte, porém, ultrapassa a própria Natureza e produz por meios químicos e mecânicos toda espécie de peste, fome e outros flagelos.

Imoralidade - Tudo o que contraria as maneiras e os hábitos estabelecidos é imoral...Todo avanço em matéria de pensamento e comportamento é imoral por definição, até que não tenha convertido a maioria.

Imprensa - A invenção da tipografia e a liberdade de imprensa trouxeram-nos não apenas o risco do seu emprego abusivo, mas também a instalação como parte de nossa rotina social de alguns dos piores males que podem atingir a humanidade.

Indiferença - O pior crime para com nossos semelhantes não é odiá-los, mas demonstrar-lhes indiferença: é a essência da desumanidade.

Infelicidade - Há duas tragédias na vida: uma, a de não alcançarmos o que o nosso coração deseja; a outra, de alcançá-lo.

Ingleses -
Os ingleses nunca hão de ser escravos: eles são livres de fazer tudo o que o Governo e a opinião pública lhes permitem fazer.

Um inglês pensa que é moral quando é apenas desagradável.

Não há nada tão ruim ou tão bom que não se encontre ingleses a praticá-lo; mas nunca se há de encontar um inglês que não tenha razão. Ele faz tudo por princípios. Combate-nos por princípios patrióticos; rouba-nos por princípios comerciais; escraviza-nos por princípios imperiais.

Jogo de xadrez - É um expediente tolo para fazer com que pessoas preguiçosas acreditem que estão fazendo algo muito inteligente, quando estão apenas perdendo tempo.

Justiça - Quando um homem quer matar um tigre, chama a isto de "esporte". Quando o tigre quer matá-lo, o homem dá a isto o nome de "ferocidade". A distinção entre crime e justiça não é maior.

Lar - O lar é a prisão da moça e o hospício da mulher.

Lisonjas - O que realmente lisonjeia uma pessoa é que a julguemos digna de ser lisonjeada.

Martírio - O martírio é a única maneira de ganhar fama sem ter competência.

Monarquia - A monarquia constitucional é um meio para combinar a inércia de um ídolo de madeira com a credibilidade de um ídolo de carne e sangue.

Monotonia - Um homem é como uma vitrola com meia dúzia de discos. Em pouco tempo, a gente se cansa deles, e, no entanto, tem que ficar à mesa enquanto ele os toca para cada novo visitante.

Mulheres - A mulher nos reduz a todos nós ao denominador comum. Quem deseja uma vida feliz com uma mulher bonita assemelha-se a quem quisesse saborear o gosto do vinho tendo a boca sempre cheia dele.

Normas de comportamento - Não faças aos outros o que queres que te façam; os gostos deles podem ser diferentes dos teus.

Patriotismo - Nunca tereis um mundo tranquilo enquanto não expurgardes o patriotismo da raça humana.

Perigo - Neste mundo sempre há perigo para aqueles que o temem.

Pessimismo - Sabeis o que é um pessimista? Um homem que julga os demais tão sórdidos como ele próprio e por isso os detesta.

Progresso - A idéia de que houve algum progresso desde a época de César (menos de 20 séculos) é absurda demais para entrar em discussão. Toda a selvageria, a barbárie, o obscurantismo e todo o resto de que nós guardamos lembrança, no passado, existe no presente momento.

A decadência não pode encontrar agentes senão quando põe a máscara do progresso.

O homem razoável adapta-se ao mundo; o desarrazoado insiste em tentar adaptar o mundo a si mesmo. Por isso, todo progresso depende do homem desarrazoado.

Propaganda - Uma coisa que ninguém acredita não pode ser provada bastante.

Religião -

Há apenas uma única religião, embora dela exista uma centena de variações.

As Igrejas têm que aprender a praticar a humildade tão bem quanto pregá-la.

Um milagre...é um acontecimento que produz fé.

Revolução - Revoluções não quebraram nunca o jugo da tirania; passaram-no, apenas, sobre outros ombros.

Sacrifício - O sacrifício de nós próprios permite-nos sacrificarmos sem vergonha dos outros.

Sociedade - A sociedade é baseada na intolerância.

Soldados - Nunca espero de um soldado que pense.

Temperança - Sou abstêmio de cerveja, não de champanhe.

Viagens - Não gosto de sentir-me em casa quando estou no estrangeiro.


PIADAS

Na livraria - Examinando certa vez os livros oferecidos num balcão de sebo a preços muitos reduzidos, o dramaturgo topou com um volume de peças suas. O livro estava dedicado a um amigo, sob cujo nome, lia-se: "Com os cumprientos de G.B. Shaw". Comprando o livro, ele acrescentou: "Com os cumprimentos renovados do mesmo" e mandou-o de volta a quem já o oferecera uma vez.

Cinema - Conta-se que o magnata do cinema Samuel Goldwyn implorou a autorização de Shaw para filmar Pigmalião.

- Pouco me importa perder dinheiro com o filme - declarou ele. - Interessa-me apenas trazer uma contribuição à arte.

- É esta a diferença entre nós, respondeu Shaw. - O senhor só pensa em arte e eu só penso em dinheiro.

Isadora Duncan - segundo uma lenda, Isadora Duncan teria fervorosamente insistido com Shaw para que, em homenagem aos princípios da eugenia, tivesse um filho com ela.

- Imagine - teria dito ela - que criança essa, tendo o meu corpo e o seu cérebro.

Shaw rejeitou a proposta com este argumento:

- Imagine, porém, que infelicidade se ela tivesse o meu corpo e o cérebro da senhora.

Respondendo a inquéritos

Suas leituras preferidas?

Shaw - Só as minhas proprias, e com admiração cada vez maior.

Seus hobbies?

Shaw - Tudo, menos esportes.

Trocas famosas de telegramas e cartas

Telegrama de Shaw convidando Winston Churchill a uma de suas "premières":

Reservei-lhe dois ingressos para minha primeira representação. Venha e traga um amigo, se o tiver.

Resposta de Churchill:

Impossível assistir primeira representação. Assistirei a segunda, se a tiver.

Telegrama do Theatre Guild a Shaw pedindo-lhe que encurte "Santa Joana":

Favor alterar quarto ato de "Santa Joana" para que espectadores suburbanos possam pegar o último trem.

Resposta de Shaw:

Alterem horário trens.

Telegrama da atriz americana Cornelia Otis Skiner a Shaw pedindo-lhe o papel principal de "Cândida":

Cornélia - Posso representar "Cândida"?
Shaw - Formidável!
Cornélia - Elogios imerecidos.
Shaw - Referi-me à peça.
Cornélia - Eu também.

Convite - Certo dia o escritor recebeu de uma senhora da sociedade, conhecida esnobe e caçadora de celebridades, um convite assim redigido:

Lady X estará em casa na terça-feira das quatro às seis da tarde.

Shaw devolveu o cartão, tendo acrescentado estas palavras:

Mr. Bernard Shaw também.
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Texto extraído do livro "Socialismo para milionários", de George Bernad Shaw. Tradução de Paulo Rónai.
Stanislavsky e Tchecov:
divertida fonte de divergências

A paixão de Stanislavsky pelos efeitos de som foi sempre uma divertida fonte de divergências entre ele e o dramaturgo. Depois de Stanislavsky ter introduzido seus ruídos usuais em O jardim das cerejeiras, Tchecov comentou certo dia, durante um intervalo dos ensaios: "Que maravilhoso silêncio. Que beleza: Não ouvimos pássaros, cães, cucos, mochos; nem relógios, guizos de trenós, grilos".

Stanislavsky pensava que esses efeitos sonoros eram "realistas", mas como Tchecov certa vez comentou com Meyerhold, "O palco é arte. Existe uma tela de Kramskoi em que ele reproduz maravilhosamente faces humanas. Suponhamos que ele eliminava o nariz de uma dessas faces e o substituía por um autêntico. O nariz será 'realista', mas a tela ficará estragada".

É uma pena que tantos realistas modernos tenham seguido o critério de Stanislavsky e não o de Tchecov, ao abordarem a realiadade.
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Fragmento extraído do livro O teatro de protesto, de Robert Brusteis. Tradução de Álvaro Cabral.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Um enredo não é uma peça

Eric Bentley


A matéria-prima do enredo é a vida, mas não a média sofrível da vida cotidiana em sua banalidade exterior; pelo contrário, os raros clímax das situações extremas da vida ou a existência cotidiana, em suas formas secretas, são inteiramente conscientes. A perspectiva que rejeite essas situações extremas é antidramática.

Ordenação

O enredo é a ordenação desse material. Acarreta a aplicação de um princípio racional ao caos do irracional. Logo, qualquer enredo tem um caráter dualista: compõe-se de matéria violentamente irracional, mas a "composição" é em si racional, intelectual. O interesse num enredo - ainda o mais rudimentar - é interesse em ambos esses fatores e, talvez ainda mais, na sua interação mútua. Somos renitentes em conceder a existência de um elemento intelectual nas novelas de rádio e TV ou noutras formas de melodrama. É o reverso da nossa relutância em aceitar um elemento cruamente emocional na arte superior.

Restrição

Contudo, o elemento intelectual é muito restrito na arte inferior. Está apenas na escala do elemento intelectual dos jogos infantis. Entretanto, os jogos requerem verdadeira engenhosidade para a solução dos pequenos problemas que criam. Um enredo é como um tabuleiro de xadrez: seu desafio e atração, em parte considerável, são em parte devidos ao amor ao engenho ou talento.

Desejo

"Todos os homens desejam, por natureza, conhecer", diz Aristóteles. Numa história policial, desejamos descobrir "o assassino desconhecido" e, ao desejá-lo, somos filósofos. A emoção em causa é a ânsia de descobrir - chamamos-lhe a "sede de conhecimentos" quando aprovamos, "investigação" quando desaprovamos, e "curiosidade" quando somos neutros. Torno-me curioso quando me surpreendem e deixam a surpresa sem explicação. Fico sobre brasas até que me esclareçam. É sobre essas brasas que se cozinha o drama simples. A palavra é suspense. A expressão "enredo engenhoso" significa uma hábil manipulação da surpresa e do suspense.

Finalidade

Contudo, nem todas as obras dramáticas são assinaladas pelo "enredo engenhoso" nesse sentido, e a maior parte dos dramas assim marcados é de segunda categoria. Se a finalidade em vista é um drama de primeira categoria, a finalidade em vista não é a surpresa e suspense, não é enredo. A teoria é de que foi "derivada" de Aristóteles, mas à revelia de sua própria intenção. Mesmo quando alude a estratagemas tais como Inversão e Reconhecimento, considerando-os "elementos poderosíssimos de interesse emocional", é evidente que Aristóteles tem em mente algo mais do que mera curiosidade. Ele prevê uma platéia que "estremece de horror e se estremece de piedade". Horror e piedade são, evidentemente, as emoções citadas no maios famoso, se não mais lúcido pronunciamento de Aristóteles - quando afirma que a tragédia, através da compaixão e do medo, efetua "a própria catarse dessas emoções". Basta dizer, por enquanto, que, apesar de todas as interpretações variadas dessa afirmação, ninguém tentou até hoje reduzi-la a uma defesa do drama de mero "interesse" (ou curiosidade).

Dificuldade

O que é um bom enredo? A pergunta é difícil de ser respondida porque um enredo não é bom em si mesmo, mas parte integrante de um padrão. Ao chamar o enredo a "alma" da tragédia, Aristóteles está afirmando, talvez, que na sua opinião o enredo é o principal instrumento do dramaturgo, entre muitos outros. Se o drama é uma arte de situações extremas, o enredo é o meio pelo qual o dramaturgo nos leva a penetrar nessas situações e (se assim o desejar) a sair novamente delas. O enredo é o processo pelo qual o dramaturgo cria as necessárias colisões - como um perverso agente de trânsito que orientasse os carros não para se cruzarem, mas para se chocarem uns nos outros. As colisões despertam curiosidade e podem ser combinadas de modo a criarem suspense. Por enquanto, dispomos de um sólido teatro de segunda ordem. Algumas das coisas que o enredo pode fazer para criar um teatro de primeira ordem foram sugeridas neste capítulo. Falta sugerir as contribuições que podem ser dadas para tal teatro pela pesonagem, pelo diálogo, pelo pensamento e pela representação.
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Segmento extraído do livro "A experiência viva do teatro", de Eric Bentley, tradução de Álvaro Cabral.
Drama:
definições e delimitações

Martin Esslin

Muitos milhares de volumes têm sido escritos a respeito do drama e, no entanto, parece não existir uma definição do termo que seja universalmente aceita. "Uma composição em prosa e verso", diz minha edição do Dicionário Oxford, "adaptável à representação em um palco, no qual uma história é relatada por meio de diálogo e ação, e que é representada com acompanhamento de gestos, figurinos e cenários, como na vida real; uma peça".

Esta definição não é só prolixa e canhestra; é também positivamente incorreta. "Uma composição em prosa e verso" parece implicar um texto previamente composto, de modo que tal definição não possa ser aplicada ao espetáculo dramático improvisado; "...na qual uma história é relatada por meio de diálogo...": o que serão, então, aqueles fascinantes dramas em pantomima com os quais eram entretidas multidões parisienses no século XIX, ou que artistas como Marcel Marceau continuam a oferecer-nos hoje em dia? "...adaptável à representação em um palco": o que dizer do drama na televisão, no rádio ou no cinema? "...representada com acompanhamento de gestos, figurinos e cenários!": gestos, sim; porém já tenho visto muito drama bom sem figurinos e sem cenários! "...como na vida real...": bem, isto já ir um pouco longe demais. Parece pressupor que todo drama tem de ser realista. Será que "Esperando Godot" ou, nesse caso, "A viúva alegre" são como na vida real? E, no entanto, ambos são dramas, sem sombra de dúvida.

Enganos

Outras definições de dicionário que consultei resultaram igualmente enganosas e incorretas. Pois o fato é que a arte - atividade, anseio humano ou instinto - que se corporifica no drama é tão profundamente entranhada na própria natureza humana, e em tal multiplicidade de inquietações humanas, que é praticamente impossível traçar uma linha divisória precisa no ponto em que termina uma espécie de atividade mais geral e começa o drama propriamente dito.

Instinto

Pode-se, por exemplo, encarar o drama como manifestação do instinto de jogo: as crianças que brincam de Papai e Mamãe ou de Mocinho e Bandido estão, de certa forma, improvisando um drama. Ou podemos ver o drama como manifestação de uma das primeiras necessidades sociais da humanidade, a do ritual: danças tribais, ofícios religiosos, grandes cerimônias de Estado, tudo isso contém fortes elementos dramáticos. Ou podemos encarar o drama como algo que se vai ver, que está sendo representado e organizado como algo que deve ser visto, um espetáculo: em grego, teatro (theatron) significa um lugar onde se vai ver alguma coisa: a entrada triunfal de um imperador vitorioso em Roma continha elementos dramáticos, assim como os combates de gladiadores ou entre cristãos e leões, ou as execuções públicas, bem como todos os esportes que atraem espectadores.

Sentido

Nenhuma dessas atividades pode ser considerada como drama em seu sentido adequado, porém as linhas divisórias entre elas são, na verdade, extremamente fluidas: será que deveríamos considerar um circo no qual acrobatas exibem sua proeza física como uma atividade esportiva? E o que dizer, então, dos palhaços que realizam acrobacias em conjunto com suas pequenas cenas farsescas? Ou dos cavaleiros que deixam evidente sua destreza em assaltos simulados a diligências?

Protesto

Goethe, o príncipe dos poetas alemães, demitiu-se de seu cargo de diretor artístico do Teatro da Corte de Weimar em protesto contra uma peça na qual eram apresentadas as proezas de um cão amestrado. É possível que ele tenha tido toda razão ao fazê-lo; porém, não seria sua definição de drama um tanto estreita? Será que o drama deixa de ser drama no momento em que nem todos os seus atores são seres humanos? O que será, então, do teatro de bonecos ou de sombras (como os de Java), o que será dos desenhos animados nos quais os atores são meros desenhos?

Tentativa

Talvez devêssemos tentar chegar à definição do drama por esse ângulo: não há drama sem atores, estejam eles presentes em carne e osso ou sejam apenas sombras projetadas em uma tela, ou bonecos. "Ficção representada" poderia ser uma definição breve e percuniente de drama, se não excluísse o drama documentário, que é uma realidade representada. Será que "uma forma de arte baseada em ação mimética" seria mais satisfatório? Mas temos de lembrar-nos de que existem balés abstratos e, na verdade, filmes de animação que, muito embora permaneçam ação, não são, estritamente falando, miméticos. Será que ainda são drama? De certo modo, sim; de outro, não.

Obstáculos

As definições - e o pensar a respeito de definições - são coisas valiosas e essenciais, porém jamais devem ser transformadas em valores absolutos; quando o são, transformam-se em obstáculos ao desenvolvimento orgânico de novas formas, à experimentação e à invenção. É precisamente porque uma atividade como odrama tem delimitações fluidas que ela pode renovar-se continuamente a partir de fontes que, até aquele momento, haviam sido consideradas como residindo para além de seus limites. Não importa realmente se o circo ou o teatro de variedades, o desfile cívico ou o concerto pop ainda podem ser ou não estritamente definidos como formas de drama. O que é certo é que a arte do drama tem recebido, dessas manifestações, inspirações e impulsos importantes e, por vezes, de avassaladora significação.

Desdobramentos

E, de modo semelhante, das formas mais estritamente definidas do drama podem aparecer novos desdobramentos, como o happening ou os shows de multimídia. Haverá muita discussão sobre se estes últimos ainda poderão, ou não, ser chamados de drama; tais discussões serão valiosas no processo do esclarecimento de idéias e métodos, porém seu resultado propriamente dito - serão eles drama ou não - terá relativamente pouca importância.

Importância

Existe, no entanto, um ponto básico, de importância fundamental, que precisa ser salientado porque, embora óbvio, continua a ser pesistentemente ignorado, particularmente por aqueles que, como críticos e professores em cursos regulares de drama, são os guardiães de sua história e tradição: e esse ponto é que o teatro - drama para palco - é, na segunda metade do século XX, apenas uma das formas -e forma relativamente menor - da expressão dramática, e que o drama mecanicamente reproduzido dos veículos de comunicação de massa (o cinema, a televisão e o rádio), muito embora possam diferir consideravelmente em função de suas técnicas, também é fundamentalmente drama, obedecendo aos mesmos princípios da psicologia da percepção e da compreensão das quais se originam todas as técnicas da comunicação dramática.

Técnica

O drama como técnica de comunicação entre seres humanos partiu para uma fase completamente nova de desenvolvimento, de significação realmente secular em uma era que o grande crítico alemão Walter Benjamin caracterizou como sendo a da "reprodutividade técnica da obra de arte. Aqueles que ainda consideram o teatro como a única forma verdadeira do drama podem ser comparados aos contemporâneos de Gutenberg que só admitiam como livro verdadeiro aquele que era manuscrito". Através dos veículos de comunicação de massa, o drama transformou-se em um dos mais poderosos meios de comunicação entre os seres humanos, muito mais poderoso do que a mera palavra impressa que constitui a base da revolução de Gutenberg.

Conhecimento

É por isso que um certo conhecimento da natureza do drama, uma certa compreensão de seus princípios fundamentais e suas técnicas, bem como a necessidade de se pensar e falar a respeito dele criticamente, tornaram-se, em verdade, exigências do nosso mundo. E isso não se aplica apenas a obras grandiosas do espírito humano, tais como as peças de Sófocles ou de Shakespeare, mas também à comédia de situações da televisão ou até mesmo à mais leve de todas as formas dramáticas, o comercial de rádio ou televisão. Vivemos cercados pela comunicação dramática em todos os países industrializados de hoje em dia; deveríamos ser capazes de compreender e analisar seu impacto sobre nós mesmos - e sobre nossos filhos. A explosão das formas dramáticas de expressão confronta-nos a todos com riscos consideráveis de sermos escravizados por formas insidiosas de manipulação subliminar de nossos conscientes; mas, também, com imensas oportunidades criativas.
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Capítulo primeiro do livro "Uma anatomia do drama", de Martin Esslin. Tradução de Barbara Heliodora

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Teatro/CRÍTICA

"O zoológico de vidro"

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Obra-prima em excelente versão


Lionel Fischer


Um dos maiores representantes do drama psicológico-realista dos Estados Unidos dos anos 40 e 50, Tennessee Williams (1911-1983) revela nítida influência de O'Neill, Ibsen e Strinberg. Filho de um caixeiro-viajante, exerceu muitas profissões, enquanto cursava a universidade.
Após escrever algumas peças que não obtiveram maior repercussão, conquistou grande sucesso com "O zoológico de cristal" - aqui traduzida como "O zoológico de vidro" e muitas vezes também nomeada "À margem da vida" -, considerada uma de suas melhores obras e na qual aparecem seus temas prediletos: o choque entre a realidade e a ilusão, a frustração, a solidão e a fragilidade psíquica. Mais adiante Tennessee Williams produziu outras peças notáveis, como "Um bonde chamado desejo", "A rosa tatuada", "Gata em teto de zinco quente", "O doce pássaro da juventude" e "A noite do iguana".

Como já dito no parágrafo inicial, "O zoológico de vidro" foi um marco na carreira de Williams e agora temos a oportunidade de rever esta obra maravilhosa, em cartaz no Teatro Maison de France. Ulysses Cruz reponde pela direção da montagem, que trás no elenco Cássia Kiss (Amanda Wingfield), Kiko Mascarenhas (Tom), Karen Coelho (Laura) e Erom Cordeiro (Jim). A ótima tradução ficou a cargo de Marcos Daud.

Por tratar-se de uma peça por demais conhecida, não julgamos necessário resumir seu enredo e sim destacar imediatamente a altíssima qualidade do espetáculo em questão. Diretor extremamente talentoso e com vasta experiência, Ulysses Cruz impôs à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto, valorizando em igual medida tanto seus aspectos cômicos quanto aqueles em que o drama predomina. Valendo-se de marcas diversificadas e expressivas, o encenador consegue materializar todos os conteúdos propostos pelo autor, para tanto contando, evidentemente, com a preciosa colaboração do ótimo elenco.

Na pele de Amanda Wingfield, Cássia Kiss exibe uma atuação notável, conseguindo extrair tudo que é possível do papel, cabendo destacar não apenas seu ótimo trabalho vocal, mas também sua expressividade corporal - ou seja, a atriz atinge aquele ponto tão raro de se obter, que é uma integração absoluta entre o que é expresso através das palavras e também mediante a utilização de gestos e posturas em total consonância com a personalidade retratada. Sem dúvida, uma das melhores performances desta excelente intérprete.

Kiko Mascarenhas também convence plenamente na pele do irônico e atormentado Tom, conseguindo transmitir não apenas sua irritação com a mãe, mas também seu fascínio por ela - ainda que este último o personagem talvez não ouse sequer admitir. Cabe também salientar a capacidade do ator de enfatizar o caráter poético do personagem e seu enorme desejo de escapar do universo claustrofóbico e sem perspectivas em que vive. Karen Coelho encarna com grande sensibilidade a frágil e doentiamente tímida Laura, com Erom Cordeiro exibindo um trabalho irretocável na pele do ambicioso Jim.

Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o irrepreensível trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna produção - Hélio Eichbauer (cenário), Beth Filipecki e Renaldo Machado (figurinos), Domingos Quintiliano (iluminação) e Victor Pozas (música original).

O ZOOLÓGICO DE VIDRO - Texto de Tennessee Williams. Direção de Ulysses Cruz. Com Cássia Kiss, Kiko Mascarenhas, Karen Coelho e Erom Cordeiro. Teatro Maison de France. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Interação relacional:
uma abordagem alternativa para o desenvolvimento de um personagem
Bill Somers
"Permanecer no pesonagem" significa acreditar em um nível visceral nas relações exigidas pelo papel: trocando o termo "personagem" por "relacionamento", introduz-se o tema delicado (pelo menos para muito atores) que é "desenvolver um personagem". Quando um ator afirma estar "buscando seu personagem" e o diretor pergunta: "buscando o quê?", o ator normalmente torna-se confuso, às vezes zangado, quase sempre na defensiva. Muitos dos nossos atores têm sido treinados para "buscar o personagem". Este não é o problema. O maior problema é que dois atores se encontaram há apenas dez minutos, e o texto exige que eles se relacionem como mãe e filho.
Crença
Desenvolver esta crença é muitas vezes difícil, e na maioria das vezes é precisamente o elemento que falta em muitas encenações, profissionais ou amadoras. A atriz famosa ou a estrela universitária que interpreta Amanda em "À margem da vida" representa a mãe perturbada e dominadora, isto é, seu "personagem". O que acontece de fato é que a atriz representa mais ou menos uma ação toda a noite: severa acusação. Igualmente, a atriz representando Hedda Gabler desenvolve o "personagem" da mulher fria, indiferente, endadonha, e subsequentemente age com uma fria indiferença, não importa com quem ela fale. Essa abordagem não só leva ao enfado como também nega a textura real do relacionamento humano e a interação.
Significado
Como as teorias de comunicação, psicologia e sociologia nos têm demonstrado nestes últimos trinta anos, e como a filosofia nos tem sugerido no decorrer do século, a interação é relativa. O significado, tanto emocional como intelectual, depende com quem você está falando, onde e quando. Em certo sentido, o moderno "você", de acordo com essas disciplinas, não pode ser um simples "você", não pode ser um simples personagem. Antes, cada indivíduo transforma-se em vários "vocês", torna-se muitos papéis, dependendo com quem ele está se relacionado, quando e onde. Muitos exercícios de Josephe Chaikin sobre transformação de papéis só servem a uma útil função de aguçar a habilidade do ator para adotar imediatamente novos relacionamentos, mas também serve como um reflexo estético de nossa percepção da contínua mudança de natureza de nossas realidades individuais.
Para o ator, "personagem" é talvez um rótulo antiquado, ou ilusório. E essa venerada definição para o processo de atuar tem talvez impedido mais do que ajudado muitos em sua procura do que o ator de fato faz no palco. Discutindo as dificuldades da língua e do subtexto do ator, tanto no drama clássico quanto moderno, William L. Sharp, em Language in Drama, explica:
"Não imito um 'personagem'. Gostaria que pudéssemos destruir esta palavra de todas as discussões sobre uma produção dramática. Como ator, eu devo simplesmente recriar em meu corpo a atitude que Shakespeare criou, e essa atitude é definida pelas coisas que preciso fazer ou não fazer, durante a peça".
Cuidado
Mesmo Richard Boleslavsky foi cuidadoso, ao descrever o processo como "caracterização", em vez de recorrer à palavra personagem. E Stanislavski, usando a semântica de um período anterior e de uma maneira antiga de representar, parece estar constantemente procurando conceitos e significados para expandir este termo delimitador.
Sem o termo, o ator não pode mais "sair do personagem". Como atores experientes há muito sentiram ou souberam, o que o ator abandonou foi a concentração: ou sobre outro ator em cena, a quem ele deveria estar tentando afetar fisicamente ou emocionalmente, ou sobre uma imagem fora do palco, para a qual ele deveria ter desenvolvido uma realidade imaginativa personalizada, sentida. Na verdade, o que o ator fez quando "saiu do personagem" foi pensar em si próprio como ator, pensar sobre sua próxima fala, pensar na platéia ou na técnica física, vocal de seus colegas que com ele contracenam. Essas realidades externas perturbam a realidade imaginada da peça, e quando ocorrem, nós, como platéia, sentimos que houve algo de errado. Quando o texto requer que o ator "saia do personagem", na verdade ele requer que o ator desenvolva um relacionamento diferente com a platéia. Ele simplesmente representa outro papel, geralmente acompanhado de uma mudança de atitude.
Problemas
Se a expressão "personagem" desaparece como um conceito básico, o ator se defronta com três problemas gerais: como começar a desenvolver a convicção e o estímulo para o papel; que técnicas específicas usar para construir o papel; e como unificar o papel. Primeiro, examinando o relacionamento mais do que o personagem, o ator reconhece que tem muitos relacionamentos ou papéis na peça, cada um diferente. Laura pode ser "tímida", mas certamente não o é com o irmão Tom. Como na vida real, podemos nos achar tímidos, mas esse traço só se manifesta em certas circunstâncias e com certas pessoas. Assim como Laura é de início tímida com Jim, alguém pode ficar tímido quando rodeado por estranhos, numa festa cheia de gente. No entanto, o que acontece com nossa timidez quando nos relacionamos com uma criança de cinco anos? Como na vida, no palco, se o ator desenvolve a convicção numa variedade de relacionamentos, em vez de desenvolver um personagem, o resultado é um papel estruturado com uma dinâmica variedade de atitudes e motivações.
Abordagem
Segundo, dependendo da personalidade do ator, as técnicas para desenvolver devem seguir a abordagem mais pessoal de Stanislavski ou a mais física de Louis Jouvet, ou de modernas companhias teatrais. Um rápido método relacional é uma variação da "memória afetiva" de Stanislavski. Em vez de o ator aplicar suas experiências passadas primordialmente para sua própria realidade interna, ele exterioriza essa realidade para o outro ator. Por exemplo: se uma atriz tem que representar o papel de mãe de um ator, durante alguns ensaios este pode projetar na atriz uma imagem imaginária de sua própria mãe. Ou se a atriz nunca teve um filho, ela pode projetar no ator a imagem de um irmão mais novo ou uma metáfora vivencial equivalente. O uso contínuo que Helen Hayes fazia de seu poodle com esse proveito me vem à memória. A imagem extrínseca buscada na experiência pessoal geralmente desaparece depois de alguns ensaios, assim que ambos os atores solidificam suas atitudes emocionais mútuas.
Complexidade
Esta técnica pode parecer simplista, mas os resultados são complexos. É surpreendente como muitas atrizes em tais papéis demonstram pouca responsabilidade maternal para com seus atores-filhos. Elas acentuam coisas como criticar, censurar, ensinar, e dão pouca ênfase às atitudes ternas, que nos permitem acreditar e ter empatia pela dimensão de amor-ódio em qualquer relacionamento. Igualmente, o ator-filho, que na vida real nunca duvida do status natural das estruturas da sociedade ou da família, não concederá o status superior de mãe à atriz, como faria com sua própria mãe. Então, começa um ciclo problemático. Em termos de relacionamento, os atores tratam-se como iguais. Como o ator não trata a atriz como estando numa posiçlão de superioridade, esta representa com ainda maior ênfase as ações de censurar e ensinar. Representar uma posição subalterna é uma façanha difícil para qualquer ator. Não só o ego do ator briga com esta noção como também sua psicologia natural de autoproteção rebela-se contra a idéia de admitir a superioridade a quem lhe é igual.
Caminho
A confiança e o respeito do ator pela necessidade de desenvolver um efeito verdadeiro facilita o problema da disposição em adotar um determinado status necessário. Esta abordagem física abrange outro caminho para se desenvolver vários relacionamentos num só papel. Aqui, o ator encontra algo extremamente enfadonho e ao mesmo tempo extremamente atraente no seu ator companheiro. Esse "algo" pode variar do respeito ou desrespeito pela técnica de palco de seu colega ator para um traço físico ou emotivo desse colega. O propósito é estruturar o relacionamento: todo relacionamento humano, não importa o quanto íntimo ou hostil ele seja, mostra um certo equilíbrio de elementos positivos e negativos. Adicionalmente, o ator encontra em seu colega um traço físico ou emocional que se aproxima das necessidades de relacionamento do papel. Se este colega vai ser seu pai, ele precisa encontrar um lado autoritário que realmente o intimide; se este colega vai ser seu filho, ele precisa encontrar um traço de fraqueza ou desamparo. O objetivo aqui é eliminar de início a ironia das imposições imaginárias entre atores como atores. Quando um ator olha para o outro, ele fisicamente e emocionalmente se relaciona com os traços selecionados que literalmente vê em seu colega. Este método de construir relacionamentos leva mais tempo, mas frequentemente mostra-se mais completo e profundo.
Unidade
Por último, sem o "personagem" como um conceito focal, como o ator unifica todo um papel? Primeiro, ele observa seu relacionamento principal na peça; segundo, analisa sua motivação dominante em relação a este relacionamento; terceiro, ajusta outros relacionamentos e motivações a esse centro primordial. De novo, fazendo uso das teorias modernas de interação pessoal, a motivação, como um conceito de trabalho, torna-se mais dinâmica quando vista em termos relacionais. Interpretendo-a como "Eu quero de..." em vez de simplesmente "Eu quero..." não só o ator percebe que seu ponto certo de concentração reside em seu colega, mas também mostra a ele que seu objetivo é gerar uma reação no comportamento desse colega.
Motivação
Em "À margem da vida", o relacionamento principal de Tom é com Amanda. Sua motivação não é apenas "Eu quero deixar esta casa". Ao contrário, é: "Por mim, eu gostaria que minha mãe não fizesse resistência à minhapartida". A segunda forma retrata o contexto relacional do papel, e descreve a variedade de ações que Tom pode usar para tentar conseguir este objetivo primordial. Ele adula Amanda, agrada a ela, explica-lhe, censura-a e finalmente deixa-a de lado. Tom não alcança seu objetivo principal. Este exemplo ocorre em muitos dramas, seja "Hamlet" ou "A morte do caixeiro viajante".
De qualquer forma, Tom tenta, esforça-se e interage frontalmente durante toda a peça, e isto constitui a ação dramática. A motivação e relacionamentos secundários de Tom na peça podem ser: "Se eu pudesse faria com que minha mãe aceitasse Laura como ela é, em vez de manter uma falsa imagem de Laura sobre mim, como uma barreira a que eu deixe a casa". Surge uma unidade relacional quando as motivações são interpretadas dessa maneira e, ainda mais significativo para o ator, também as atitudes que ele tomará em relação a cada qual dos outros atores. Da mesma forma que Tom, cada ator desta peça encontrará seu relacionamento particular principal e sua respectiva motivação. Utilizar a frase "Seu eu pudesse" muitas vezes ajuda o ator a conceituar sua real motivação, que frequentemente está mascarada na peça por um conflito imediato.
Questão
Resta uma questão final: e aqueles gestos peculiares, maneirismos, modos de andar, timbres de voz, e tudo mais que compreende a noção convencional de um "personagem?" Infelizmente, o jovem ator muitas vezes começa com estas técnicas, enquanto o ator veterano as esquece. Esses traços característicos podem ser rotulados mais como "extensões" do que como "personagem", já que implicam em que o ator deverá ampliar sua maneira normal físico-vocal, explorando novos meios de usar seu corpo e voz para cada papel. Quando o ator jovem tenta tais extensões, torna-se artificial e estereotipado, porque se concentra na peculiaridade físico-vocal, em vez de concentrar-se na motivação e na ação. O ator mais velho frequentemente abandona a extensão porque ele encontrou uma abordagem particular, vocal e física, que funciona bem no palco ou na tela, e que agora aplica em qualquer papel. Em outras palavras, o ator mais velho concentra-se agora somente no relacionamento, motivação e ação.
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Artigo extraído de Players, 1976, vol. 51 nº 2. Tradução de Carminha Lyra. Este artigo consta da revista Cadernos de Teatro nº 76/1978, edição já esgotada.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A pintura de cenário

A arte de pintar cenários chegou à notoriedade durante o Renascimento e foi dominante no teatro dos séculos XVII, XVIII e XIX. Com a vinda do realismo e do modernismo, o pintor de cenários, com seus inúmeros moldes e técnicas elaboradas, perdeu muito de seu prestígio, mas mesmo assim a arte, ou porque não chamarmos o ofício de pintar cenários continua importante. Portanto, vejamos alguns de seus aspectos fundamentais.

Tintas para cenário

1. Na maioria das lojas de decoração de cenários, são padrão as tintas secas.(1). As tintas em pó são as menos caras de todas (algumas tintas pastosas contêm cola e são fáceis de preparar, misturar e armazenar). Há uma grande variedade de tintas que são fáceis de usar. Independente do tempo que demoram para secar, elas podem ser removidas dos pincéis, das mãos e do assoalho, com água. Quando secam, apresentam um acabamento macio e por igual, que é geralmente recomendável num palco.

2. Nos últimos anos, as tintas à base de caseína têm desafiado a supremacia das tintas secas na pintura de cenários.(2). São executadas em forma de pasta e para prepará-las basta adicionar água; as cores são geralmente de excelente qualidade. Cobrem extraordinariamente e são de fácil manuseio. Deixando-as secar completamente (o que leva geralmente alguns dias), elas se tornam insolúveis. Normalmente isso traz mais vantagens do que desvantagens, pois algumas vezes, quando se trata de espetáculo itinerante, o trabalho deve ser feito com tinta resistente à água.

São as seguintes as desvantagens: as latas de tinta parcialmente usadas têm tendência a secar e deteriorar; as roupas e pincéis devem ser limpos antes que a tinta seque totalmente; o preço é maior do que o de tintas secas. Contudo, as vantagens tendem a contrabalançar as desvantagens, e muitas lojas especializadas em cenários mudaram o estoque de tintas secas para as de caseína.

3. Tintas a óleo e vernizes quase nunca são usadas, exceto em circunstâncias especiais, tais como na pintura de certos objetos de palco. Em geral elas são caras, secam vagarosamente e sujam muito ao serem manuseadas. Pincéis, roupa e assoalho, quando salpicados com tintas a óleo, devem ser limpos imediatamente com terebentina, um processo caro e inconveniente.

4. Tintas metálicas cor de bronze, de alumíneo e muitos outros matizes têm algum valor, especialmente na pintura de objetos do palco (exceto roupas e cenários). Normalmente, devem ter uso restrito, sendo visadas apenas na decoração ou execução de detalhes.

5. A goma-laca é frequentemente útil. Seca com rapidez e algumas vezes pode ser aplicada sobre tinta de cenário, para contrabalançar a tendência dessa tinta de se apagar com o tempo. Também pode ser usada para dar um brilho forte à superfície ou um efeito de verniz às partes de madeira.

Pincéis e outros materiais

O pincel mais comum encontrado nas lojas de cenário é o pincel de 10 a 12 cms. Os pincéis holandeses de 12 a 22 cms de largura são geralmente melhores, mas são caros. Muitos amadores confiam nos pincéis de fibra baratos para o seu trabalho básico. Sendo recomendável um bom material, é bom saber que, nas atuais lojas de cenários, qualquer tipo de pincel é geralmente superior ao técnico que o maneja. Alguns cenaristas executam excelentes trabalhos usando material que a maioria dos universitários modernos sentir-se-iam constrangidos até mesmo em tocar.

Os pincéis mencionados são todos grandes. São usados para aplicação da primeira camada, que exige certa rapidez e é de fácil aplicação. Além disso, são úteis os pincéis de tamanho menor, a saber, de 3 a 9 cms de largura, enquanto alguns, de cabo longo, são absolutamente indispensáveis para a execução de certos detalhes.

A limpeza e o cuidado com os pincéis são de extrema importância. Um pincel holandês de 45 dólares pode ser inutilizado numa única temporada por negligência, enquanto que nas mãos cuidadosas de um verdadeiro profissional, poderá durar muitos anos. Esse cuidado é simples. Os pincéis usados com tinta a óleo ou verniz devem ser limpos com terebentina; os usados com goma-laca, com álcool para madeira; e os usados com tinta de cenário ou tinta à base de caseína, com água. No fim de cada dia, os pintores que se orgulham de seu trabalho limpam os pincéis de ponta a ponta, ajeitam as suas cerdas cuidadosamente, alisando e pendurando-os para secar.

Técnicas de pintura

Mesmo hoje, a presença de cenaristas capazes é um grande investimento para qualquer produtor. Embora o naturalismo e o romantismo já não estejam em voga, ainda há uma grande procura de artistas com conhecimento de contrastes luminosos de cor e forma, e que saibam criar efeitos de terceira dimensão. Contudo, o estudo de tais técnicas não pode limitar-se à presente discussão; elas também são, em grande parte, resultantes da prática e da experiência. Portanto, só levaremos em consideração algumas poucas técnicas básicas que o leigo poderia empregar na pintura de ambientes em geral.

A primeira camada é aplicada com um pincel grande. Bons cenaristas trabalham despreocupadamente mas com rapidez usando as pontas das cerdas, cujo desenho segue o da letra X. Se o trabalho for bom, a primeira camada ficará toda por igual, quando as superfícies estiverem secas.

No cenário quase nunca se usa uma única tinta de base. Os pintores aplicam uma camada secundária para dar textura e especialmente para cobrir os defeitos (remendos, cabeças de prego, calombos) que tendem a aparecer nitidamente em uma superfície perfeita, plana e macia. Essa camada secundária é geralmente aplicada por meio de uma das seguintes técnicas:

1. Talvez seja mais útil salpicar. É preciso um pouco de prática para desenvolver a habilidade necessária. Comumente se prefere um pincel de cerdas largas. Ele é mergulhado de leve na tinta secundária, é secado, espremendo-o e sacudindo as cerdas, para que saiam todos os restos de tinta. Se as manchas deixadas são muito grandes, o pintor saberá que a tinta está muito rala, o pincel muito grande e as cerdas muito molhadas.

2. A gravura a ponto é feita comumente com uma esponja, embora possa ser empregada estopa ou outro material. O pintor simplesmente mergulha a esponja na tinta secundária, seca-a levemente e aplica-se à superfície num movimento de batidas leves e breves.

3. Pincelar a seco consiste em sombrear, e tanto é popular como útil. As camadas secundárias são simplesmente aplicadas com um pincel parcialmente seco. Este método pode ser usado em panos axadrezados ou de textura como a de um tapete, bem como em fibras de madeira.

4. A pintura com rolo produz, às vezes, bom efeito. Os rolos comuns, para decoração de casas modernas, podem ser usados para aplicar as primeiras camadas, bem como para pintura de seguna mão, embora a flexibilidade das telas, numa superfície plana, faça com que o rolo tenha menos efeito do que numa parede sólida de cal. Um rolo totalmente seco pode ser usado para produzir interessantes efeitos e texturas. Os rolos cobertos com estopa, toalha felpuda e outras fazendas grossas dão os melhores resultados. Outras técnicas empregadas em geral pelos pintores de cenário incluem o uso de sprays rolos moldados. (3)

NOTAS

1. Preparam-se tintas secas misturando uma parte de goma quente concentrada com aproximadaente dez partes de água. . Pode-se incluir, em geral, uma pequena porção de ácido carbólico, para evitar deterioração.

2. Tintas à base de goma elástica e de resina também estão sendo usadas, mas são um tanto caras.

3. Verdadeiro papel de parede, usado algumas vezes para dar uma aparência real a interiores.

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Artigo extraído de "An introduction to the theatre", de F. M. Whiting, N. Y. 1954. Tradução de José L. Porto de Magalhães. Este artigo consta da revista Cadernos de Teatro nº 76/1978, edição já esgotada.
Teatro/CRÍTICA

"Espia uma mulher que se mata"

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Maravilhosa e surpreendente versão de um clássico


Lionel Fischer


Por muitos considerada a melhor peça de Tchecov, "Tio Vânia" já recebeu inúmeras e primorosas versões de encenadores nacionais. Mas esta, do argentino Daniel Veronese (em cartaz em Buenos Aires) e que aqui é assinada por Marcelo Subiotto, que atua no espetáculo portenho, foge por completo a tudo que já vimos, materializando na cena um "olhar" sobre o texto que, sem traí-lo em momento algum, permite ao espectador, digamos, uma espécie de inesperado encontro com personagens e situações há muito conhecidas - neste particular, naturalmente, nos referimos a espectadores que cultivam o salutar hábito de ir ao teatro e que já tenham assistido a outras versões desta obra-prima.

Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), "Espia uma mulher que se mata", livremente inspirada em "Tio Vânia", chega à cena com elenco formado por Roberto Bomtempo, Miriam Freeland, João Vitti, Marco Miranda, Flavia Pucci, Regina Sampaio e Symone Strobel.

"Não haverá roupas teatrais, nem ritmos bucólicos em salões familiares. Nem utensílios que denotem um tempo campestre. A ação acontecerá na velha e maltratada cenografia. Tirando elementos até chegar a uma expressão mínima, 'Espia uma mulher que se mata', versão de 'Tio Vãnia', acaba sedimentando algumas questões de ordem universal: o álcool, o amor pela natureza, os animais toscos e a busca da verdade através da arte. Deus, Stanislavski e Genet".

O texto acima, extraído do release que nos foi enviado e de autoria de Daniel Veronese, sintetiza de forma admirável as premissas essenciais do espetáculo. Ao invés dos tais ritmos bucólicos, sempre uma constante em Tchecov, aqui quase sempre o ritmo é vertiginoso, muitas vezes os atores falam ao mesmo tempo - mas sempre permitindo que se entenda o essencial do que dizem - e o álcool é uma espécie de mola propulsora de todos os conflitos, na medida em que permite um progressivo relaxamento de todas as defesas, assim facilitando o exacerbado e doloroso aflorar de verdades fadadas a permanecerem ocultas.

Evidentemente que falando apenas em nosso nome, posto que não saímos perguntando a opinião dos espectadores ao final da montagem - ainda que tal desejo nos acossasse, tamanho nosso entusiasmo -, nos sentimos como num daqueles encontros de família, não raro caóticos, impregnados de histeria e ao mesmo tempo de momentos altamente dramáticos, comoventes e líricos, afora outros tantos em que se torna impossível conter o riso - neste particular, nunca é demais lembrar que Stanislavski e Tchecov, embora grandes amigos, viviam à turras, pois o primeiro achava dramáticas todas as grandes obras do segundo, enquanto Tchecov insistia que escrevia comédias.

Enfim...seja como for e sob todos os pontos de vista, trata-se de uma versão maravilhosa e inusitada de uma obra quase sempre montada de forma convencional, o que torna obrigatória e inadiável uma ida ao Planetário.

Com relação ao elenco, aqui nos deparamos com algo bastante raro: todos os atores, sem exceção, desempenham seus papéis de forma admirável, a eles se entregando de uma maneira apaixonada e visceral. Em vista disso, nos pareceria injusto destacar um determinado desempenho. Mas como eventuais injustiças fazem parte da natureza humana - e um crítico teatral, embora muitas vezes não pareça, também se inclui entre os bípedes que habitam este curioso planeta - não resistimos à tentação de falar de Miriam Freeland. E por uma razão muito simples: sendo uma mulher belíssima e dotada de um tipo físico que a condenaria a fazer princesas ou mocinhas tísicas de novelas de época, a atriz demonstra sua capacidade de negar frontalmente as premissas que poderiam aprisioná-la, criando uma Sônia absolutamente passional, histérica e de uma fragilidade comovente. Sem dúvida, Miriam Freeland exibe aqui a melhor atuação de sua carreira.

Na equipe técnica, Daniel Veronese responde por uma cenografia propositadamente "velha e maltratada" e por uma luz geral que jamais se modifica, ambas em perfeita sintonia com suas propostas já mencionadas, a mesma sintonia presente na "ausência" de figurinos datados.

ESPIA UMA MULHER QUE SE MATA - livre adaptação de "Tio Vânia", de Tchecov. Direção de Marcelo Subiotto. Com Roberto Bomtempo, Miriam Freeland e outros. Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea). Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
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Teatro/CRÍTICA

"Festa em família"

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Trágico ajuste de contas


Lionel Fischer


Ao contrário do que ocorre normalmente, a peça "Festa de família", de David Eldrige, é uma adaptação do filme homônimo de Thomas Vinterberg, premiado com a Palma de Ouro em Cannes, em 1998. Ambientado na casa de campo do patriarca de uma abastada família dinamarquesa, o texto gira em torno da comemoração dos 60 anos do dito patriarca, que ali reúne parentes e amigos imaginando, certamente, que sua festa de aniversário transcorreria de forma tranquila e impregnada de felicidade. No entanto, a partir do momento em que vêm à tona revelações tão inesperadas quanto chocantes, o encontro se converte em uma espécie de trágico ajuste de contas.

Eis, em resumo, o enredo de "Festa de família", em cartaz no Teatro III do CCBB. Bruce Gomlevski assina sua primeira direção teatral e também divide o palco com Julia Carrera, Walney Costa, Otto Jr., Risa Landau, Teresa Foumier, Joelson Gusson, Peter Boos, Christovam Netto, Carolina Chalita, Ricardo Damasceno, Leonardo Corajo, Carlos Veiga e Júlia Limp Lima. O presente espetáculo marca o início das atividades de Cia. de Repertório Teatro Esplendor.

Como não assistimimos ao filme, só podemos analisar a peça em si. E ela contém muitos méritos, sem dúvida, dentre eles o de abordar um tema atualíssimo, embora sempre escamoteado - o incesto - e propor um olhar crítico sobre as relações familiares, em geral marcadas pela hipocrisia, recurso que visa impedir que verdades indesejadas venham à tona. Afora isso, o autor cria personagens fortes e diferenciados, quase todos portadores de graves neuroses.

No entanto, acreditamos que o dramaturgo, depois de haver explicitado o tema principal, leva um tempo excessivo para materializar na cena seus desdobramentos e consequências, adiando em demasia as inadiáveis ações que se fariam necessárias após a inusitada revelação.

Quanto ao espetáculo, Bruce Gomlevski impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto, que nos parece exigir pausas prolongadas, silêncios constrangedores e eventuais momentos de violência. Cabe ainda registrar a ótima proposta de fazer com que os espectadores, de certa aneira, participem da cena, já que nas mesas do banquete existem lugares disponíveis para a platéia. Tal ideia nos parece bastante pertinente: não só aproximar os espectadores do contexto, mas também deixar implícito que a realidade da cena pode também refletir a realidade dos que assistem ao espetáculo.

Com relação ao numeroso elenco, todos os profissionais que estão em cena exibem performances seguras e convincentes, todos se entregando sem reservas e com total paixão aos complexos e doentios personagens que interpretam. Ainda assim, destacamos as atuações de Bruce Gomlevski (Christian, o que deflagra todos os conflitos), Julia Carrera (Helene, irmã de Christian), Otto Jr. (Michael, irmão de Christian e Helene), Walney Costa (Helge, o patriarca) e Joelson Gusson (Poul).

Na equipe técnica, Maneco Quinderé assina uma iluminação sóbria e expressiva, o mesmo ocorrendo com os figurinos de Flávio Souza. Bel Lobo responde por uma cenografia bastante criativa, com a única ressalva de um pequeno tablado que fica ao centro e torna um tanto confusas algumas cenas fora do banquete. Marcelo Alonso Neves cria uma trilha sonora eficiente, sendo de ótimo nível a tradução de José Almino.

FESTA DE FAMÍLIA - Texto de David Eldrige. Direção de Bruce Gomlevski. Com Bruce Golevski, Julia Carrera e outros. Teatro III do CCBB. Quarta a sexta, 20h. Sábado e domingo, 19h30

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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Max Reinhardt:
o papa do teatralismo

Martin Esslin


Entre as grandes personalidades que no início deste século criaram e estabeleceram o conceito moderno de diretor de teatro (Antoine, Lugné-Poe, Gordon Craig, Stanislavski), Max Reinhardt (1873-1943) é frequentemente descartado, como sendo um eclético que se limitava a tirar idéias dos outros e que tinha em vista primordialmente o sucesso comercial pessoal. Apesar de haver um fundo de verdade nesta visão de Max Reinhardt, ela entretanto, não é fiel a uma das grandes personalidades dos teatro desta época ou de qualquer outra época. O ecletismo de Reinhardt é somente um aspecto do compromisso universal com o teatro, teatro em todos os seus aspectos - quanto mais teatral, melhor. E se ele conseguiu, no auge de sua carreira, um extraordinário sucesso internacional, foi somente devido à sua profunda convicção de que o teatro é instrumento do "showman", e também, na crença na sua habilidade de dar prazer a milhares de pessoas que só poderia ser posta a prova se fosse mesmo capaz de atrair milhares e milhares de pessoas.

Raízes

As raízes de Reinhardt estão profundamente embebidas na tradição teatral de Viena, uma cidade sempre fantasticamente devotada ao teatro, idolatrando atores, dedicada aos prazeres sensuais, o humor alegre e os espetáculos brilhantes. Seus pais, assim como toda a sua família, de comerciantes judeus, não tinham inclinações artísticas. Mas, desde sua tenra juventude ele ia frequentemente ao teatro. Ele mesmo declarou, certa vez, que o seu lugar de nascimento como artista foi na galeria do Burgtheater, o velho teatro imperial dos Habsburgs:

"Nasci na quarta galeria. Foi lá que descobri pela primeira vez as luzes do palco. Foi lá que me nutri com o rico e artístico alimento desta Instituição Real e Imperial, onde atores famosos cantaram junto ao meu berço suas áreas clássicas. Eu podia até cantar de cor aquelas melodias maravilhosas. O Burgtheater estava cheio de vozes, que, como instrumentos preciosos, formavam uma orquestra incomparável. Este som chegava a nós no topo da galeria. As palavras eram de Shakespeare, Molière, Goethe, Schiller, Calderon etc. Conhecíamos as peças de cor, mas íamos vê-las e ouvi-las milhares de vezes".

Oportunidade

Aos 17 anos começou a frequentar a escola de teatro e também teve aulas particulares. Aos 19 teve sua primeira oportunidade profissional, nos subúrbios de Viena. Foi aí que Otto Brahm, o grande crítico alemão e pioneiro do naturalismo na Alemanha, na época diretor do mais famoso teatro de Berlim, o Deutsches Theatre, viu seu trabalho e ficou profundamente impressionado e finalmente prometeu-lhe um emprego. Aconselhou-o, porém, a continuar trabalhando no interior, para ganhar mais experiência.

Conselho

Seguindo este conselho, foi trabalhar nas férias de verão em Pressburg e em seguida foi trabalhar como ator no teatro municipal de Salzburg. Ali ele compôs 49 papéis diferentes (prova da riqueza do repertório dos teatros provincianos daquela época). Ele se sobressaía nos papéis de velho, apesar de só ter 20 anos. Na primavera de 1894, Brahm foi a Salzburg assistir novamente o trabalho de Reinhardt. Contratou-o para ir a Berlim na temporada seguinte.

Personalidade

A habilidade e o sucesso de Reinhardt como ator são da máxima importância para poder-se compreender a sua personalidade e o seu método como diretor; na sua opinião, o teatro está principalmente no desempenho do ator; a qualidade literária do texto pode às vezes ser secundária, contanto que dê oportunidade a que o ator exprima o seu gênio particular. Por isso, Reinhardt nunca hesitava em lançar mão de material que à primeira vista parecesse indigno do teatro de cultura mais aprimorada, como operetas, farsas e pantomimas.

Método

O método de Reinhardt como diretor era o de mostrar aos atores os seus papéis. Ele não os representava, mas sabia dar uma indicação inteligente e concisa sobre a essência de um gesto ou sobre a entonação. Sendo um ótimo ator característico, Reinhardt era capaz de mostrar ao ator não como ele, Reinhardt, seria capaz de interpretar o papel, mas como este ator ou atriz deveria fazê-lo para dar o máximo de expressão à sua individualidade. Reinhardt acreditava que, na maioria das pessoas e dos atores, a verdadeira personalidade está submersa debaixo de uma grossa camada de timidez, maneirismos e preconceitos. Aos alunos que mais tarde frequentaram suas escolas de teatro de Berlim, Viena ou Hollywood, Reinhardt insistia sempre que o verdadeiro trabalho que eles tinham de realizar era o de descobrir e desenvolver suas verdadeiras personalidades, que estariam profundamente escondidas em nosso ser.

Essência

Para ele, a tarefa de um ator é usar sua própria personalidade ao máximo, para através dela poder expressar a essência do personagem que está representando, construindo assim a personalidade do personagem com a riqueza de sua própria experiência e como contribuição da natureza mais profunda do ator. Todos os grandes atores que passaram pelo teatro de Reinhardt, formados por sua influência, foram marcados por esta força de sua personalidade. Ele trabalhou no Deustches Theatre durante sete anos e tornou-se um dos baluartes deste famoso grupo. Brahm, o diretor do Deustches Theatre, era um naturalista que dava um cunho naturalista à maneira de representar e à produção. Reinhardt contribuiu muito para o triunfo deste estilo realista e meticuloso. Mas os tempos estavam mudando e ele acabou se cansando da aridez e do naturalismo que dominava o palco naquele tempo.

Imaginação

Quurendo diversificar suas atividades, Reinhardt e um grupo de atores do D. Theatre que pensavam como ele formaram um grupo, que, no início, dava espetáculos altas horas da noite, em cabarés. Assim, através de canções e quadros de sátira e paródia, podiam liberar sua imaginação e suas mentes exuberantes. Nestes espetáculos, os figurinos coloridos, a maquilagem grotesca, as piadas elaboradas e o exagero desenfreado - todos os tabus do teatro naturalista - podiam ter livre curso. Em 1901, o grupo se consolidou e passou a se chamar "Som e fumaça". Aquiriram o seu próprio teatro, que tomou o nome de "Pequeno Teatro". Ele apresentava não só canções mas também peças. Durante este tempo, Reinhardt ainda estava ligado a Brahm por contrato até o final do ano, e não podia ser assim o diretor oficial do novo teatro. Mas em 1º de janeiro de 1903, o seu contrato com Brahm terminou e ele tornou-se a alma deste novo empeendimento.

Sucesso

O primeiro sucesso do grupo foi a produção de Gorki "Lower Depths" e foi um sucesso tão grande que atraiu multidões ao teatro. O sucesso deste espetáculo foi tal que eles conseguiram adquirir uma segunda casa (Neues Theatre Am Schiffbauerdamm), hoje a casa do grupo berlinense de Brecht. Nestes dois teatros a nova companhia, na qual Reinhardt era indiscutivelente a maior influência, selecionou um novo repertório que era uma reação contra o puro naturalismo de Brahm e seus seguidores. Foi tão surpreendente a acolhida deste tipo de espetáculo que foi oferecida a Reinhardt a direção do D. Theatre, o bastião do próprio naturalismo. Em 31 de agosto de 1905 ele entra como diretor artístico no teatro onde tinha colhido seus primeiros louros. Reinhardt ainda não tinha 32 anos.

Ambições

Suas idéias tinham se consolidado desde a fundação do grupo-cabaré, cinco anos antes. Suas ambições eram imensas e o caminho percorrido demonstra-o claramente. Numa declaração que data de 1901, Reinhardt foi muito preciso:

"O que eu pretendo é um teatro que venha de novo trazer alegria às pessoas; que as tire da miséria do dia-a-dia e as leve para além delas mesmas, ao mundo da beleza e da alegria. Tenho certeza de que as pessoas não aguentam mais ver no teatro sua própria miséria e estão querendo uma vida mais colorida e com mais sentido. Isto não quer dizer que eu queira renunciar às grandes conquistas da técnica e do modo de representar dos naturalistas e à sua até agora nunca atingida verdade e sua visão realista. Isto eu não poderia fazer, nem que quisesse. Passei por esta escola e sou grato a ela por ter-me dado esta oportunidade. Esta educação severa, da verdade nua e crua, não pode ser omitida em nosso desenvolvimento...mas eu gosto de levar este desenvolvimento um pouco mais além. Aplicá-lo a outras coisas além da simples descrição de situações e de fatos. Levá-lo além dos pobres e dos problemas de crítica social. Gostaria de obter o mesmo grau de verdade e de visão realista na representação do puramente humano, na arte psicológica mais profunda e mais sutil que mostra a vida de um outro lado, que não a negação pessimista, mas igualmente verdadeira e real na sua alegria cheia de luz e cor. Para mim, entretanto, o teatro é mais do que um auxiliar das outras artes. No teatro há somente um objetivo: o teatro. E acredito num teatro que pertença ao ator. Os pontos de vista literários não devem, como em épocas anteriores, prevalecer. Isto acontecia porque os homens de letras dominavam o teatro. Sou um ator, sinto como um ator e para mim o ator é o ponto chave do teatro. Ele sempre o foi nas grandes épocas do teatro. O teatro deve deixar que o ator possa mostrar todas as suas facetas, ser ativo nas várias direções, e poder demonstrar sua alegria na arte de representar, na mágica da transformação. Eu conheço o poder lúdico e criativo do ator e às vezes sinto-me terrivelmente tentado a guardar alguma coisa da velha Commedia d'ell Arte na nossa época ultra-disciplinada, de modo a dar, de vez em quando ao ator a oportunidade de improvisar e dar livre vasão à sua expressão".

Manifesto

Em 1901, num manifesto, Reinhardt declarou que, idealmente, ele desejava dois teatros: um menor, para peças modernas de cunho psicológico e outro maior, para peças clássicas. Antecipando porém um futuro mais longínqüo, ele acrescentava:

"Não riam, mas deveríamos ter também um terceiro teatro; estou falando sério, já consegui visualizá-lo diante de mim, um grande teatro de efeitos monumentais, distante da vida diária, uma casa de luz e de cerimônia no espírito dos gregos, mas que não levasse somente obras gregas, e si as grandes obras de todos os tempos. Seria na forma de um anfiteatro, sem cortinas ou cenários, e tudo centrado na personalidade, na palavra, o ator no meio da audiência e o público mesmo transformado em povo, levado a tornar-se parte da própria ação do espetáculo".

Marca

O primeiro teatro que ele consegue fazer foi o psicológico, que ficou sendo um anexo do D. Theatre. Foi inaugurado em novembro de 1906 com a peça "Fantasmas", de Ibsen. Mas o que marcou Reinhardt como líder do moderno teatro alemão e como uma personalidade do mundo artístico, especialmente como diretor, foi o tratamento dado aos clássicos que ele encenava no próprio D. Theatre. Em 1910, Reinhardt produziu um "Édipo" muito austero. Esse espetáculo foi levado em circos, tanto em Viena como em Berlim, o que atraiu grandes multidões. Reinhardt gostou tanto da experiência que encenou outro grande espetáculo, uma adaptação de Hofmansthal da peça medieval "Todomundo", em dezembro de 1911. Várias outras peças de cenários grandiosos foram montadas em circos. Com isto, ele conseguiu financiamento para construir o "Teatro dos 5 mil". Em 1919 foi inaugurada a "grande casa de espetáculo" com a peça "Orestes", de Ésquilo. Reinhardt conseguiu assim o seu objetivo de ter três teatros. Um para peças psicológicas, outro para produções grandiosas e o outro, uma grande arena aberta.

Lembrança

A arte do diretor é a mais volátil e efêmera de todas. Reinhardt conseguiu porém fazer com que suas criações permanecessem na lembrança dos espectadores que as assistiram e que sentiram esta experiência emocional como sendo a coisa mais importante de suas vidas. Diretor nenhum pode desejar mais do isto.
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Artigo extraído de The Drama Reviw - Theatricalis Issue, vol. 21, nº 2, 1977. Tradução e adaptação de Viroca Fernandes. Este artigo consta da revista Cadernos de Teatro nº 81/1979, dição já esgotada.


















































































quarta-feira, 10 de junho de 2009

Exercício para o ator:
Fazendo o papel de "louco"


NECESSIDADES - colocar um máximo de 8 a 9 cadeiras em semicírculo para acomodar os alunos que farão o exercício. Qualquer membro do grupo que tenha antecedentes com relação a problemas mentais deve se sentir livre para fazer o exercício ou não. Os demais alunos, que vão apenas observar a ação, devem atentar para a teatralidade e a veracidade dos desempenhos. Ocasionalmente, tanto neste como no exercício onde o aluno se faz de bêbado, a veracidade da situação e o efeito teatral são necessariamente iguais, isto é, um bêbado verdadeiro, carregado de álcool, pode não ter nenhum "efeito teatral", e, por outo lado, igualmente, "um louco de palco" não tem - nem precisa ter - similaridade com o paciente internado ou o paciente em surto. Assim, por exemplo, o filme Um estranho no ninho contém uma série de liberdades dramáticas - ou licenças poéticas, como queiram - que conferem um "tom teatral" que parece "verdadeiro", e que não são encontráveis em pacientes verdadeiramente neuróticos e/ ou psicóticos. Drama é conflito, não é fato científico. Lembrem-se daquela anedota do concurso para ver quem imitava melhor o grunhido do porco, onde um esperto candidato escondeu um porquinho sob a capa no afã de ser vitorioso e...perdeu.

PROCEDIMENTO - após os participantes terem escolhido seus assentos, um outro ator é escolhido para fazer o papel do "analista". Sua tarefa será a de manter a reciprocidade entre os problemátiocos pacientes, encorajando-os a se relacionar entre si em termos reais. O "analista" deve denunciar todos os comentários "ilógicos" proferidos, procurar fazer os pacientes explicarem seus problemas, sempre questionando as incoerências. Mas cuidado: nada de sucumbir à tentação de dar ordens ou julgar os pacientes! Sua função no exercício é basicamente catalisadora. Os participantes, por sua vez, devem escolher uma das seguintes motivações para servir de base às suas improvisações. Estas "motivações" devem funcionar como uma espécie de "roteiro" ou "fio condutor". Assim, os atores devem escolher um dos seguintes objetivos:

1) Eu preciso mostrar aos outros o humor que nos cerca e que está em tudo que é dito.

2) Eu preciso encontrar uma palavra que rime com tudo que disserem.

3) Eu quero impressionar a todos mostrando como sou inteligente e normal, e como eu vejo tão bem, de modo tão claro, os problemas dos outros.

4) Eu tenho que evitar infecções por germes e o suor das outras pessoas, e para isso me abstenho de qualquer contato físico.

5) As faces das pessoas que me olham parecem se distorcer. Por quê?

6) Todas as pessoas estão mentindo. Por quê?

7) Eu quero ficar aqui sentado, sem qualquer responsabilidade e sem me aborrecer com nada deste mundo.

8) Eu tenho de provar aos outros que a reza é a única resposta para todos os males.

9) Eu estou inventando um sistema numérico que aplicado às palavras dos outros, vai me permitir saber se eles estão falando a verdade ou não.

10) Eu quero saber por que fico sempre tão nervoso, e por que esta úlcera que eu tenho não acaba nunca.

11) Eu vivo triste, tudo me deixa deprimido.

DISCUSSÃO - algum membro do grupo forçou a situação para parecer "louco"? Quem estava de fato abordando seus objetivos honesta e economicamente? O envolvimento de cada participante em seu problema afastou-o ou aproximou-o dos outros? Se hove momentos excitantes, a que eles se deveram? Puderam os observadores, de alguma forma, se identificar com os atores? Tentaram os participantes se controlar e se relacionar com os demais o mais normalmente possível? Ou as comunicações foram vagas e difusas? Quem esteve confuso e embaraçado? Conseguiu o analista fazer com que as pessoas trabalhassem juntas? Houve muita dispersão ou o grupo conseguiu se manter em torno de certos tópicos?

COMENTÁRIOS - a locura raramente é a inabilidade em escolher entre várias possibilidades alternativas; muito mais frequentemente, loucura significa ver as coisas somente ou predominantemente por um prisma ou um ponto de vista muito particular. Quando você for analisar os objetivos de um pesonagem que tenha problemas psicológicos, tente não vê-lo "de fora", esquematizando-o simplisticamente ao redor de alguns sintomas. Ao contrário, confie na lógica "ilógica" do personagem, e simplesmente desempenhe seu papel como você o faria, caso o mesmo fosse "normal". Fique alerta para o que se passa à sua volta. E atenção: resista ao impulso de criar um "grande drama" e - pelo amor de Deus - evite a tentação de desempenhar seu papel como se fosse um débil mental! Procedendo assim - tentando apenas confirmar preconceitos e visões estereotipadas vigentes - o que você vai conseguir é ofender a sensibilidade da audiência. Procure, ao contrário, a força e beleza existentes no papel, imbuindo o personagem de um sopro humano.

Devido a uma certa unicidade de demandas, desempenhar um papel deste tipo é uma das tarefas mais difíceis em teatro. Mas não se desespere. A primeira coisa a fazer é descobrir um modo de desempenhar os "sintomas" do personagem, as condições sob as quais ele age, bem como suas necessidades e aspirações. O maior perigo - a ser evitado - é o de deixar os sintomas crescerem a tal ponto que suplantem todo o resto e façam-no "esquecer" qual seria o conflito real do pesonagem, e o seu relacionamento com os demais personagens. Isto é muito importante: os sintomas não devem substituir o conflito; ao contrário, eles devem ajudá-lo a acentuar os obstáculos a serem removidos na relação com os outros personagens e com os objetivos da peça. É claro que os sintomas vão modificar o modo pelo qual o personagem vai observar, pensar e agir.

OBS: além de ver o mundo de apenas uma maneira singular, pessoas sob forte pressão mental, em geral, evidenciam certos problemas "físicos" ou somatizações: problemas motores, constipação, descuido pela aparência, aceleração ou lentidão de movimentos etc. Aborde este problema do mesmo modo que o outro.

CONCLUSÃO - observe, por exemplo, como os principais personagens de Os rapazes da banda reagem às circunstâncias e eventos que os rodeiam. Nesta peça cada personagem é dono de uma certa unicidade, de um modo de ser particular, embora sejam todos homossexuais. Lembre-se que a sua tarefa é dar à audiência a impressão de que você quer o que o seu personagem quer, da maneira que o seu personagem quer! Escolha, por exemplo, certas tarefas reais que você possa executar simplesmente. Se você fez mais do que o suficiente para satisfazer as necessidades do personagem, você está deturpando o seu papel. Você, no palco, não está representando um bêbado, um viciado, um homossexual, um neurótico. Você está representando um ser humano X, que é bêbado, ou um ser humano Y que é viciado, ou um ser humano Z que é neurótico etc. Caso contrário, todos os bêbados, todos os neuróticos em todos os palcos e em todas as peças seriam representados da mesma forma! Veja seu personagem como um todo, e não como um estereótipo. É claro que todos esses tipos têm características comuns, que servem inclusive para diferenciá-los dos que não são viciados ou neuróticos. Mas isto não justifica uma abordagem estereotipada e rígida. Em resumo, procure ver seu personagem como dotado de uma grande dignidade humana, da mesma maneira, aliás, que você teria de fazer caso o personagem escolhido fosse você mesmo, como você se comporta e se relaciona na sua própria vida.
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Artigo extraído da mesma fonte do que se segue. Tradução de Bernardo Jablonski. Artigo publicado na revista Cadernos de Teatro nº 82/1979

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