Exercício para o ator:
Fazendo o papel de "louco"
NECESSIDADES - colocar um máximo de 8 a 9 cadeiras em semicírculo para acomodar os alunos que farão o exercício. Qualquer membro do grupo que tenha antecedentes com relação a problemas mentais deve se sentir livre para fazer o exercício ou não. Os demais alunos, que vão apenas observar a ação, devem atentar para a teatralidade e a veracidade dos desempenhos. Ocasionalmente, tanto neste como no exercício onde o aluno se faz de bêbado, a veracidade da situação e o efeito teatral são necessariamente iguais, isto é, um bêbado verdadeiro, carregado de álcool, pode não ter nenhum "efeito teatral", e, por outo lado, igualmente, "um louco de palco" não tem - nem precisa ter - similaridade com o paciente internado ou o paciente em surto. Assim, por exemplo, o filme Um estranho no ninho contém uma série de liberdades dramáticas - ou licenças poéticas, como queiram - que conferem um "tom teatral" que parece "verdadeiro", e que não são encontráveis em pacientes verdadeiramente neuróticos e/ ou psicóticos. Drama é conflito, não é fato científico. Lembrem-se daquela anedota do concurso para ver quem imitava melhor o grunhido do porco, onde um esperto candidato escondeu um porquinho sob a capa no afã de ser vitorioso e...perdeu.
PROCEDIMENTO - após os participantes terem escolhido seus assentos, um outro ator é escolhido para fazer o papel do "analista". Sua tarefa será a de manter a reciprocidade entre os problemátiocos pacientes, encorajando-os a se relacionar entre si em termos reais. O "analista" deve denunciar todos os comentários "ilógicos" proferidos, procurar fazer os pacientes explicarem seus problemas, sempre questionando as incoerências. Mas cuidado: nada de sucumbir à tentação de dar ordens ou julgar os pacientes! Sua função no exercício é basicamente catalisadora. Os participantes, por sua vez, devem escolher uma das seguintes motivações para servir de base às suas improvisações. Estas "motivações" devem funcionar como uma espécie de "roteiro" ou "fio condutor". Assim, os atores devem escolher um dos seguintes objetivos:
1) Eu preciso mostrar aos outros o humor que nos cerca e que está em tudo que é dito.
2) Eu preciso encontrar uma palavra que rime com tudo que disserem.
3) Eu quero impressionar a todos mostrando como sou inteligente e normal, e como eu vejo tão bem, de modo tão claro, os problemas dos outros.
4) Eu tenho que evitar infecções por germes e o suor das outras pessoas, e para isso me abstenho de qualquer contato físico.
5) As faces das pessoas que me olham parecem se distorcer. Por quê?
6) Todas as pessoas estão mentindo. Por quê?
7) Eu quero ficar aqui sentado, sem qualquer responsabilidade e sem me aborrecer com nada deste mundo.
8) Eu tenho de provar aos outros que a reza é a única resposta para todos os males.
9) Eu estou inventando um sistema numérico que aplicado às palavras dos outros, vai me permitir saber se eles estão falando a verdade ou não.
10) Eu quero saber por que fico sempre tão nervoso, e por que esta úlcera que eu tenho não acaba nunca.
11) Eu vivo triste, tudo me deixa deprimido.
DISCUSSÃO - algum membro do grupo forçou a situação para parecer "louco"? Quem estava de fato abordando seus objetivos honesta e economicamente? O envolvimento de cada participante em seu problema afastou-o ou aproximou-o dos outros? Se hove momentos excitantes, a que eles se deveram? Puderam os observadores, de alguma forma, se identificar com os atores? Tentaram os participantes se controlar e se relacionar com os demais o mais normalmente possível? Ou as comunicações foram vagas e difusas? Quem esteve confuso e embaraçado? Conseguiu o analista fazer com que as pessoas trabalhassem juntas? Houve muita dispersão ou o grupo conseguiu se manter em torno de certos tópicos?
COMENTÁRIOS - a locura raramente é a inabilidade em escolher entre várias possibilidades alternativas; muito mais frequentemente, loucura significa ver as coisas somente ou predominantemente por um prisma ou um ponto de vista muito particular. Quando você for analisar os objetivos de um pesonagem que tenha problemas psicológicos, tente não vê-lo "de fora", esquematizando-o simplisticamente ao redor de alguns sintomas. Ao contrário, confie na lógica "ilógica" do personagem, e simplesmente desempenhe seu papel como você o faria, caso o mesmo fosse "normal". Fique alerta para o que se passa à sua volta. E atenção: resista ao impulso de criar um "grande drama" e - pelo amor de Deus - evite a tentação de desempenhar seu papel como se fosse um débil mental! Procedendo assim - tentando apenas confirmar preconceitos e visões estereotipadas vigentes - o que você vai conseguir é ofender a sensibilidade da audiência. Procure, ao contrário, a força e beleza existentes no papel, imbuindo o personagem de um sopro humano.
Devido a uma certa unicidade de demandas, desempenhar um papel deste tipo é uma das tarefas mais difíceis em teatro. Mas não se desespere. A primeira coisa a fazer é descobrir um modo de desempenhar os "sintomas" do personagem, as condições sob as quais ele age, bem como suas necessidades e aspirações. O maior perigo - a ser evitado - é o de deixar os sintomas crescerem a tal ponto que suplantem todo o resto e façam-no "esquecer" qual seria o conflito real do pesonagem, e o seu relacionamento com os demais personagens. Isto é muito importante: os sintomas não devem substituir o conflito; ao contrário, eles devem ajudá-lo a acentuar os obstáculos a serem removidos na relação com os outros personagens e com os objetivos da peça. É claro que os sintomas vão modificar o modo pelo qual o personagem vai observar, pensar e agir.
OBS: além de ver o mundo de apenas uma maneira singular, pessoas sob forte pressão mental, em geral, evidenciam certos problemas "físicos" ou somatizações: problemas motores, constipação, descuido pela aparência, aceleração ou lentidão de movimentos etc. Aborde este problema do mesmo modo que o outro.
CONCLUSÃO - observe, por exemplo, como os principais personagens de Os rapazes da banda reagem às circunstâncias e eventos que os rodeiam. Nesta peça cada personagem é dono de uma certa unicidade, de um modo de ser particular, embora sejam todos homossexuais. Lembre-se que a sua tarefa é dar à audiência a impressão de que você quer o que o seu personagem quer, da maneira que o seu personagem quer! Escolha, por exemplo, certas tarefas reais que você possa executar simplesmente. Se você fez mais do que o suficiente para satisfazer as necessidades do personagem, você está deturpando o seu papel. Você, no palco, não está representando um bêbado, um viciado, um homossexual, um neurótico. Você está representando um ser humano X, que é bêbado, ou um ser humano Y que é viciado, ou um ser humano Z que é neurótico etc. Caso contrário, todos os bêbados, todos os neuróticos em todos os palcos e em todas as peças seriam representados da mesma forma! Veja seu personagem como um todo, e não como um estereótipo. É claro que todos esses tipos têm características comuns, que servem inclusive para diferenciá-los dos que não são viciados ou neuróticos. Mas isto não justifica uma abordagem estereotipada e rígida. Em resumo, procure ver seu personagem como dotado de uma grande dignidade humana, da mesma maneira, aliás, que você teria de fazer caso o personagem escolhido fosse você mesmo, como você se comporta e se relaciona na sua própria vida.
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Artigo extraído da mesma fonte do que se segue. Tradução de Bernardo Jablonski. Artigo publicado na revista Cadernos de Teatro nº 82/1979
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quarta-feira, 10 de junho de 2009
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