Max Reinhardt:
o papa do teatralismo
Martin Esslin
Entre as grandes personalidades que no início deste século criaram e estabeleceram o conceito moderno de diretor de teatro (Antoine, Lugné-Poe, Gordon Craig, Stanislavski), Max Reinhardt (1873-1943) é frequentemente descartado, como sendo um eclético que se limitava a tirar idéias dos outros e que tinha em vista primordialmente o sucesso comercial pessoal. Apesar de haver um fundo de verdade nesta visão de Max Reinhardt, ela entretanto, não é fiel a uma das grandes personalidades dos teatro desta época ou de qualquer outra época. O ecletismo de Reinhardt é somente um aspecto do compromisso universal com o teatro, teatro em todos os seus aspectos - quanto mais teatral, melhor. E se ele conseguiu, no auge de sua carreira, um extraordinário sucesso internacional, foi somente devido à sua profunda convicção de que o teatro é instrumento do "showman", e também, na crença na sua habilidade de dar prazer a milhares de pessoas que só poderia ser posta a prova se fosse mesmo capaz de atrair milhares e milhares de pessoas.
Raízes
As raízes de Reinhardt estão profundamente embebidas na tradição teatral de Viena, uma cidade sempre fantasticamente devotada ao teatro, idolatrando atores, dedicada aos prazeres sensuais, o humor alegre e os espetáculos brilhantes. Seus pais, assim como toda a sua família, de comerciantes judeus, não tinham inclinações artísticas. Mas, desde sua tenra juventude ele ia frequentemente ao teatro. Ele mesmo declarou, certa vez, que o seu lugar de nascimento como artista foi na galeria do Burgtheater, o velho teatro imperial dos Habsburgs:
"Nasci na quarta galeria. Foi lá que descobri pela primeira vez as luzes do palco. Foi lá que me nutri com o rico e artístico alimento desta Instituição Real e Imperial, onde atores famosos cantaram junto ao meu berço suas áreas clássicas. Eu podia até cantar de cor aquelas melodias maravilhosas. O Burgtheater estava cheio de vozes, que, como instrumentos preciosos, formavam uma orquestra incomparável. Este som chegava a nós no topo da galeria. As palavras eram de Shakespeare, Molière, Goethe, Schiller, Calderon etc. Conhecíamos as peças de cor, mas íamos vê-las e ouvi-las milhares de vezes".
Oportunidade
Aos 17 anos começou a frequentar a escola de teatro e também teve aulas particulares. Aos 19 teve sua primeira oportunidade profissional, nos subúrbios de Viena. Foi aí que Otto Brahm, o grande crítico alemão e pioneiro do naturalismo na Alemanha, na época diretor do mais famoso teatro de Berlim, o Deutsches Theatre, viu seu trabalho e ficou profundamente impressionado e finalmente prometeu-lhe um emprego. Aconselhou-o, porém, a continuar trabalhando no interior, para ganhar mais experiência.
Conselho
Seguindo este conselho, foi trabalhar nas férias de verão em Pressburg e em seguida foi trabalhar como ator no teatro municipal de Salzburg. Ali ele compôs 49 papéis diferentes (prova da riqueza do repertório dos teatros provincianos daquela época). Ele se sobressaía nos papéis de velho, apesar de só ter 20 anos. Na primavera de 1894, Brahm foi a Salzburg assistir novamente o trabalho de Reinhardt. Contratou-o para ir a Berlim na temporada seguinte.
Personalidade
A habilidade e o sucesso de Reinhardt como ator são da máxima importância para poder-se compreender a sua personalidade e o seu método como diretor; na sua opinião, o teatro está principalmente no desempenho do ator; a qualidade literária do texto pode às vezes ser secundária, contanto que dê oportunidade a que o ator exprima o seu gênio particular. Por isso, Reinhardt nunca hesitava em lançar mão de material que à primeira vista parecesse indigno do teatro de cultura mais aprimorada, como operetas, farsas e pantomimas.
Método
O método de Reinhardt como diretor era o de mostrar aos atores os seus papéis. Ele não os representava, mas sabia dar uma indicação inteligente e concisa sobre a essência de um gesto ou sobre a entonação. Sendo um ótimo ator característico, Reinhardt era capaz de mostrar ao ator não como ele, Reinhardt, seria capaz de interpretar o papel, mas como este ator ou atriz deveria fazê-lo para dar o máximo de expressão à sua individualidade. Reinhardt acreditava que, na maioria das pessoas e dos atores, a verdadeira personalidade está submersa debaixo de uma grossa camada de timidez, maneirismos e preconceitos. Aos alunos que mais tarde frequentaram suas escolas de teatro de Berlim, Viena ou Hollywood, Reinhardt insistia sempre que o verdadeiro trabalho que eles tinham de realizar era o de descobrir e desenvolver suas verdadeiras personalidades, que estariam profundamente escondidas em nosso ser.
Essência
Para ele, a tarefa de um ator é usar sua própria personalidade ao máximo, para através dela poder expressar a essência do personagem que está representando, construindo assim a personalidade do personagem com a riqueza de sua própria experiência e como contribuição da natureza mais profunda do ator. Todos os grandes atores que passaram pelo teatro de Reinhardt, formados por sua influência, foram marcados por esta força de sua personalidade. Ele trabalhou no Deustches Theatre durante sete anos e tornou-se um dos baluartes deste famoso grupo. Brahm, o diretor do Deustches Theatre, era um naturalista que dava um cunho naturalista à maneira de representar e à produção. Reinhardt contribuiu muito para o triunfo deste estilo realista e meticuloso. Mas os tempos estavam mudando e ele acabou se cansando da aridez e do naturalismo que dominava o palco naquele tempo.
Imaginação
Quurendo diversificar suas atividades, Reinhardt e um grupo de atores do D. Theatre que pensavam como ele formaram um grupo, que, no início, dava espetáculos altas horas da noite, em cabarés. Assim, através de canções e quadros de sátira e paródia, podiam liberar sua imaginação e suas mentes exuberantes. Nestes espetáculos, os figurinos coloridos, a maquilagem grotesca, as piadas elaboradas e o exagero desenfreado - todos os tabus do teatro naturalista - podiam ter livre curso. Em 1901, o grupo se consolidou e passou a se chamar "Som e fumaça". Aquiriram o seu próprio teatro, que tomou o nome de "Pequeno Teatro". Ele apresentava não só canções mas também peças. Durante este tempo, Reinhardt ainda estava ligado a Brahm por contrato até o final do ano, e não podia ser assim o diretor oficial do novo teatro. Mas em 1º de janeiro de 1903, o seu contrato com Brahm terminou e ele tornou-se a alma deste novo empeendimento.
Sucesso
O primeiro sucesso do grupo foi a produção de Gorki "Lower Depths" e foi um sucesso tão grande que atraiu multidões ao teatro. O sucesso deste espetáculo foi tal que eles conseguiram adquirir uma segunda casa (Neues Theatre Am Schiffbauerdamm), hoje a casa do grupo berlinense de Brecht. Nestes dois teatros a nova companhia, na qual Reinhardt era indiscutivelente a maior influência, selecionou um novo repertório que era uma reação contra o puro naturalismo de Brahm e seus seguidores. Foi tão surpreendente a acolhida deste tipo de espetáculo que foi oferecida a Reinhardt a direção do D. Theatre, o bastião do próprio naturalismo. Em 31 de agosto de 1905 ele entra como diretor artístico no teatro onde tinha colhido seus primeiros louros. Reinhardt ainda não tinha 32 anos.
Ambições
Suas idéias tinham se consolidado desde a fundação do grupo-cabaré, cinco anos antes. Suas ambições eram imensas e o caminho percorrido demonstra-o claramente. Numa declaração que data de 1901, Reinhardt foi muito preciso:
"O que eu pretendo é um teatro que venha de novo trazer alegria às pessoas; que as tire da miséria do dia-a-dia e as leve para além delas mesmas, ao mundo da beleza e da alegria. Tenho certeza de que as pessoas não aguentam mais ver no teatro sua própria miséria e estão querendo uma vida mais colorida e com mais sentido. Isto não quer dizer que eu queira renunciar às grandes conquistas da técnica e do modo de representar dos naturalistas e à sua até agora nunca atingida verdade e sua visão realista. Isto eu não poderia fazer, nem que quisesse. Passei por esta escola e sou grato a ela por ter-me dado esta oportunidade. Esta educação severa, da verdade nua e crua, não pode ser omitida em nosso desenvolvimento...mas eu gosto de levar este desenvolvimento um pouco mais além. Aplicá-lo a outras coisas além da simples descrição de situações e de fatos. Levá-lo além dos pobres e dos problemas de crítica social. Gostaria de obter o mesmo grau de verdade e de visão realista na representação do puramente humano, na arte psicológica mais profunda e mais sutil que mostra a vida de um outro lado, que não a negação pessimista, mas igualmente verdadeira e real na sua alegria cheia de luz e cor. Para mim, entretanto, o teatro é mais do que um auxiliar das outras artes. No teatro há somente um objetivo: o teatro. E acredito num teatro que pertença ao ator. Os pontos de vista literários não devem, como em épocas anteriores, prevalecer. Isto acontecia porque os homens de letras dominavam o teatro. Sou um ator, sinto como um ator e para mim o ator é o ponto chave do teatro. Ele sempre o foi nas grandes épocas do teatro. O teatro deve deixar que o ator possa mostrar todas as suas facetas, ser ativo nas várias direções, e poder demonstrar sua alegria na arte de representar, na mágica da transformação. Eu conheço o poder lúdico e criativo do ator e às vezes sinto-me terrivelmente tentado a guardar alguma coisa da velha Commedia d'ell Arte na nossa época ultra-disciplinada, de modo a dar, de vez em quando ao ator a oportunidade de improvisar e dar livre vasão à sua expressão".
Manifesto
Em 1901, num manifesto, Reinhardt declarou que, idealmente, ele desejava dois teatros: um menor, para peças modernas de cunho psicológico e outro maior, para peças clássicas. Antecipando porém um futuro mais longínqüo, ele acrescentava:
"Não riam, mas deveríamos ter também um terceiro teatro; estou falando sério, já consegui visualizá-lo diante de mim, um grande teatro de efeitos monumentais, distante da vida diária, uma casa de luz e de cerimônia no espírito dos gregos, mas que não levasse somente obras gregas, e si as grandes obras de todos os tempos. Seria na forma de um anfiteatro, sem cortinas ou cenários, e tudo centrado na personalidade, na palavra, o ator no meio da audiência e o público mesmo transformado em povo, levado a tornar-se parte da própria ação do espetáculo".
Marca
O primeiro teatro que ele consegue fazer foi o psicológico, que ficou sendo um anexo do D. Theatre. Foi inaugurado em novembro de 1906 com a peça "Fantasmas", de Ibsen. Mas o que marcou Reinhardt como líder do moderno teatro alemão e como uma personalidade do mundo artístico, especialmente como diretor, foi o tratamento dado aos clássicos que ele encenava no próprio D. Theatre. Em 1910, Reinhardt produziu um "Édipo" muito austero. Esse espetáculo foi levado em circos, tanto em Viena como em Berlim, o que atraiu grandes multidões. Reinhardt gostou tanto da experiência que encenou outro grande espetáculo, uma adaptação de Hofmansthal da peça medieval "Todomundo", em dezembro de 1911. Várias outras peças de cenários grandiosos foram montadas em circos. Com isto, ele conseguiu financiamento para construir o "Teatro dos 5 mil". Em 1919 foi inaugurada a "grande casa de espetáculo" com a peça "Orestes", de Ésquilo. Reinhardt conseguiu assim o seu objetivo de ter três teatros. Um para peças psicológicas, outro para produções grandiosas e o outro, uma grande arena aberta.
Lembrança
A arte do diretor é a mais volátil e efêmera de todas. Reinhardt conseguiu porém fazer com que suas criações permanecessem na lembrança dos espectadores que as assistiram e que sentiram esta experiência emocional como sendo a coisa mais importante de suas vidas. Diretor nenhum pode desejar mais do isto.
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Artigo extraído de The Drama Reviw - Theatricalis Issue, vol. 21, nº 2, 1977. Tradução e adaptação de Viroca Fernandes. Este artigo consta da revista Cadernos de Teatro nº 81/1979, dição já esgotada.
quinta-feira, 11 de junho de 2009
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Dificil encontrar materiais do Max Reinhardt em nosso idioma. Ler este artigo me auxiliou muito para a compreensão dos diversos textos espalhados na internet, juntou todos os pontos.
ResponderExcluirObrigada!