sexta-feira, 19 de julho de 2019

Teatro/CRÍTICA

"Estado de Sítio"

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Obra-prima em versão deslumbrante



Lionel Fischer




"Após os maus presságios pela passagem de um cometa, os habitantes de Cádiz, na Espanha, passam a ser governados pela Peste, que depõe um governo reacionário e institui um poder arbitrário por meio da ameaça de morte. Ela instaura o Estado de Sítio e cria um regime burocrático, esvaziado de sentido e dominado pelo medo. Uma cidade sitiada e uma população dividida. A vida dos cidadãos é submetida ao império da Peste e de sua Secretária, a Morte, de modo que o sofrimento e o desespero se tornam banais. No meio desse cenário desolador e aterrador haveria espaço para uma revolta estimulada pelo amor aos seres humanos e pela liberdade? Para se libertar da Peste será preciso resistir ao medo que se tem dela acreditando que, assim como a aparição do cometa, a situação instaurada é uma força histórica e passageira, e que o povo sempre detém o poder eterno".

O trecho acima, extraído do ótimo release que me foi enviado, contextualiza o essencial de "Estado de Sítio", de Albert Camus. Após cumprir ótima temporada em São Paulo, a montagem está em cartaz no Teatro Sesc Ginástico. Gabriel Villela responde pela direção do espetáculo, estando o elenco formado por Elias Andreato (Peste), Claudio Fontana ( Morte), Chico Carvalho 
( Nada), Rosana Stavis (Mulher do Juiz e Benzedeira), Nábia Vilela (Vitória), Leonardo Ventura (Juiz, Alcaide e Pescador), Pedro Inoue (Diego), Arthur Faustino (Governador e Velha), André Hendges (Padre), Rogério Romera (Homem do Povo e Cérbero), Jonatan Harold (Músico), Nathan MilléoGualda (Astrólogo, Cometa e Cérbero) e Zé Gui Bueno (Alcaide e Cérbero).

Não foram poucos os escritores, filósofos e críticos, infinitamente mais capazes do que eu, que se debruçaram sobre esta obra-prima.  Portanto, não tenho a pretensão de acrescentar algo de significativo ao que já foi dito. Ainda assim, gostaria de salientar algo que julgo procedente: ao contrário do que muitos supõem, Albert Camus não objetivou investir apenas contra a barbárie dos regimes totalitários de direita, mas também contra os de esquerda. Ou seja: para o genial escritor e dramaturgo franco-argelino, a ideologia importa pouco se o que predomina é a opressão. Neste sentido, a cidade espanhola de Cádiz (assolada pelo franquismo) poderia perfeitamente ter sido substituída por qualquer cidade da União Soviética vilipendiada por Josef Stalin. 

Isto posto, gostaria de frisar o que me parece mais essencial neste texto belíssimo e de surpreendente atualidade: a convicção do autor de que, por mais opressivo que seja um regime, por mais dolorosas que sejam as condições impostas, basta que um homem, um único homem diga Não e tudo pode mudar. Se o medo é contagioso, a Revolta também pode ser. E, no presente caso, é a partir da revolta que a Peste e a Morte começam a se tornar menos ameaçadoras e terminam por abandonar a cidade. Há também que se ressaltar a importância vital do Amor, não apenas no que concerne a relações pessoais, mas o amor que todos os seres humanos devem e podem partilhar, premissa essencial para a conquista da tão almejada Liberdade.   

Com relação ao espetáculo, mais uma vez Gabriel Villela nos brinda com uma encenação deslumbrante, plena de imagens poderosas e impregnada de refinada poesia. Desde que assisti (e escrevi sobre) "A rua da amargura", não tive a menor dúvida de que estava diante de um artista, na acepção máxima do termo. Assim, só me resta agradecer o privilégio de poder entrar em contato, mais uma vez, com uma montagem capitaneada por este que é, sem sombra de dúvida, um dos maiores encenadores da história do teatro brasileiro.

Quanto ao elenco, este atende a todas as solicitações da direção, seja nas passagens cantadas quanto naquelas em que o texto predomina, cabendo também destacar a notável expressividade corporal do conjunto. E embora todos os que estão em cena mereçam os mais entusiásticos aplausos, em função da dramaturgia não há como não conferir um destaque especial às magníficas performances de Elias Andreato (Peste), Claudio Fontana (Morte) e Chico Carvalho (Nada).

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis e inesquecíveis as colaborações de Gabriel Villela (figurinos), J.C. Serroni (cenografia), Domingos Quintiliano (iluminação), Babaya Morais e Marco França (direção musical), Babaya Morais (preparação vocal), Marco França (arranjos),  Claudinei Hidalgo (maquiagem) e Alcione Araújo e Pedro Hussak (tradução).

ESTADO DE SÍTIO - Texto de Albert Camus. Direção de Gabriel Villela. Com Elias Andreato, Claudio Fontana, Chico Carvalho e grande elenco. Teatro Sesc Ginástico. Quinta a sábado, 19h. Domingo, 18h.








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