quinta-feira, 23 de maio de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Prazer"

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Belíssimo encontro de almas


Lionel Fischer



Dizem os sábios que todos os caminhos levam a Roma. Não sei se isso é verdade, pois a única vez que lá estive fui de avião. E também ignoro as aparentemente infinitas possibilidades de se chegar à capital italiana. Mas no que diz respeito ao teatro, a partir de meados do século passado vários caminhos vem sendo experimentados nos processos de ensaio. Um deles foi a chamada "criação coletiva", muito produtiva em alguns casos mas que não prescindia da figura do diretor, que era quem tomava as decisões capitais.

No caso da Cia. Luna Lunera, de Belo Horizonte, criada em 2001, a partir de 2003 o grupo adotou uma forma de trabalho criada por Antônio Araújo (Teatro da Vertigem, de São Paulo), que visa basicamente, como consta do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Bianca Senna, "horizontalizar as relações na criação do espetáculo. Desta forma, os pilares direção-atuação-dramaturgia trabalham juntos na sala de ensaio, sem texto dramático prévio".

E foi o que ocorreu com a presente montagem, estruturada a partir de um fragmento do livro "Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", de Clarice Lispector. Mas além de aplicar o, digamos, método criado por Antônio Araújo, a Cia. Luna Lunera também contou com a colaboração de Jô Bilac (orientação dramatúrgica), Éder Santos (videoartista), Roberta Carreri (atriz do Odin Teatret) e Mário Nascimento (bailarino e coreógrafo). 

Em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, "Prazer" tem concepção e dramaturgia da Cia. Luna Lunera e atuação e codireção de Claudio Dias (Camilo), Isabela Paes (Isadora), Marcelo Souza e Silva (Marcos) e Odilon Esteves (Ozório). Zé Walter Albinati também assina a codireção da montagem.

Como não li o original, desconheço o fragmento que deu origem ao espetáculo. Mas isso não me parece relevante, pois o que o grupo nos apresenta não necessita de uma referência explícita. Estamos diante de quatro amigos que, independentemente de possuírem personalidades diferentes e diferenciadas histórias pessoais, têm um objetivo comum: uma permanente busca de alegria e felicidade.

Mas, como todos sabemos, alegria e felicidade não são alvos tão fáceis de serem atingidos. Da mesma forma que é impossível levar um barco sem temporais, seria pueril acreditar numa existência destituída de medos, inseguranças, frustrações, desencontros e toda uma série de percalços inerentes ao ato de viver. Mas se acreditamos que a vida, em última instância, pode e deve ser uma dádiva, então é possível que consigamos ao menos nos aproximar das principais metas pretendidas. 

No caso de "Prazer", é evidente que existem personagens, cuja essência deve constar do já mencionado fragmento. Mas tenho a impressão de que os atores devem ter inserido muitas de suas características pessoais. Ao longo de toda a montagem, fui sendo cada vez mais tomado pela sensação de que ficção e realidade se mesclavam, tal a capacidade de entrega, absoluta sinceridade com que eram expostos os conflitos, a visceral contracena estabelecida. Posso estar enganado, naturalmente, mas saí do teatro plenamente convicto de que o que mais me cativou transcende a criatividade e expressividade do espetáculo, sem dúvida inegáveis.

O  essencial, ao menos para mim, foi constatar o desprezo pelas relações epidérmicas, e uma permanente busca por um encontro de almas, algo cada vez mais raro numa época como a nossa, em que  os avanços tecnológicos, teoricamente destinados a aproximar as pessoas, nada mais fazem do que conduzi-las sutilmente à mais absoluta solidão.

Com relação à equipe técnica, considero irrepreensíveis os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna e imperdível empreitada teatral - além dos colaboradores já mencionados, cabe destacar as participações de Mário Nascimento (preparação corporal), Ed Andrade (concepção ceonográfica), Marney Heitmann (figurinos) e Felipe Cosse e Juliano Coelho (Iluminação). Quanto à "participação afetiva" de Cláudia Corrêa, não sei exatamente como se deu. Sei apenas que afetos são sempre benvindos e indispensáveis.

PRAZER - Concepção e dramaturgia da Cia. Luna Lunera. Atuação e codireção de Cláudio Dias, Isabela Paes, Marcelo Souza e Silva e Odilon Esteves. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 19h.   

      

  



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