sexta-feira, 10 de maio de 2013

Teatro/CRÍTICA


"Vermelho"

......................................................
Imperdível encontro no SESC



Lionel Fischer



Contratado por 35 mil dólares (um recorde, na época - 1958) para criar uma série de murais para o mais sofisticado restaurante de Nova Iorque, o artista russo naturalizado norte-americano Mark Rothko recebe em seu ateliê um jovem assistente, cuja função consistiria em limpar pincéis, misturar tintas, deslocar telas etc. Rothko é uma celebridade, que ganhou notoriedade ao liderar o Espressionismo Abstrato. Ken, um pintor desconhecido, revela-se um admirador da pop art. Pouco a pouco, vários conflitos começam a eclodir e não apenas no tocante à arte, mas também no que concerne a posturas perante a vida.

Eis, em resumo, o enredo de "Vermelho", peça premiadíssima na Broadway e que, após cumprir bem-sucedida temporada em São Paulo, entrou ontem em cartaz no SESC Ginástico. Jorge Takla assina a direção da montagem, estando o elenco formado por Antonio Fagundes (Rothko) e seu filho Bruno fagundes (Ken).

Como dito no parágrafo inicial, o texto propõe uma série de discussões. No plano da arte, o consagrado artista reverencia o trabalho dos grandes mestres, enaltecendo não apenas seu profundo conhecimento, mas também a capacidade que exibiram de encontrar soluções geniais em condições não raro adversas, sempre objetivando estabelecer profunda relação com os que contemplavam suas obras. O jovem Ken não nega os méritos dos tais mestres, mas afirma que a arte não pode ser estática, deve sofrer rupturas em função de novas necessidades atreladas ao presente. 

E, naturalmente, as divergências artísticas acabam enveredando para o campo pessoal, expondo progressivamente o caráter dos personagens, suas angústias, carências, ambições e toda uma série de sentimentos que, como ocorre em qualquer campo da arte, vão mais adiante materializar-se em determinadas escolhas e não em outras. Mesmo sendo leigo no assunto, acredito que um pintor de talento pode transitar com sucesso por vários estilos, mas talvez apenas um traduza efetivamente o que mais importa: a essência de sua alma e de seu caráter. E aqui me apoio na opinião de Goethe. Em certa ocasião, instigado a definir "estilo", o mestre respondeu: "O estilo é o homem". É possível que tenha razão.

Bem escrito, contendo ótimos personagens e levantando questões da maior pertinência, "Vermelho" recebeu maravilhosa versão cênica de Jorge Takla. Simples e ao mesmo tempo sofisticada, a montagem investe prioritariamente no que realmente importa: o embate de idéias e sentimentos entre os dois personagens. E neste particular, a interpretação dos dois atores serve de forma exemplar a este texto brilhante e atemporal, pois acredito que discussões como as que assistimos haverão de perpetuar-se enquanto o homem for capaz de produzir arte.

Na pele de Rothko, Antonio Fagundes exibe um dos mais extraordinários desempenhos de sua brilhantíssima carreira. E aqui me parece pueril enumerar seus vastíssimos recursos expressivos, a inteligência de suas escolhas, sua notável capacidade de entrega e tantos outros méritos já por todos conhecidos. Há algo além disso, que talvez não consiga expressar em palavras. Mas vou tentar. Sendo Fagundes não apenas um dos maiores atores brasileiros, mas também do mundo, ele me dá sempre a sensação - e aqui, de forma arrebatadora - de que só ele poderia dar vida aos personagens que interpreta, como se suas fossem as palavras proferidas, como se os universos em causa só pudessem ser verdadeiramente preenchidos com sua presença. Como acredito piamente que Peter Brook estava certo ao definir o teatro como "a arte do encontro", não hesito em afirmar que o público carioca terá um inesquecível encontro com este ator cuja potência equivale à sua generosidade.

Por outro lado, há que se atribuir uma significativa parcela do êxito  de Fagundes à contracena que ele e seu filho estabelecem. Bruno Fagundes é um ator muito jovem e poderia perfeitamente ser engolido por seu pai em cena, por mais que Fagundes o evitasse. Mas não é o que acontece. Exibindo presença, carisma, segurança e igualmente notável capacidade de entrega, Bruno consegue materializar de forma sensível e comovente as principais características da personalidade de seu personagem, assim possibilitando o estabelecimento do jogo teatral e não uma coadjuvância meramente respeitosa e submissa. Assim, só me resta implorar aos sempre caprichosos deuses do teatro que abençoem a trajetória deste jovem ator, que tem tudo para ser belíssima.

Na equipe técnica, Rachel Ripani responde por excelente tradução, a mesma excelência presente nas contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Jorge Takla (cenografia), Ney Bonfante (iluminação), Fábio Namatame ( Figurinos), Marcos Sachs (pinturas) e Paulo Humberto de Almeida (direção de arte).

VERMELHO - Texto de John Logan. Direção de Jorge Takla. Com Antonio Fagundes e Bruno Fagundes. SESC Ginástico. Quinta a domingo, 19h.

Nenhum comentário:

Postar um comentário