Teatro/CRÍTICA
"As horas entre nós"
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Sério esforço para materializar obra-prima
Lionel Fischer
No programa oferecido ao público, consta um belo texto do diretor Joelson Gusson, em que não apenas sintetiza os principais elementos do romance "Mrs. Dolloway"como justifica sua transposição para o Brasil dos anos 70/80, mais especificamente 1978, quando o original se dá na Inglaterra, em 1920. E no último parágrafo escreve: "As horas entre nós é uma peça sobre a poesia de se estar vivo e sobre o amor que sobrevive a tempos difíceis. A história de uma vida inteira em um único dia".
Quanto a este último parágrafo, embora não pretenda contradizê-lo, julgo que poderia conter informações mais precisas, tais como: não estaríamos apenas diante da crise de um indivíduo, mas também de uma classe, de uma sociedade e a do próprio romance. Ou ainda: a narrativa viaja para a frente e para trás no tempo e se desenvolve dentro e fora da mente das personagens para construir uma imagem da vida de Clarissa. E talvez, em função do título da montagem, coubesse uma referência ao filme "As horas", de Stephen Daldry, lançado nos Estados Unidos em 2002.
Seja como for, estamos diante de um sério esforço para materializar na cena uma das mais relevantes obras-primas de Virginia Woolf, criada a partir de dois contos, "Mrs. Dalloway em Bond Street" e o inacabado "O primeiro-ministro". Em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, "As horas entre nós" tem direção e adaptação de Joelson Gusson, concepção de Gusson e Cristina Flores, dramaturgia de Diego de Angeli e Gusson e elenco formado por Cris Larin (Clarissa), Joelson Gusson (Septimus), Cristina Flores (Lucrécia), Lucas Galvão (Pedro), Carolina Ferman (Elisabeth/Sylvia), Leonardo Corajo (Ricardo) e Anna Mulotte (Elizabeth criança,em vídeo).
Tratados já foram escritos sobre o romance e certamente por pessoas muito mais competentes do que eu e por isso julgo dispensável me estender em considerações sobre a obra. E o fato de o diretor ter optado por trazer a ação para 1978 não me parece constituir nenhum problema, pois, com diz o próprio Gusson, se em 1920 os soldados que haviam participado da Primeira Guerra Mundial voltavam para a Inglaterra traumatizados pelas experiências vividas, no Brasil algo parecido se dava com os que sobreviviam à tortura e com os exilados que regressavam ao país.
No entanto, o cerne da questão não se atém tanto ao fato de tornar perceptível para o público que a história oscila no tempo, mas sobretudo fazê-lo perceber que ela ocorre dentro e fora das mentes das personagens. Se no romance isto fica evidente, na montagem nem tanto, o que de certa forma constitui um entrave. E realmente não sei até que ponto os espectadores conseguem perceber essas sutilezas, essenciais para a plena apreensão da obra.
Quanto ao espetáculo, Joelson Gusson impõe à cena uma dinâmica que efetivamente tenta materializar os principais conteúdos em jogo, afora transmitir as tais sutilezas acima mencionadas. Mas o resultado me parece um tanto insatisfatório, seja pela excessiva lentidão da maior parte das cenas como pela linha adotada pelos intérpretes em algumas passagens, quando voluntaria ou involuntariamente provocam risos, a meu ver inadequados - e aqui me refiro não ao riso que nasce de uma espécie de aflição interna, mas ao riso fruto, digamos, de uma circunstância banal. Excetuando-se tais momentos, o elenco exibe performance correta.
Com relação à lentidão, quero deixar claro que acho perfeitamente viável - e às vezes até mesmo indispensável - o estabelecimento de longos silêncios, desde que preenchidos por fortes e evidentes emoções. Mas aqui, embora tentativas neste sentido sejam esboçadas, o que em geral prevalece são tempos mortos - por exemplo, os personagens bebem muito; até aí, tudo bem; mas por que será que, em tantas ocasiões, quando avisam que vão beber, nada acontece enquanto se dirigem ao bar e servem suas bebidas? Creio que se momentos como esses forem um pouco acelerados, assim como as passagens que possuem algum humor forem menos "engraçadas", o espetáculo só terá a ganhar, até por que a dramaturgia é bastante interessante.
Na equipe técnica, Paulo César Medeiros assina uma iluminação com pouquíssimas variações, certamente propositais, mas acredito que certos climas emocionais e determinadas atmosferas poderiam ser mais enfatizadas, seja através de focos isolados, contrastes de luz e sombra etc. Joana Lima Silva responde por figurinos corretos, sendo nuito expressivas a cenografia de Gusson e a trilha sonora de Vicente Coelho e Dragão Voador - Dragão Voador Teatro Contemporâneo é o nome do grupo criado por Gusson, que realiza agora seu oitavo espetáculo. Cabe ainda destacar as preciosas colaborações de Marly Santoro de Brito (preparação vocal) e Paula Maracajá (direção de movimento).
AS HORAS ENTRE NÓS - Adaptação do romance "Mrs. Dalloway", de Virginia Woolf. Direção e adaptação de Joelson Gusson. Com Carolina Ferman, Cristina Flores, Cris Larin, Joelson Gusson, Leonardo Corajo, Lucas Gouvêa e Anna Mulotte (Elizabeth criança, em vídeo). Espaço Cultural Sergio Porto. Sexta, sábado e segunda, 21h. Domingo, 20h.
segunda-feira, 10 de junho de 2013
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