sábado, 22 de junho de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Garras curvas e um canto sedutor"


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Instigante empreitada teatral



Lionel Fischer



Numa cartinha entregue a cada espectador, a autora Daniele Avila Small confessa, de forma sincera, divertida e amorosa, que se apossou do conto "Cathedral", de Raymond Carver, para criar o presente texto - e a carta é endereçada ao autor, o que lhe confere ainda maior singularidade. E durante o espetáculo é lido "O corvo", um dos mais conhecidos e complexos poemas de Edgar Allan Poe (1809-1949).

Como não li o conto, não tenho como avaliá-lo e muito menos o tipo de apropriação de que se valeu Daniele Avila. Mas sobre "O corvo" já me debrucei várias vezes, assim como li dezenas de interpretações sobre o mesmo, em geral discordantes. Essencialmente, o poema nos mostra um homem atormentado pela morte da amada Lenora, tendo o narrador que enfrentar seus fantasmas e confrontar-se com seu lado obscuro, materializado ne enigmática figura de um corvo. 

Em cartaz na Sala Rogério Cardoso da Casa de Cultura Laura Alvim, "As garras curvas e um canto sedutor" nos mostra um casal que recebe uma visita em sua casa. A ação se passa à noite. Robert - que é cego e veste-se de negro - é amigo de Marina e os dois se correspondem há anos por fitas. O marido de Marina (João) encara com desconfiança e um certo ciúme a presença deste homem que até então não conhecia.

Num dado momento, como já dito, Marina lê "O corvo". Tal leitura, ao que me parece, deve ter alguma relação com a presença de Robert. Mas, ao contrário do que acontece no poema, em que o narrador vai progressivamente sendo tomado pelo terror - todas as estrofes terminam com a mesma fala do corvo: "Nunca mais!" -, aqui o desfecho é otimista, graças à forma como Robert estimula o marido de Marina a encarar a vida de outra forma - obviamente que não revelarei como isto se dá, pois isso privaria o espectador de uma impactante surpresa.

Seja como for, e ainda que não tenha chegado a uma conclusão definitiva sobre a possível analogia entre a ave do poema e o visitante noturno, o que importa ressaltar é que Daniele Avila Small escreveu um texto enxuto, contendo bons personagens e que prende a atenção do espectador.

Dirigido com sobriedade por Felipe Vidal e interpretado com segurança por Ângela Câmara (Marina), Leandro Daniel Colombo (João) e Rafael Sieg (Robert), o presente texto faculta ao público múltiplas interpretações, sendo a minha a de que sempre será possível transcender nossas dificuldades, desde que estejamos abertos a experimentar novas e impensadas possibilidades.

Na equipe técnica, são corretas as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta breve e instigante empreitada teatral - Aurora dos Campos (cenografia), Tomás Ribas (iluminação), Flávio Souza (figurinos), Felipe Vidal (dureção musical) e Felipe Khoury (preparação corporal).

GARRAS CURVAS E UM CANTO SEDUTOR - Texto de Daniele Avila Small. Direção de Felipe Vidal. Com Ângela Câmara, Leandro Daniel Colombo e Rafael Sieg. Porão da Laura Alvim. Quartas e quintas, 21h.






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