sexta-feira, 21 de março de 2014

Teatro/CRÍTICA

"As três irmãs"



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Original, ousado e belíssimo projeto



Lionel Fischer



Um dos mais belos textos de Tchecov, "As três irmãs" gira em torno de Olga, Irina e Macha. Vivendo com o irmão Andrei numa pequena cidade da província, elas anseiam por retornar a Moscou, onde passaram uma infância feliz. A ida para a capital se afigura como a única salvação possível, pois todas já não suportam mais a existência medíocre e previsível que levam. Mas o almejado projeto é sempre adiado...

Outros personagens permeiam a trama, mas acho que o resumo escrito acima basta, pois tudo aqui gira em torno das irmãs. Estas estão inseridas na atualidade e compartilham com o público seus sonhos e inquietações - no Mezanino do Espaço Sesc assiste-se à peça, e na Sala Multiuso à filmagem da mesma em tempo real - como estava no Mezanino, só posso avaliar a montagem teatral, assinada por Christiane Jatahy, também responsável pela edição e projeção das imagens produzidas. Isabel Teixeira encarna Olga, a irmã mais velha, cabendo a Julia Bernat viver a caçula Irina e a Stella Rabello interpretar Macha, aqui rebatizada de Maria. O presente evento é um projeto da Cia. Vértice de Teatro.

Como ocorre em alguns de seus textos, em "As três irmãs" Tchecov trabalha dois temas principais: a passagem do tempo e a influência do meio como fator determinante para a acomodação, o que pressupõe enorme dificuldade para se empreender qualquer tipo de mudança. E as três irmãs querem mudar - e não apenas se mudar. Almejam por uma vida plena, feliz, impregnada de surpresas e descobertas. Mas isso é literalmente impossível no restrito mundo que habitam.

Há, portanto, um permanente descompasso entre sonho e realidade. E esse descompasso é materializado na cena em uma passagem admirável, sensível metáfora da realidade das três irmãs. Olga, acompanhada de um violonista, tenta cantar várias músicas. Mas o violonista repete sempre os mesmos acordes e não altera o ritmo, embora Olga solicite a todo momento um andamento mais rápido. Os acordes não correspondem às melodias, da mesma forma que a vida das irmãs não está em sintonia com seus anseios mais profundos. E se inicialmente tudo é festa - Irina faz aniversário e a plateia bebe vinho e champagne com as atrizes, assim como mais adiante todos dançam -, pouco a pouco o clima vai se tornando cada vez mais amargo, à medida que conhecemos as principais questões das personagens. 

Impondo à cena uma dinâmica que mescla a peça encenada com intervenções da equipe de filmagem, Christiane Jatahy consegue cativar e envolver o espectador ao longo de todo o espetáculo. Valendo-se de marcas diversificadas e extremamente criativas, trabalhando os tempos rítmicos de forma impecável e evidenciando, uma vez mais, sua salutar ousadia, a encenadora exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas interpretações do elenco.

Vivendo Olga, Isabel Teixeira está engraçadíssima em muitas passagens, sendo que em outras extrai toda a carga dramática de uma personagem amargurada e fadada à mais absoluta solidão. Julia Bernat também está irrepreensível vivendo Irina, transmitindo com grande sensibilidade tanto o frescor da irmã mais jovem como seu posterior desespero. O mesmo se aplica a Stella Rabello - a atriz materializa de maneira irretocável uma personalidade que sugere não caber mais em si mesma, tão desesperadora é sua ânsia de libertar-se, seja de um casamento cuja mediocridade a sufoca, seja do lugar aonde vive. Gostaria ainda de registrar não apenas a fortíssima contracena que as três atrizes estabelecem, como também as seguras e eventualmente divertidas participações de Paulo Camacho (diretor de fotografia e câmera ao vivo, que encarna Verchinin), Rafael Rocha (músico que interpreta André), Felipe Norkus (coordenação técnica de vídeo) e Thiago Katona (direção de palco).

Na equipe técnica, Marcelo Lipiani assina impecáveis direção de arte e cenário, a mesma excelência presente nos figurinos de Antonio Medeiros e Tatiana Rodrigues, na direção musical de Domenico Lancelotti e na iluminação sempre expressiva de Paulo Camacho e Alessandro Boschini.

AS TRÊS IRMÃS - Texto de Tchecov. Adaptação, roteiro e edição ao vivo de Christiane Jatahy. Com Isabel Teixeira, Julia Bernat e Stella Rabello. Sala Mezanino (peça), Sala Multiuso (filme). Quinta a sábado, 21h. Domngo, 20h.


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