sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Casa de cômodos"

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Pertinente espetáculo no Solar



Lionel Fischer



Português há muitos anos morando no Rio de Janeiro, Antonio é proprietário de uma casa de cômodos. Elisa, uma das hóspedes, é uma jovem solteira que costura. Uma família de negros, composta por Joaquim (Pai), Berenice (Mãe) e Guiomar (Filha) ocupa um dos quartos, e paga sua hospedagem com serviços domésticos. Quando se inicia a ação, surge Francisco, vindo de Portugal, e cuja irmã vai se casar com Antonio. A chegada desse visitante, que não entende como Antonio permite que negros se hospedem na casa, acabará contribuindo para um desfecho trágico, fruto tanto do mais abjeto racismo como também de abomináveis distorções morais. 

Eis, em resumo, o enredo de "Casa de cômodos" - e mais detalhes não incluo pois isso privaria o espectador de impactantes surpresas. De autoria de Cecília Terrana, a peça está em cartaz no Solar de Botafogo, com direção de Marcelo Marques e elenco formado por Adriana Zattar (Elisa), André Frazzi (Francisco), Deo Garcez (Joaquim), Kenya Costta (Berenice), Soraia Arnoni (Guiomar) e Marco Aurélio Hamellin (Antonio).

Ambientada no Rio de Janeiro, em 1934, a peça possui dois focos principais, um deles já explicitado no parágrafo inicial: essa praga chamada racismo que, se atualmente se encontra um pouco mais atenuada, nem por isso deixou de existir. E por racismo entenda-se não apenas o desprezo pela raça negra (no presente caso), mas sua abjeta utilização em atividades de natureza sexual. 

O outro foco recai, como também já foi dito, sobre distorções morais. Elisa é uma mulher séria que veio para o Rio de Janeiro visando escapar de um pai alcoólatra e violento. Ela é correta e trata a todos com extrema educação. No entanto, acaba sendo acusada de algo que não fez e é forçada a deixar o lugar, terminando por prostituir-se. A verdade dos fatos finalmente vem à tona, quando então o personagem Antonio converte-se numa espécie de símbolo daquilo que de mais pavoroso possuem os detentores do poder.

Bem escrito, contendo ótimos personagens e uma ação que prende a atenção do espectador ao longo de toda a montagem, "Casa de cômodos" recebeu uma versão sóbria e digna, destituída de inúteis mirabolâncias formais (mas nem por isso isenta de expressividade) e cujo principal destaque é a atuação do diretor Marcelo Marques junto aos atores. Todos valorizam ao máximo seus personagens, evidenciando total compreensão não apenas dos mesmos, mas do contexto em que se dá a ação. Assim, por me parecer injusto conferir qualquer destaque especial, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo.

Na equipe técnica, considero de excelente nível as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta séria e oportuna empreitada teatral - Marcelo Marques (cenografia e figurinos) e Leysa Vidal (iluminação).

CASA DE CÔMODOS - Texto de Cecília Terrana. Direção de Marcelo Marques. Com Adriana Zattar, André Frazzi, Deo Garcez, Kenya Costta, Soraia Arnoni e Marco Aurélio Hamellin. Solar de Botafogo. Dias 31 de julho a 3 de agosto, 14 a 17 de agosto. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h30.

     

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