Teatro/CRÍTICA
"Madame Bovary"
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Brilhante adaptação de obra-prima
Lionel Fischer
"Madame Bovary sou eu".
A frase, dita por Gustave Flaubert (1821-1880) na Sexta Corte Correcional do Tribunal do Sena, sintetiza sua defesa ante as acusações de ofensa à moral e à religião que lhe foram feitas quando da publicação de seu romance "Madame Bovary". Flaubert acabou absolvido pelo tribunal, mas os críticos puritanos da época não o perdoaram pelo tratamento (segundo eles) cru que tinha dado ao tema do adultério e, fundamentalmente, pelas ácidas críticas ao clero e à burguesia.
Considerado o primeiro romance realista da história da literatura e sem dúvida uma das maiores obras-primas já escritas, "Madame Bovary" ganha agora uma adaptação teatral, assinada por Bruno Lara Resende, também responsável pela tradução. Em cartaz no Teatro dos Quatro, a montagem conta com direção de Bruno Lara Resende e Rafaela Amado (com colaboração artística no espetáculo de Marcio Abreu e André Lepecki). No elenco, Raquel Iantas, Joelson Medeiros, Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e Vilma Mello.
"A linda Emma, mortalmente insatisfeita com sua vida pequeno-burguesa no interior da França, anseia por luxo, prestígio e paixão e quer, desesperadamente, deixar para trás o que considera medíocre e pobre. Charles, seu marido, homem comum, conformado, fiel, leal, está cegamente apaixonado, mas é incapaz de acender a mais leve faísca na mulher que idolatra. Os choques entre visões de mundo, desejos e objetivos - e suas consequências - constroem, ao mesmo tempo com ironia e empatia, um dos romances mais referenciais da literatura ocidental: Madame Bovary".
Extraído do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo do extraordinário romance. Mas por que extraordinário, poderia indagar alguém que não tenha lido a obra?
E tal indagação não seria nem um pouco despropositada, já que o livro possui um enredo simples e todos os personagens quase nunca transcendem a mais absoluta mediocridade. Sendo assim, o que confere a "Madame Bovary" o status de obra-prima?
Bem, aqui poderia citar uma infinidade de análises de críticos literários, ensaístas e filósofos que se debruçaram sobre a obra. Mas volto ao release, que sintetiza em duas frases o que me parece essencial: "A força do livro não está na sua história. O que faz a diferença é a qualidade do texto, a beleza e força insuperáveis dessa narrativa". Isto posto, passemos ao espetáculo.
Inicialmente cabe registrar a maravilhosa adaptação feita por Bruno Lara Resende, que permite apreender o que de mais essencial existe na história. E esta foi materializada na cena de forma não menos brilhante, tanto pela opção narrativa adotada - os atores encarnam os personagens e ao mesmo tempo narram e comentam os acontecimentos - quanto pela dinâmica cênica em si, cuja expressividade é fruto de marcações muito criativas e da inventiva manipulação dos poucos objetos cênicos - cadeiras e mesas. Sem dúvida, um dos melhores espetáculos da atual temporada, que merece ser prestigiado de forma incondicional pelo público.
Com relação ao elenco, Raquel Iantas consegue valorizar, de forma extremamente sensível, todas as características de sua complexa personagem, convencendo tantos nas passagens em que Emma exibe submissão e conformismo quanto naquelas em que parece possuída do furor das grandes tempestades. Sem dúvida a atriz exibe aqui a melhor performance de sua carreira - afora o fato de, não custa nada lembrar, estar mais linda do que nunca, em especial nas passagens em que, diáfana, caminha pelo palco com uma deslumbrante echarpe lilás...
O mesmo pode ser dito de Joelson Medeiros, que constrói um Charles apaixonado, totalmente devotado à mulher, alma ingênua e pura, incapaz de qualquer desconfiança, capaz de todos os sacrifícios para fazer Emma feliz. Seu desempenho é emocionante e emocionado, e ouso supor que o ator às vezes nem consiga camuflar sua emoção no desempenho do papel - posso estar enganado, mas na noite em que assisti ao espetáculo, logo depois de Charles dizer a Emma "Mas o que vai ser de minha mãe?" (ou algo parecido), tive a impressão de que Joelson, ao deixar o palco, enxugou discretamente uma furtiva lágrima. Ou terão sido duas?
Igualmente maravilhosas as participações de Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e Vilma Mello, que se revezam em diversos personagens, de todos eles extraindo o máximo que é possível. E aqui gostaria de deixar bem clara minha irrestrita admiração por estes profissionais que, circunstancialmente nesta montagem atuando como coadjuvantes, contribuem de forma decisiva para o seu absoluto êxito. Portanto, vida longa aos coadjuvantes! - desde que maravilhosos, como no presente caso.
Na equipe técnica, considero de primeiríssimo nível as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna e imperdível empreitada teatral - Marcelo Lipiani (cenografia), Patrícia Lambert (figurinos), Renato Machado (iluminação), Marcia Rubin (direção de movimento), Antonio Saraiva (música) e Bruno Lara Resende (tradução).
MADAME BOVARY - Texto de Gustave Flaubert. Adaptação de Bruno Lara Resende. Direção de Lara Resende e Rafaela Amado. Com Raquel Iantas, Joelson Medeiros, Alcemar Vieira, Lourival Prudêncio e Vilma Mello. Teatro dos Quatro. Terça e quarta, 20h.
quinta-feira, 28 de maio de 2015
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