Teatro/CRÍTICA
"CAOS"
............................................................
Sensível retrato de nossa realidade
Lionel Fischer
"Impasses e surpresas que todos estão sujeitos a vivenciar no dia a dia da cidade do Rio de Janeiro. A montagem é uma reunião de contos que a atriz e idealizadora do projeto escreveu ao longo dos últimos anos. Interferências, desconfortos, possíveis perdas, maus tratos, indiferenças, acidentes e desvios da cidade caos. Todos os contos materializam experiências vividas pela autora".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza as premissas básicas de "CAOS", de autoria de Rita Fischer. Em cartaz no Teatro Municipal Sergio Porto, a montagem leva a assinatura de Thiago Bomilcar Braga, estando o elenco formado por Maria Carol e Rita Fischer.
Como explicitado no parágrafo inicial, os contos encenados objetivam retratar o que está acontecendo em nossa cidade ao longo dos últimos anos. Mas a autora fez uma clara opção no sentido de não investir em passagens trágicas, no sentido máximo do termo, como ocorre quando alguém é assaltado ou brutalizado na rua por uma razão fútil.
No entanto, a tragicidade não deixa de estar presente, como na passagem que envolve um menino de rua que vasculha desesperadamente uma lata de lixo em busca de comida.
A personagem tenta ajudar ao máximo, oferece ao menino o sanduíche que está prestes a comer, ele aceita e finalmente pede que ela o leve consigo para morar em sua casa. Isso não é possível, evidentemente, e a cena termina evidenciando a dor de ambos e deixando no ar uma pergunta que parece que não será jamais respondida: a quem deve ser creditada a responsabilidade por tamanha miséria e abandono?
Em outros momentos, em que o humor predomina, o texto aborda situações que nos infernizam cotidianamente, como o mal atendimento nos bancos, nas lojas, a impaciência generalizada com o outro, a indiferença e descaso dos órgãos públicos com questões que poderiam ser facilmente resolvidas desde que houvesse um mínimo de boa vontade. E ainda no quesito humor, a autora ironiza o vício de postar fotos nas redes sociais e o machismo dos que ainda acreditam que a mulher não passa de um objeto usável e que não lhe cabe se revoltar contra isso.
E em meio a todo esse caos, pleno de desamor e indiferença, cabe ressaltar a belíssima passagem em que a autora retrata sua relação com sua cadela Futrica, já bem velhinha e totalmente cega. Após explicitar seu incondicional amor por ela, a autora encerra este segmento dizendo mais ou menos o seguinte: "Não importa que você caminhe com dificuldade, porque eu te ajudo a caminhar. E também não importa que você esteja cega, porque você vai continuar enxergando o mundo através dos meus olhos". Sem dúvida, um momento de grande emoção, que a plateia compartilha no mais absoluto silêncio e em meio a furtivas lágrimas.
Os 15 contos exibidos oferecem um sensível retrato do que estamos vivendo, e a encenação dos mesmos está em plena sintonia com os conteúdos propostos. O diretor Thiago Bomilcar Braga optou sabiamente por uma dinâmica simples e despojada, mas nem por isso isenta de expressividade. E seu maior mérito diz respeito ao seu trabalho junto às atrizes.
Ambas fazem quase todos os personagens, às vezes sozinhas, às vezes contracenando. E o rendimento de ambas é excelente. Rita Fischer exibe uma vez mais seus inegáveis dotes de comediante, ainda que caiba a ela a comovente passagem com sua cadela, em que também demonstra ser capaz de transitar com a mesma eficiência pelo drama. Quanto a Maria Carol, esta evidencia, assim como sua parceira de cena, forte presença cênica, grande carisma e uma voz privilegiada, afora uma total cumplicidade com o material dramatúrgico, dele se apropriando como se fosse de sua autoria.
Na equipe técnica, Luíza Pitta responde por uma excelente direção de movimento, determinante para conferir grande expressividade ao trabalho das atrizes. Paulo Cesar Medeiros consegue o prodígio de, valendo-se de poucos refletores, contribuir decisivamente para o fortalecimento dos múltiplos climas emocionais em jogo. Dora Devin assina figurinos neutros, perfeitamente adequados às propostas da direção. Rádio Lixo responde por correta trilha sonora, sendo belíssimo o cartaz (identidade visual) criado por David Lima.
CAOS - Texto de Rita Fischer. Direção de Thiago Bomilcar Braga. Com Maria Carol e Rita Fischer. Teatro Municipal Sergio Porto. Sábado, domingo e segunda às 19h.
quinta-feira, 8 de março de 2018
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário