Teatro/CRÍTICA
"Romeu & Julieta"
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Ousada e meritória versão
Lionel Fischer
Embora me pareça incontestável que William Shakespeare é o maior dramaturgo da História, encenar uma de suas peças, e em especial as tragédias, implica em se empreender algumas reflexões, dentre elas a mais aguda: como fazê-lo? Se o texto for feito na íntegra, provavelmente o espectador atual não se mostrará disponível para se manter atento ao longo de muitas horas. Se a opção for fazer uma adaptação, mesmo que pertinente, ainda assim corre-se o risco de minimizar o alcance do original. Então, qual seria o caminho mais viável?
Em minha opinião, uma adaptação, como ocorre no presente caso, sendo que a mesma materializa dois desafios suplementares: a tragédia foi convertida em um musical e as canções são assinadas por Marisa Monte, ou seja, totalmente inseridas na contemporaneidade.
Em cartaz no Teatro Riachuelo, "Romeu & Julieta" tem concepção e direção assinadas por Guilherme Leme Garcia. Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche respondem pela adaptação e roteiro musical, sendo que o projeto também contou com a colaboração artística de Vera Holtz.
No elenco, Bárbara Sut (Julieta), Thiago Machado (Romeu), Ícaro Silva (Mercuccio), Pedro Caetano (Teobaldo), Bruno Narchi (Benvolio), Stella Maria Rodrigues (Ama), Claudio Galvan (Frei Lourenço), Kacau Gomes (Sra. Capuleto) e Marcelo Escorel (Sr. Capuleto). Neusa Romano (Sra. Montecchio), Max Gracio (Sr. Montecchio), Kadu Veiga (Príncipe), Diego Luri (Paris) e Saulo Segreto (Pedro) interpretam os citados personagens e também compõem o elenco de apoio. Os que se seguem integram apenas o elenco de apoio - Franco Kuster, Gabriel Vicente, Laura Carolinah, Luci Salutes, Thiago Lemmos, Vitor Moresco, Gabi Porto, Santiago Villalba, Natalia Glanz e Daniel Haidar.
Como tratados sobre esta obra-prima já foram escritos por renomados críticos, pensadores, ensaístas, filósofos e psicanalistas do mundo inteiro, certamente muito mais capazes do que eu, julgo pueril ter a pretensão de acrescentar algo ao que já foi dito. No entanto, permito-me apenas uma singela observação. Mesmo que o texto materialize a mais bela história de amor já escrita, creio que seu maior mérito consiste na feroz investida que Shakespeare faz contra a intolerância, que desde os primórdios da humanidade tem sido a maior responsável pelas inúmeras e diversificadas tragédias que parecem fadadas a se perpetuar.
Com relação à opção de converter "Romeu & Julieta" em um musical, acho perfeitamente válido - ao menos em princípio, toda obra pode ser convertida em musical. Mas, no presente caso, é grande a ousadia, pois, como já foi dito, todas as canções são de Marisa Monte, totalmente inseridas na contemporaneidade. Diante disto, algumas questões se impõem: tal opção funciona ou minimiza a potência do original? Foi adotada para facilitar o envolvimento do espectador, já que o mesmo se reconhece e se identifica com muitas das canções? Em meu entendimento, estamos diante de uma proposta totalmente válida, e certamente as canções selecionadas contribuem decisivamente para o fortalecimento dos múltiplos climas emocionais em jogo e os aspectos políticos inerentes à obra.
No tocante ao espetáculo, Guilherme Leme Garcia impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico e com as canções de Marisa Monte. Tanto as passagens mais líricas e luminosas, como as impregnadas de dor e essencialmente sombrias são trabalhadas de forma impecável, propiciando ao espectador um belo encontro com uma obra que será lida e representada até que não exista mais ninguém neste curioso planeta que habitamos.
No que diz respeito ao elenco, Bárbara Sut desenha com grande sensibilidade toda a curva emocional de Julieta, inicialmente uma aristocrata apenas impregnada de juvenil paixão e mais adiante consciente das graves questões que determinarão seu trágico desfecho. Cabe também salientar sua belíssima voz e a graciosidade de seu universo gestual. A mesma eficiência se faz presente no Romeu a cargo de Thiago Machado, com o ator mergulhando de forma visceral em todos os estados emocionais do personagem, afora cantar de forma irretocável.
Outros destaquem ficam por conta das performances de Stella Maria Rodrigues e Claudio Galvan. A primeira constrói uma Ama encantadora, tanto por seu humor quanto por sua infinita capacidade de amar e tentar entender os conflitos de Julieta. Já Galvan exibe um desempenho que mescla, em igual e apropriada medida, afeto e lucidez. Quanto a Ícaro Silva, o excelente ator compõe um Mercuccio priorizando um estado exacerbado e pleno de afetação, além de sugerir uma possível homossexualidade do personagem, que a meu ver nada acrescenta de significativo à trama. Com relação aos demais intérpretes, todos contribuem de forma decisiva, tanto no canto quanto na dança, para o sucesso desta oportuna empreitada teatral.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche (adaptação e roteiro musical), Vera Holtz (colaboração artística), Apollo Nove (direção musical), Jules Vandystadt (direção vocal), Toni Rodrigues (coreografia), Renato Rocha (lutas), Daniela Thomas (cenário), João Pimenta (figurino), Fernando Torquatto (visagismo), Monique Gardenberg e Adriana Ortiz (desenho de luz), Carlos Esteves (desenho de som), Victor Hugo (desenho gráfico) e Marcela Altberg (produção de elenco). Cabe também destacar as maravilhosas contribuições de Claudia Elizeu (maestrina), Gabriel Gravina (teclado), André Barros (violões e bandolim), Tássio Ramos (baixo acústico), Arthur Pontes (violino e viola), Fábio Meg (cello acústico), Gabriel Guenther (percussão orquestral) e Gelton Galvão (harpa).
ROMEU & JULIETA - Texto de William Shakespeare. Concepção e direção de Guilherme Leme Garcia. Músicas de Marisa Monte. Adaptação e roteiro musical de Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche. Colaboração artística de Vera Hotlz. Com Bárbara Sut, Thiago Machado e grande elenco. Teatro Riachuelo. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h.
quinta-feira, 22 de março de 2018
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