quinta-feira, 19 de julho de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Histórias de família"

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Montagem valoriza texto dúbio


Lionel Fischer


"Nas ruínas da Iugoslávia destruída pela guerra, quatro personagens brincam de família, reproduzindo o comportamento delirante de adultos desorientados. Pouco a pouco revela-se a lógica da guerra, criada e mantida pelo poder político, que se manifesta em todos os níveis da sociedade. Por meio das brincadeiras, são percebidas fraquezas e medos. O jogo termina e logo tudo recomeça. A violência da brincadeira substitui a violência dos combates e nesse ritual, à imagem do clima político, a tensão entre todos é extrema".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Histórias de família", da dramaturga sérvia Biljana Srbljanovic, que encerra a "Trilogia da Guerra" levada à cena pela Cia. Amok Teatro (as montagens anteriores foram "O dragão" e "Kabul"). Em cartaz no Teatro 3 do CCBB, a peça tem adaptação e direção de Ana Teixeira e Stephane Brodt, estando o elenco formado por Brodt, Bruce Araujo, Christiane Góis e Rosana Barros.

Pelo exposto no parágrafo inicial, "quatro personagens brincam de família, reproduzindo o comportamento delirante de adultos desorientados". E aqui começaram minhas dúvidas (que se prolongaram ao longo da montagem), pois em nenhum momento tive a sensação de estar diante de personagens que brincavam de família, mas sim diante de uma família real - ainda que virulenta, absurda, exacerbada e delirante.

Se, ao invés de "quatro personagens", o contexto exibisse "quatro atores", poderia encarar "Histórias de família" como uma espécie de ensaio de um grupo em busca de uma escrita e de soluções cênicas capazes de materializar os temas abordados. Aí, talvez, fizesse sentido para a mim a proposta de "jogos que terminam e logo recomeçam". Mas como não percebi o texto dessa forma, só consegui me relacionar com ele ignorando uma das premissas fundamentais que lhe deu origem.  

Do ponto de vista dramatúrgico, é inegável que a autora cria algumas cenas interessantes, nas quais empreende pertinentes reflexões sobre os horrores da guerra e suas conseqüências, sobretudo no âmbito familiar e nas relações afetivas. Em contrapartida, exibe outras que priorizam o humor, supostamente crítico, mas que a mim pareceram deslocadas.

Com relação ao espetáculo, este exibe a notável grife da Cia. Amok Teatro. Ao optar por uma linguagem que, ao menos em alguma medida, remete ao expressionismo, a diretora Ana Teixeira cria uma dinâmica que confere à cena uma atmosfera claustrofóbica e aterrorizante, cabendo também destacar seu maravilhoso trabalho junto aos intérpretes. Stephane Brodt (Vojin) e Rosana Barros (Milena) apresentam performances irretocáveis, tanto no que diz respeito ao texto articulado como no tocante ao universo gestual. Bruce Araujo (Andria) se sai melhor na parte corporal, podendo ainda conferir maiores nuances ao texto. Christiane Góis (Nadezda) é muito expressiva fisicamente e faz muito bem o monólogo final, ainda que o mesmo, em minha opinião, poderia ser feito com mais crueza e menos lágrimas.

Na equipe técnica, Renato Machado assina uma iluminação propositadamente despojada e fria, que atende às necessidades do espetáculo. Quanto à cenografia de Stephane Brodt, esta utiliza elementos envelhecidos que retratam com sensibilidade a pobreza do contexto. Mas não sei exatamente qual a função dos bonecos colocados numa parte da platéia: seria una sugestão para que nosso olhar fosse semelhante ao de uma criança? As crianças seriam uma metáfora da nossa condição de adultos, como se nada mais fôssemos do que manequins impregnados de cera e encharcados de morte? Enfim, não cheguei a nenhuma conclusão que me parecesse satisfatória. Com relação aos figurinos assinados por Brodt, são irretocáveis, cabendo ainda destacar a ótima trilha sonora da Amok Teatro - quase sempre, antes do início de uma cena, um som prolongado e indefinido sugere angustiantes presságios.

HISTÓRIAS DE FAMÍLIA - Texto de Bijana Srbljanovic. Direção de Ana Teixeira. Com a Cia. Amok Teatro. Teatro 3 do CCBB. Quarta a domingo, 19h30   

    

          

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