segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Esta criança"

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Delicadas relações no CCBB


Lionel Fischer


"Esta Criança estrutura-se em 10 cenas curtas e apresenta como tema único, ao mesmo tempo fragmentado em diferentes aspectos de abordagem, a relação entre pais e filhos. Constrangedoras, engraçadas, tristes, estranhas, as situações de morte, nascimento, adoção, abandono, agressão, desabafo, ilustram pontos cruciais e eternos na vida dos personagens sem nome, reconhecidos apenas pelas relações de parentesco que se tornam aparentes no desenvolvimento dos diálogos".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima explicita o contexto e a estrutura de "Esta criança", do dramaturgo francês Joël Pommerat, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil. Fruto da parceria entre a Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, e a atriz Renata Sorrah, a montagem chega à cena com direção de Marcio Abreu e elenco formado por Renata Sorrah, Giovana Soar, Ranieri Gonzales e Edson Rocha.

Mesmo não sendo psicanalista, ouso supor que aquilo que somos - ou nos tornamos - tem estreitíssima relação com o nosso universo familiar. Um casal se escolhe, naturalmente, mas os filhos que advém dessa união possuirão singularidades que muitas vezes acabam contrariando as mais prosaicas expectativas daqueles que os geraram. E nos momentos em que se materializam impasses, a possibilidade de entendimento é muitas vezes anulada pela intolerância, nada mais restando do que dolorosas trocas de acusações.

Por outro lado, é inegável que o universo familar não se resume a um carrossel de horrores e todos nós, ainda que em graus diferenciados, certamente guardamos algumas boas lembranças da relação que tivemos com nossos pais, irmãos etc. Mas, como dito no parágrafo inicial, o presente texto investe nos aspectos mais sombrios das relações familiares, ainda que eventualmente valendo-se do humor.

E certamente em função da acurada capacidade de observação do autor, dos ótimos diálogos que criou e dos instigantes personagens que povoam a cena, acredito que os espectadores poderão não apenas se identificar com muitas situações, mas também empreender oportunas reflexões sobre suas vidas e relações familiares. 

Com relação à montagem, Marcio Abreu impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. A começar pela ótima exploração que faz da expressiva cenografia de Fernando Marés, composta basicamente de um amplo cômodo inclinado que enfatiza o desequilíbrio das relações em causa. Valendo-se, também, da soturna e claustrofóbica iluminação de Nadja Naira, o encenador movimenta os atores de forma tal que, não raro, tive a sensação de estar vivendo um pesadelo - ou, quem sabe, permitindo que meu inconsciente liberasse imagens e lembranças supostamente adormecidas.

Com relação ao elenco, os quatro profissionais que estão em cena exibem desempenhos irretocáveis, tanto nas passagens mais dolorosas (a maioria) quanto naquelas em que o humor predomina.
Cabe também salientar a capacidade do conjunto de valorizar ao máximo os momentos em que nada é dito, quando as emoções em causa inviabilizam a possibilidade de serem expressas através das palavras. 

No complemento da ficha técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Giovana Soar (tradução), Felipe Storino (trilha e efeitos sonoros), Valéria Stefani (figurino), Marcia Rubin (direção de movimento) e Babaya (preparação vocal).

ESTA CRIANÇA - Texto de Joël Pommerat. Direção de Marcio Abreu. Com Renata Sorrah, Giovana Soar, Ranieri Gonzales e Edson Rocha. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 21h.



       



2 comentários:

  1. Ótima crítica. Eu assisti o espetáculo e acredito que a crítica o retratou muito bem. Destacaria a cena da adoção "involuntário" do ponto de vista do casal e de "abandono" do ponto de vista da mãe. O casal (Renata Sorah e Edson Rocha)com poucas palavras e muita expressão nos transporta a dor e a decisão de se abandonar e de ser abandonado e atriz Giovana Soar é simplesmente extraordinária representa a mãe que abandona o bebê. Essa cena é uma das melhores e o espetáculo no todo é forte, intenso e maravilhoso.

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  2. Janaína,

    Te agradeço ter postado esse comentário, com o qual concordo inteiramente, e te agradeço igualmente tuas generosas palavras sobre o que escrevi. Espero que este seja o início de uma longa correspondência entre nós.

    Beijos,

    Eu

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