sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Nem mesmo todo o oceano"


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Oportuna montagem sobre os Anos de Chumbo

Lionel Fischer


Em dado momento de seu poema "O direito ao delírio", o escritor uruguaio Eduardo Galeano faz uma exaltação às Loucas da Praça de Maio por negarem-se a esquecer em tempos de amnésia obrigatória. No Brasil, uma vez restaurada a democracia, também se achou conveniente - ao menos durante longo período - não investigar os horrores perpetrados pela ditadura militar nos chamados Anos de Chumbo. Mas felizmente agora existe a Comissão da Verdade e espera-se que os responsáveis pela barbárie venham a pagar pelos crimes cometidos.

Assim sendo, nada mais oportuno do que a encenação do presente texto, baseado no romance homônimo de Alcione Araújo, falecido no ano passado. Os que viveram o tenebroso período haverão de sentir-se profundamente tocados. E os mais jovens, estes provavelmente ficarão perplexos ante a constatação dos atrozes mecanismos de que se valiam os militares para silenciar as vozes que se opunham aos seus pérfidos interesses.

Em cartaz no Espaço Sesc, "Nem mesmo todo o oceano" é a mais nova produção da Cia. OmondeÉ e chega à cena com adaptação e direção de Inez Viana, estando o elenco formado por Leonardo Brício, Iano Salomão, Jefferson Shroeder, Junior Dantas, Luis Antonio Fortes e Zé Wendel, com Pedro Kosovski atuando como consultor dramatúrgico.

Tendo como tema a história de um rapaz pobre, oriundo do interior, 
que vem para o Rio de Janeiro e consegue formar-se em medicina, a peça nos mostra mais adiante as circunstâncias que o levaram a envolver-se com o famigerado DOI-CODI, onde passou a exercer a sórdida função de avaliar o quanto ainda poderiam resistir os presos que estavam sendo torturados. 

Mas o acima escrito limita-se meramente ao enredo. Em meio a este, Alcione Araújo empreende pertinentes reflexões sobre o amor, a lealdade, a alienação, a ânsia de liberdade e o medo de reivindicá-la, dentre muitos outros temas. Assim como no romance, a adaptação preserva uma mescla de realidade e ficção, sendo o resultado tão digno e impactante quanto o original. 

Com relação ao espetáculo, Inez Viana impõe à cena uma dinâmica ágil e criativa, que materializa com igual vigor e intensidade tanto as passagens mais dramáticas como aquelas em que o humor predomina. E sua atuação junto ao elenco é igualmente irrepreensível, pois ainda que os atores tenham idades e experiências diversas, todos conseguem materializar com visceral entrega os muitos personagens que interpretam. 

Na equipe técnica, Flávio Souza responde por uma cenografia e figurinos despojados, mas que atendem a todas as necessidades da montagem, sendo de excelente nível a iluminação de Renato Machado e a direção musical de Marcelo Alonso Neves.

NEM MESMO TODO O OCEANO - Texto baseado no romance homônimo de Alcione Araújo. Adaptação e direção de Inez Viana. Com a Cia. OmondÉ. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 20h30. Domingo, 18h30.  






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