segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Teatro/CRÍTICA

"Céus"

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Texto arbitrário em versão pouco imaginativa



Lionel Fischer



"Isolados em uma espécie de bunker, os personagens precisam desvendar um iminente atentado terrorista. Especialistas no assunto, eles também são confrontados com o misterioso desaparecimento de um membro da equipe. Atravessado por temas de extrema atualidade, o texto caminha para uma profunda discussão sobre o Terror e o mundo contemporâneo".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo e o contexto em que se dá "Céus", de Wajdi Mouawad, mesmo autor do memorável "Incêndios". Aderbal Freire-Filho responde pela direção do espetáculo, que tem elenco formado por Charles Fricks, Isaac Bernat, Felipe de Carolis, Rodrigo Pandolfo e Silvia Buarque - Aderbal faz uma pequena participação em vídeo.

Como explicitado no parágrafo inicial, especialistas estão confinados e têm como missão desvendar um iminente ataque terrorista. Para tanto, se lançam à tarefa de tentar decifrar códigos, interceptar supostas comunicações entre possíveis células terroristas e assim por diante. Ao mesmo tempo, e em função da tensão inerente a um tal contexto, as relações entre eles começam a se tornar cada vez mais exasperantes, sendo tal exasperação progressivamente agravada pelo fato de que os métodos tradicionais de investigação não estão dando frutos. 

A partir daí, a possibilidade de sucesso se concentra na elucidação do misterioso desaparecimento de um membro da equipe, que aparentemente a liderava. E aqui, ao menos para mim, o texto envereda por um caminho por demais fantasioso e obscuro.

Não sou, obviamente, um especialista em contextos desta natureza. Assim, me permito algumas dúvidas. Como pode o membro de uma equipe tão específica de especialistas simplesmente desaparecer? E desapareceu de onde? Ele também estava confinado no dito bunker ou comandava as ações de outro lugar? 

Em dado momento, fica-se sabendo que ele se suicidou, tendo deixado um enigmático depoimento em vídeo, que parece conter a única pista possível para a elucidação do caso. Mas como ninguém consegue ter acesso a esse vídeo, um novo membro se junta à equipe, alguém que parece apto a entrar em qualquer computador. 

A partir daí, e ainda que o texto exiba alguns conflitos entre os personagens, praticamente tudo se concentra na elucidação do tal vídeo. Mas à medida em que isto vai ocorrendo, a impressão que tive foi a de que o autor se desligou deliberadamente do contexto específico da situação e passou a priorizar uma desvairada sequência argumentativa. Esta, sem dúvida, não deixa de ser interessante, mas a mim pareceu totalmente arbitrária.

Com relação ao espetáculo, este fica muito aquém do enorme talento de Aderbal Freire-Filho. E me gerou algumas dúvidas. Por exemplo: por que alguns espectadores são levados à cena em alguns momentos, nela permanecendo por pouquíssimo tempo? Se a finalidade era a de incorporar, ao menos em alguma medida, a plateia ao espetáculo, esses espectadores deveriam, ou poderiam, exercer alguma função mais específica. Do jeito que as coisas acontecem, este ir e vir sem nenhum objetivo mais claro me soou totalmente enigmático.

Outra questão diz respeito à dinâmica cênica em si. Ao contrário do que em geral acontece nas montagens de Aderbal, nesta as soluções ou se repetem - como as camas que são trazidas inúmeras vezes para o centro do espaço, delimitando os quartos dos personagens - ou carecem da prodigiosa imaginação do encenador, já fartamente demonstrada em espetáculos fundamentais da cena carioca. 

Em contrapartida, Aderbal se sai muito bem na condução do elenco, já que todos os atores exibem performances de notável qualidade, explorando ao máximo o potencial dos personagens e mergulhando profundamente no exasperante contexto em que estão situados.

Na equipe técnica, o projeto gráfico e projeções de Radiográfico causam forte e poético impacto, o mesmo ocorrendo com a música e desenho sonoro de Tato Taborda. Fernando Mello da Costa responde por austera e funcional cenografia. Maneco Quinderé ilumina a cena com acertado tom sombrio, sendo corretos os figurinos de Antonio Medeiros e de excelente nível a tradução de Angela Leite Lopes.

CÉUS - Texto de Wajdi Mouawad. Direção de Aderbal Freire-Filho. Com Charles Fricks, Isaac Bernat, Felipe de Carolis, Rodrigo Pandolfo e Silvia Buarque. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.  

  






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