terça-feira, 13 de junho de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Janis"

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Espetáculo arrebatador no Oi Futuro

Lionel Fischer



"O monólogo musical evoca a emblemática figura da cantora norte-americana Janis Joplin, falecida em 1970, aos 27 anos. A trama combina as canções mais icônicas de Joplin, fatos de sua biografia e o encontro com o público presente. Nesse encontro, temas como a fama e o sucesso, família, liberdade, o amor e a solidão, abrem uma reflexão sobre o ser humano, o seu estar no mundo e a importância de ser quem se é".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Janis", em cartaz no Oi Futuro Flamengo. Diogo Liberano assina a dramaturgia, com Sergio Módena respondendo pela direção. Carol Fazu, idealizadora do projeto, interpreta a cantora, dividindo o palco com os músicos Marcelo Muller (baixo), Arthur Martau (guitarra), Eduardo Rorato (bateria), Marcelo Cebukin (saxofone) e Antônio Van Ahn (teclado). 

Como se sabe, é extensa lista de astros do pop, rock ou blues que morreram aos 27 anos, e por razões idênticas: excessiva ingestão de álcool e drogas. Dentre os mais conhecidos, Brian Jones (fundador e guitarrista dos Rollig Stones), Jimi Hendrix (considerado o maior guitarrista de todos os tempos), Jim Morrison (poeta e vocalista do The Doors), Kurt Cobain (vocalista do Nirvana) e mais recentemente a cantora Amy Winehouse. 

Mas se por um lado sabemos o que causou a morte precoce de artistas tão geniais, por outro nem sempre temos acesso à singularidade de cada um, em seu sentido mais profundo. Em todo caso, e ainda que levando em conta todas as variantes possíveis, acredito que todos padeceram de algo em comum que defino como "a dor de existir" - não me estenderei aqui sobre tal definição, pois isso me obrigaria à exposição de longas conjecturas. Vamos, pois, nos deter na personalidade em questão: Janis Joplin.

Nascida no Texas em uma família de classe média, Janis poderia ter se tornado mais uma figura medíocre em meio à mediocridade que a cercava. Mas o que a teria levado a se tornar o oposto das mocinhas bem-comportadas? Apenas sua paixão pela música? Não creio, pois ela poderia ter se tornado uma cantora bem-comportada. No entanto, é óbvio que nutria desprezo pelo mundo careta que a cercava, e isto fez toda a diferença - permitiu-se todas as liberdades em relação ao sexo, vestia-se como os poetas da geração beat, bebeu e se drogou o quanto quis e, graças ao imenso talento que possuía, provou que uma mulher branca poderia cantar blues e além disso se tornou o maior símbolo feminino do rock.

Ainda assim, e mesmo levando-se em conta o estrondoso sucesso que fazia, Janis parecia sempre carecer de algo que talvez nem soubesse definir. O que poderia ser? Um grande amor? É possível que um grande amor a salvasse, ao menos durante um tempo. Mas certamente não teria sido capaz de salvá-la de si mesma, da solidão que sentia mesmo quando cercada de amigos e consciente de que uma multidão de fãs a idolatrava. 

Posso estar enganado, mas acredito que Janis apostou tudo na hipótese de que, se corresse todos os riscos, se conseguisse se entregar visceralmente a cada música que cantava e se empenhasse ao máximo em extrair tudo de cada momento, sua permanente frustração haveria de ser ao menos minimizada. Mas não foi isso que aconteceu. E é provável que tenha ensaiado várias vezes, ainda que inconscientemente, a própria morte. Até que um dia os ensaios se encerraram, e talvez ela tenha finalmente encontrado a paz que a vida sempre lhe negou.   

Com relação ao ótimo texto de Diogo Liberano, estruturado na forma de monólogo, o autor propõe uma conversa direta da personagem com a plateia, entremeada por algumas de suas mais significativas canções, sempre inseridas em total sintonia com a narrativa, assim criando uma unidade entre o canto e as palavras. E quando estas se revelam insuficientes para expressar determinados sentimentos, a música as substitui - tal recurso, utilizado de forma extremamente sensível, deixa claro que era cantando que Janis conseguia realmente se posicionar perante o mundo. 

No tocante ao espetáculo, a direção de Sergio Módena merece ser considerada primorosa, tanto pela expressividade e originalidade das marcações quanto por sua sua atuação junto à protagonista, cujos méritos serão analisados mais adiante. Mas por ora quero me deter no que o encenador conseguiu em sua parceria com toda a equipe, essencial para conferir perfeita unidade entre todos os elementos. 

A cenografia de Marcelo Marques, composta basicamente por estruturas metálicas e um pequeno tablado, remete aos grandes shows de rock. Os figurinos, também de sua autoria, vestem os integrantes da banda enfatizando a época com psicodélico lirismo - quanto ao figurino da protagonista, creio que constituído de seda e veludo, é marcado por tonalidades quentes e virulentas, em total sintonia com a personalidade retratada. 

A iluminação de Fernanda Mantovani e Tiago Mantovani enfatiza maravilhosamente todos os climas emocionais em jogo, cabendo destacar a passagem em que a atriz, ao fundo e de perfil, canta Summertime - a luz etérea, como que impalpável, me deu a sensação de que, se viesse a falecer neste momento, o faria tomado pelo mais absoluto encantamento. 

Finalmente, creio que a direção musical de Ricco Viana seja a melhor de sua brilhante carreira, pois ao mesmo tempo em que os arranjos remetem à época retratada, nem por isso deixam de exibir sutilezas harmônicas e de fraseado que estabelecem contrapontos tão surpreendentes quanto preciosos. E os músicos, todos de excelente nível, se integram à montagem com uma paixão equivalente à da protagonista.

No que se refere a Carol Fazu, não resta a menor dúvida de que é a mais impactante interpretação da presente temporada, cabendo registrar a declaração da atriz de que jamais se preocupou em fazer uma imitação de Janis Joplin, embora suas vozes obviamente se pareçam. Sábia postura, sem dúvida, pois se assim tivesse agido nos limitaríamos, no máximo, a admirar seus predicados de copista. Muito pelo contrário: o que assistimos no Oi Futuro me parece traduzir uma completa identificação entre as duas artistas, sendo arrebatadoras as interpretações de Carol Fazu e não menos arrebatadora a forma visceral com que se expressa através das palavras, cabendo igualmente registrar sua deslumbrante expressividade corporal, imenso carisma e fortíssima presença cênica. Sem nenhum temor de estar enganado, não hesito em afirmar que o teatro musical brasileiro acaba de ganhar uma artista de primeira grandeza. Assim, só me resta implorar aos sempre caprichosos deuses do teatro que abençoem sua trajetória.

JANIS - Texto de Diogo Liberano. Direção de Sergio Módena. Interpretação de Carol Fazu, também idealizadora do projeto. Oi Futuro do Flamengo. Quinta a domingo, 20h.


  




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